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Equador puniu quase 200 meios de comunicação em dois anos

Mais de 180 foram punições econômicas, com as quais o Estado recolheu 201.596 dólares

Manifestação pela liberdade de expressão em Quito em 2011.
Manifestação pela liberdade de expressão em Quito em 2011.JAIME ECHEVERRÍA (EFE)

O Equador decretou há dois anos a Lei de Comunicação, que permite ao Governo determinar quais informações devem aparecer nos meios de comunicação e como. A Superintendência da Comunicação (o órgão de controle) puniu 198 órgãos de imprensa. Foram abertos 506 processos e criadas 313 resoluções, das quais 185 foram sanções econômicas, com as quais o Estado recolheu 201.596 dólares.

“Publicar à revelia”. Essa frase encabeça as petições de retificação e réplica que três veículos de comunicação impressos (Expreso, El Comercio e La Hora) tiveram que publicar forçosamente esta semana. A Secretaria de Comunicação (Secom) enviou formatada e redigida a reforma da Lei de Segurança Social para publicação imediata.

A situação foi qualificada de abusiva e autoritária por vários defensores da liberdade de imprensa, como Diego Cornejo, da Associação Equatoriana de Editores de Jornais (Aedep). “Já faziam isso na televisão e nas rádios. Agora descobriram que podem impor conteúdos aos jornais.” Mauricio Alarcón, da Fundação Andina para a Observação e o Estudo da Mídia (Fundamedios), considera que está havendo abuso do direito a retificação e resposta para impor conteúdos e que os meios se submetem para evitar um processo. “Ao receber os textos da Secom, os jornais os publicam na íntegra, já diagramados e com títulos, e com epítetos e desqualificações contra o próprio veículo.”

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Desencanto na redação

A inquietação nas redações é palpável, e as limitações ao trabalho aumentam a cada dia. Nesta semana, o jornal Expreso informou que, para pedir entrevistas com secretários de Estado, foi exigido o envio os currículos dos jornalistas que fariam a entrevista. “É claro que não vamos entregar o currículo de ninguém. Se nos derem as entrevistas, muito bem; se não, não haverá entrevista. Seja como for, em 99% dos casos não nos concedem”, afirma Jorge Sánchez, chefe de redação do jornal. Para ele, o objetivo da Lei de Comunicação é censurar os meios de comunicação. “Creio que é uma tentativa clara de tentar silenciar os jornais e encurralá-los de tal modo que acabarão deixando de publicar notícias por medo de ordens de prisão ou punições econômicas”.

Com esse mal-estar, a Lei de Comunicação, vigente desde 25 de junho de 2013, completa hoje seu segundo aniversário. Para Carlos Ochoa, titular da Superintendência da Comunicação, o órgão de controle da mídia criado por lei, os cidadãos fizeram escutar sua voz e agora reivindicam seus direitos. “Depois de 24 meses de aplicação da lei, mais do que nunca a liberdade de expressão vigora no Equador”, afirma.

A Secretaria de Comunicação enviou aos jornais as informações sobre os novos impostos já formatadas e redigidas

Ochoa informou em entrevista coletiva que, desde outubro de 2013 (quando começou a funcionar a Superintendência da Comunicação) foram abertos 506 processos e emitidas 313 resoluções, entre as quais 185 foram sanções econômicas. O montante arrecadado até o momento chega a 201.596 dólares, dinheiro que foi para os cofres do Estado. O Governo puniu, no total, 198 meios de comunicação.

Essa arrecadação poderá aumentar, já que no primeiro quadrimestre de 2015 foi criada a figura da reincidência, que multiplica exponencialmente as multas aos meios que incorram na mesma falta num período de seis meses. Por isso o jornal El Universo foi condenado a pagar mais de 300.000 dólares ao não publicar em duas ocasiões o texto na íntegra de uma retificação enviada pela Secretaria de Comunicação. O jornal se declarou em atitude de resistência e alegou que só havia trocado os títulos por outros que deixavam claro que os textos abaixo deles eram retificações.

A Fundamedios analisou as denúncias contra os meios de comunicação e concluiu: “Há uma maioria de processos com origem no poder político, na figura do Estado. A lei está sendo usada como um mecanismo de poder para pressionar os meios de comunicação.” Aos processos iniciados via intimação judicial —224, segundo a Superintendência da Comunicação—, somam-se os apresentados por funcionários públicos e pelas organizações sociais e líderes ligados ao Governo —36, segundo a Fundamedios.

Próximas reformas

Além de tudo isso, nesses dois anos só houve três sanções contra meios de comunicação públicos ou assumidos pelo Estado (EcuadorTv, El Telégrafo e TC Televisión), segundo a Fundamedios, e que consistiram apenas em advertências escritas, nunca em multa, embora as infrações tenham sido similares às cometidas pelos meios de comunicação privados. Por exemplo, o Diario Extra recebeu uma multa por publicar em sua primeira página a foto de uma mulher nua e qualificá-la de “potranca”, enquanto que a TC Televisión só recebeu uma chamada de atenção por transmitir um programa que também coisificava mulheres com o chamado nadegômetro, que mede a capacidade de sacudir o traseiro por parte de competidoras femininas.

O Superintendente de Comunicação anunciou em sua intervenção desta semana reformas da Lei de Comunicação que, segundo disse, serão conhecidas na totalidade perto do fim do ano. Entre elas haverá a criação da figura da mediação, para permitir que as partes envolvidas num processo legal cheguem a acordos e evitem punições. Mas a mediação acontecerá dentro do órgão de controle da mídia, que às vezes será mediador, às vezes uma das partes e, depois da reforma, também juiz.

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