O delator da Máfia do ISS que extorquia os investigados
O 'bon vivant' Luis Magalhães perde acordo de delação premiada ao achacar fiscal
O que esperar de um funcionário público que fez uma fortuna de 25 milhões de reais ao se especializar em extorquir quem ele deveria investigar? E quando esse cidadão passa a ser colaborador do Ministério Público, ele deixa de ser um achacador profissional?
Se a pessoa em questão for o ex-auditor fiscal do município de São Paulo Luís Alexandre Cardoso Magalhães, a resposta para essa segunda pergunta seria não. Principal operador da Máfia do ISS e exonerado da prefeitura por seu envolvimento com ela, Magalhães foi preso na quarta-feira passada quando recebia 70.000 reais de propina de um ex-colega dele que está respondendo a uma sindicância interna e também é investigado pela Promotoria. O dinheiro seria para que Magalhães não revelasse tudo o que sabe sobre a participação desse colega (Carlos Moretti Filho) em um dos esquemas criminosos que se espalharam pela Secretaria Municipal de Finanças. Em uma decisão monocrática, um juiz libertou o ex-auditor da prisão preventiva na madrugada de sábado, mas ele ainda responderá ao processo por extorsão.
Máfia do ISS dava 50% de “desconto” em imposto
Considerado um dos esquemas que mais desviaram recursos dos cofres paulistas a Máfia do ISS (Imposto Sobre Serviço) funcionava assim: um fiscal ia até a obra que estava sendo executada e calculava o valor que deveria ser pago de imposto. Por exemplo, se fossem 100.000 reais, ao invés de recolher o dinheiro aos cofres municipais, o fiscal dizia aos responsáveis pela obra que poderia dar um desconto, mas o dinheiro tinha de ser entregue diretamente a ele.
A construtora pagava, então, a metade do preço: 50.000 reais. Apenas 20% desse valor recebido era retido como imposto e assim era possível obter a autorização de instalação ou moradia, por meio de um documento conhecido como “Habite-se”. Outros 10.000 reais eram entregues para um despachante que também estava envolvido na fraude. Os 30.000 reais restantes acabavam repartidos entre os seis fiscais membros da suposta quadrilha.
A suspeita é que cada um dos seis investigados recebesse De 30.000 a 70.000 reais por semana de propina. Tudo em dinheiro vivo.
Desde a revelação do esquema, a prefeitura e o Ministério Público fecharam o cerco contra os fiscais da Secretaria Municipal de Finanças. Ao menos dez deles estão sendo investigados atualmente.
Criminoso confesso, Magalhães assinou o termo de delação premiada para ter uma eventual condenação criminal atenuada. Ele responde pelos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e concussão – que é quando um servidor público exige para si dinheiro ou outros benefícios ilegais. Se condenado pode pegar até 25 anos de prisão. Isso seria amenizado por conta do acordo de delação, mas, como usou seu privilégio para continuar agindo de maneira corrupta, Magalhães perderá esse direito e também responderá pelo delito de extorsão.
Antes da prisão, o ex-auditor já teria recebido 100.000 reais em dinheiro de Moretti Filho, conforme os investigadores. Para promotores ouvidos pela reportagem, o valor é “mixaria” perto de tudo que ele amealhou em propinas pagas por cerca de 30 empresas responsáveis por 410 empreendimentos na capital paulista. O esquema criminoso durou cinco anos, entre 2007 e 2012 durante a gestão de Gilberto Kassab (PSD) na prefeitura de São Paulo. Até o momento, os promotores não comprovaram a participação de Kassab ou de qualquer outro político no assalto aos cofres públicos. O chefe do esquema, segundo a Promotoria, seria Ronilson Bezerra Rodrigues, auditor fiscal que foi subsecretário da Receita Municipal nesse período.
Lancha, charuto e prostitutas
Magalhães era um bon vivant. Tinha carros de luxo, motos que custam mais de 100.000 reais e uma lancha de 500.000 reais que ficava ancorada em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro. Ao menos duas vezes ao mês viajava de São Paulo para Angra, em um jatinho alugado com os recursos da corrupção e acompanhado de prostitutas. Semanas após ser preso, ele disse à TV Globo que gastou boa parte de seu dinheiro, a maioria com viagens e mulheres. “Eu era compulsivo por sexo”. Para a Folha de S. Paulo, ele afirmara que se sentia libertado após a revelação do esquema criminoso.
Mesmo depois de ser preso e de passar a ser colaborador na investigação, ele continuou publicando fotos suas nas redes sociais fumando charuto e na sua lancha no litoral.
O controlador-geral do município, Roberto Porto, chegou a dizer que Magalhães é uma pessoa sem escrúpulos. Já o promotor Roberto Bodini, que chefia as investigações no Ministério Público, disse que o ex-auditor perdeu a sua principal chance de se redimir ao jogar na lata de lixo o acordo de delação. “É incompreensível o que ele fez. A lei lhe concede um baita de um benefício e ele joga fora. Quem tem mais a ganhar com a delação é quem mais tem a perder com uma condenação. E esse era o caso dele”, disse Bodini.
Por conta do esquema criminoso, a prefeitura paulistana deixou de receber cerca de 500 milhões de reais em impostos, conforme a investigação. Até a semana passada, 120 milhões de reais foram congelados do patrimônio de seis auditores que estão sendo investigados. São eles: Magalhães, Rodrigues, Eduardo Horle Barcelos, Carlos Augusto Di Lallo, Amilcar José Cançado e Fábio Remesso. Apenas Magalhães e Barcelos admitem os crimes. Os demais negam.
A denúncia judicial contra esse braço da Máfia do ISS foi feita em fevereiro do ano passado. Desde então, ninguém foi julgado. Nos últimos 15 meses, o trabalho dos promotores é identificar quais eram as empresas que corrompiam os fiscais da prefeitura. Até agora, nenhuma delas foi acusada formalmente.
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