_
_
_
_
_

“A proibição das drogas criou Pablo Escobar e os outros traficantes”

Filho do traficante, lança livro sobre a infância ao lado do pai, e critica guerra às drogas

Juan Pablo, filho do traficante Pablo Escobar.
Juan Pablo, filho do traficante Pablo Escobar.MARCELO SAYÃO (EFE)

Juan Pablo Escobar estava feliz. Era o seu 5o aniversário, e uma grande festa foi organizada na casa da família em Medellín, na Colômbia. Vendado e com um pedaço de pau na mão, ele foi em direção a uma piñata (boneco de papel crepom recheado de presentes), golpeando em vão algumas vezes até acertar o alvo. Ao tirar o lenço que cobria os olhos, se surpreendeu quando viu que os adultos avançavam sobre os brindes que caiam com mais rapidez que as crianças. Juan olhou para o chão e entendeu o que estava acontecendo: a piñata colorida não tinha doces, mas dezenas de maços de dólar dentro.

Mais informações
Filho de Pablo Escobar: “Meu pai me mostrou o caminho a não seguir”
O dia em que Pablo Escobar zombou dos EUA e tirou esta foto
Popeye, chefe dos pistoleiros de Escobar, é libertado após 23 anos
A prisão de 'El Chapo' fragmentará o tráfico no México
México 2014: narcotráfico para principiantes

Filho de um dos maiores traficantes de cocaína do mundo, Pablo Escobar, Juan se acostumou desde pequeno a conviver com os excessos e a violência que acompanhavam o pai. Ele acaba de lançar no Brasil o livro Meu Pai, as Histórias que Não Deveríamos Saber, pela Editora Planeta, onde conta a infância ao lado daquele que já foi um dos mais procurados criminosos do mundo.

Pergunta. O que criou Pablo Escobar?

Resposta. Creio que o verdadeiro culpado pelo nascimento da figura do meu pai – e dos outros narcotraficantes que vieram depois -, o responsável por toda essa guerra, violência e abusos, é a proibição das drogas. A proibição propõe essa divisão, esse enfrentamento até a morte, onde todos lutam por esse elixir que as superpotências demandam todos os dias. E estão dispostos a pagar altos preços por isso. A proibição é uma ideia maquiavélica que sem dúvida está nos prejudicando como sociedade. O contexto proibicionista é um caldo eficaz para que surjam grandes traficantes, como meu pai, como Chapo [El Chapo Guzman, líder do Cartel de Sinaloa, no México], dispostos a desafiar as instituições. Isso é o combustível da violência.

P. A guerra às drogas fracassou?

R. Estamos há 40 anos vivendo as consequências dos fracassos ininterruptos dessa guerra. A única certeza que temos hoje é que ela não funciona. E pior ainda: ela garante que a droga seja de pior qualidade, destruindo mais ainda os consumidores em detrimento da saúde publica. Os efeitos dessa guerra são mais corrupção e mais venda de armas, e isso faz com que os narcotraficantes continuem crescendo e aumentando seu poder, o que lhes permite desafiar as democracias americanas sem pestanejar.

P. O México é um retrato desse fracasso?

R. Tristemente o México está vivendo uma violência que nós já tivemos na Colômbia. O que essa realidade nos mostra é que o problema hoje está no México, mas amanhã pode estar em outros países. Independentemente de onde a lei de proibição das drogas seja aplicada, os resultados são os mesmos, e cada vez piores. Antigamente os cartéis colombianos eram os empregadores dos mexicanos. Hoje é ao contrário, os mexicanos é que mandam.

Juan com o pai em frente à Casa branca.
Juan com o pai em frente à Casa branca.

P. A legalização da cocaína não traria riscos para a sociedade?

R. A pior droga de todas está legalizada. É o álcool. É a que mais vidas rouba todos os anos. Ele é legal, paga impostos, as revistas e propagandas mostram as pessoas bebendo e se divertindo. Mas se vemos os dados da Organização Mundial da Saúde, é tenebroso ver que morrem 200.000 pessoas por ano como consequência do uso de drogas, e morrem 3,8 milhões por causa do álcool e do tabaco. Me parece que é preciso mudar esse enfoque militar dado ao assunto das drogas, quando o correto seria o enfoque da saúde pública.

P. A quem interessa a proibição na América Latina?

R. O maior interessado não está na América Latina. É preciso procurá-lo mais acima. A América Latina é a vítima da proibição. Os países que propõem essa ideia são os mais beneficiados. A proibição garante os altos preços, o que garante o financiamento da corrupção e a compra de armas. A América Latina não é um grande produtor de armas. Nós sabemos quem são os grandes fabricantes de armas. Os maiores produtores dos precursores químicos [produtos usados no refino da pasta base da cocaína], que permitem que a droga exista, não estão aqui. Estão na Alemanha e nos Estados Unidos. Como eles perdem esse produtos químicos em uma época em que existe rastreamento por chip, códigos de barras, etiquetas inteligentes... Mas mesmo assim ninguém sabe como eles desaparecem e depois aparecem nas drogas nas ruas. Quem quer a proibição prospera. Eles estão felizes, é um grande negócio.

P. Você acha que alguns Governos são coniventes com o tráfico?

R. Depois dos atentados de 11 de Setembro a quantidade de controles aumentou muito. Mas a droga continua entrando [nos Estados Unidos]. Como continuam conseguindo entrar? Eles conseguem apreender um imigrante mexicano ilegal que tenta atravessar a fronteira. Mas passam trinta caminhões com droga e ninguém vê nada...

Vejo a proibição como a continuação da escravidão. Ela gera escravos que não sabem que são escravos"

P. Os traficantes latino americanos são ‘coadjuvantes’ nesse esquema?

R. Vejo a proibição como a continuação da escravidão. Ela gera escravos que não sabem que são escravos. Um traficante, no final de contas, é um escravo dos Estados Unidos. No cartel de Cali existem pessoas que o Governo americano deixou que prosperassem por anos. Eles geraram muito dinheiro para muita gente, a ponto de acharem que eles, os traficantes, eram senhores, os amos desse dinheiro. Depois os EUA os capturou e confiscou o dinheiro. Milhões de dólares. E esse modelo de ação se repetiu milhares de vezes. São os escravos latino americanos que arriscam a vida, enquanto que os EUA os deixam passar, os deixam fazer negócio, sabe por onde entram no país e os vigiam, os deixam crescer. Quando os traficantes estão bem grandes e ricos eles vão atrás deles e pegam o dinheiro. É muito bom para qualquer nação ter ‘idiotas úteis’ trabalhando para você sem saber disso. O dia em que os narcos se dão conta que estão trabalhando para os EUA, é o dia em que eles se veem com algemas e correntes no tornozelo.

P. Qual seria a reação dos traficantes à legalização?

R. Não existe um só narcotraficante que esteja a favor da legalização. Isso seria o fim dos seus negócios, não lhes convém. Caso legalizem as drogas, no dia seguinte eles ficariam pobres. Não teriam recursos para corromper, manter um exército e desafiar os Governos.

P. Os cartéis ainda têm força na Colômbia?

Juan posa com o livro, lançado esta semana no Brasil.
Juan posa com o livro, lançado esta semana no Brasil.MARCELO SAYÃO (EFE)

R. É difícil dizer. Caíram alguns chefes, mas o negócio continua funcionando. Você já ouviu alguma vez falar em déficit de cocaína no mundo? Os narcos colombianos aprenderam, principalmente com a historia do meu pai, que não é prudente enfrentar a autoridade de frente, porque você ganha visibilidade, e aí eles lhe capturam ou matam. Os traficantes modernos perceberam que há uma arma muito mais perigosa e poderosa que o narcoterrorismo [Pablo Escobar foi responsável por dezenas de atentados a bomba contra autoridades], que é a corrupção. Esse método de operar lhes permite permanecer na sombra por muito tempo, e faz com que o negócio continue funcionando bem.

P. Em algum momento você pensou em seguir os passos do seu pai?

R. Quando as coisas estavam bem nós não estávamos conscientes do problema em que estávamos metidos. Era difícil saber o que viria. Meu pai sempre me disse que se eu quisesse ser médico, ele me daria o melhor hospital da cidade. Se eu quisesse ser estilista, me daria o melhor salão de beleza. Ele apoiaria qualquer decisão que eu tomasse livremente. Se eu pedisse para ser bandido ele também teria me ajudado. Não tenho dúvidas. Mas vimos tanta violência que foi relativamente fácil entender e decidir que esse não era o caminho. Seria preciso ser cego para não ver que é um caminho que leva uma destruição total.

P. Hoje em dia o tráfico de drogas, com o suposto glamour, as armas, carros, mulheres exercem um fascínio sobre os jovens...

R. Todo mundo gosta das mulheres, das comodidades que o dinheiro traz. Mas eu tive esse dinheiro, e quanto mais dinheiro tínhamos, mas pobre nos sentíamos, porque não tínhamos liberdade para gastá-lo, para desfrutar disso. A riqueza às vezes é relativa. Passamos momentos em que tínhamos milhões de dólares em cima da mesa, mas não podíamos por o pé para fora de casa para comprar comida [durante a guerra entre os cartéis]. Literalmente passamos fome algumas semanas, apesar de termos uma grande fortuna. Para mim, ignorar essas lições seria insultar o legado dessa vida, o que me levaria à morte.

P. No livro você conta que seu pai tinha relação tanto com Manuel Noriega, ditador panamenho, quanto com o grupo de esquerda Frente Sandinista de Libertação Nacional, da Nicarágua. Ele tinha alguma ideologia?

A riqueza às vezes é relativa. Passamos momentos em que tínhamos milhões de dólares em cima da mesa, mas não podíamos por o pé para fora de casa para comprar comida"

R. Meu pai era um homem muito contraditório em seus atos e em suas ideias. Ele dizia que não era nem de direita, nem de esquerda nem de centro, mas que ele apoiava as ideias que lhe pareciam importantes. Sua vida está cheia de contradições neste sentido. Ele era um homem que tinha uma tendência a ter mais ideias de esquerda, mas foi o fundador do primeiro grupo paramilitar de ultradireita da Colômbia. Por outro lado, era um homem que construía campos de futebol nos bairros pobres, para que os jovens tivessem um espaço de lazer onde pudessem ficar longe da violência e das drogas, mas paradoxalmente financiava tudo isso com dinheiro do tráfico. Com relação a Noriega e aos sandinistas, tem a ver com o fato de que, no final de contas, não importa centro, esquerda ou direita. Todos se interessam por uma ideologia em comum, na qual meu pai era muito bom, que era dinheiro. Então com dinheiro na mão eram todos amigos.

P. O que motivou a entrada do seu pai na política? [Pablo Escobar foi eleito vereador e deputado]

R. Ele já tinha muito poder militar e econômico. Mas lhe faltava o poder político para que pudesse ajudar os pobres. Ele foi um dos poucos políticos que não entrou na política para roubar. Porque ele já tinha tudo, não precisava entrar para conseguir mais dinheiro. O comércio de cocaína lhe dava mais dinheiro do que qualquer ato de corrupção poderia lhe dar como congressista. Ele queria utilizar o poder público pelo bem dos pobres da Colômbia.

P. No livro você fala que tinha poucos amigos na infância...

R. Não tive oportunidade de ter muitos amigos na escola, porque os pais proibiam seus filhos de ficar perto de mim. Então eu acabei sendo muito amigo de alguns dos piores bandidos da Colômbia, que trabalhavam com meu pai. Era com eles que eu brincava. Meu único amigo dos tempos da escola era um menino órfão, porque ninguém o proibia de andar comigo.

Não tive oportunidade de ter muitos amigos na escola, porque os pais proibiam seus filhos de ficar perto de mim. Meus amigos eram os piores bandidos da Colômbia"

P. Como foi essa convivência com os bandidos?

R. Aprendi muito com eles. Sobre seu sofrimento, sobre porque eram tão violentos, porque se comportavam dessa maneira. A conclusão a que cheguei foi que em seus lares nunca houve amor, respeito... Seus pais batiam neles, abusavam das esposas e irmãos. Eram lares marcados pela violência.

P. Seu pai fazia muitas obras de caridade nas favelas. O que o motivou a fazer isso?

R. Suas condições de vida. Ele tinha muitos parentes que viviam em situação de pobreza extrema. Seu sócio, Gustavo Gaviria, morava em um barraco de papelão, não tinha o que comer. Então ele não era alheio ao que acontecia na Colômbia. Quando começou a ter dinheiro, as classes pobres foram as primeiras que ele ajudou.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_