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Coluna
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Os corruptos também amam?

Esta crônica é dedicada ao amigo Paulo Cesar de Araújo, biógrafo não-oficial de Roberto Carlos, autor de 'O Réu e o Rei'

Nelma Kodama, exibindo para a CPI onde levava o dinheiro: no bolso, e não na calcinha.
Nelma Kodama, exibindo para a CPI onde levava o dinheiro: no bolso, e não na calcinha.Geraldo Bubniak (Agência O Globo.)

Sexo, mentiras e videotape, como no filmaço de Steven Soderbergh, fita de 1989, o ano em que recomeçamos a votar para presidente da República...

Sexo, propina e um amorzinho gostoso para completar a pornochanchada cordial brasileira.

Não, não creio que dinheiro compre até amor verdadeiro; tampouco sei se essa frase é mesmo de Nelson Rodrigues ou de Millôr Fernandes. Só sei que a minha veia de novelista pulsa mais comovida, nas suas sístoles e diástoles, quando os escândalos nacionais nos brindam com algum capítulo de amor, sexo ou sacanagem propriamente dita.

Do pompoarismo imperial da Marquesa de Santos, que tanto pirava d. Pedro I, ao romantismo popular de Nelma Kodama, que sempre soube fazer subir a cotação do doleiro Alberto Youssef , um dos personagens centrais de tenebrosas transações pelo menos desde o caso Banestado –bilionária mutreta tupiniquim safra 2004. Quem ainda se lembra desse verbete no dicionário da corrupção brasuca? Panela velha na corrupção não provoca batuque novo, mas sempre dá um bom barreado paranaense em um fogo brando e histórico.

Em outras palavras, Nelma, muito romântica, cantarolou, em plena CPI do Petrolão, um clássico do cancioneiro de Roberto Carlos, “Amada, amante” . Foi lindo, não nego, suspirei como em uma noitada dos “Trovadores do Miocárdio”. Os doleiros também amam.

Na história privada, Youssef é tido como um cidadão cortês, cavalheiro à moda antiga, do tipo que ainda manda flores e acredita que o dinheiro pode ser até um afrodisíaco, mas não o suficiente para derreter o coração de uma fêmea. É preciso sempre fazer mais e mais.

Noves fora os escândalos tucanos, como a Privataria, por exemplo, a corrupção brasileira sempre expõe suas amadas e amantes. A turma do PSDB, mais refinada e discreta, gente “phyna” é outra coisa, sempre preferiu as ditas “casas de lobby” de Brasília, onde as empreiteiras mantinham seus bacanais de dar inveja no elenco de Oh! Rebuceteio (1984), genialíssima pornochanchada, sob inspiração das obras Oh! Calcutta e A Chorus Line, dirigida por Cláudio Cunha.

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É típico também do pequeno-burguês petista, com origem sobretudo trotskista, seja do Parlamento ou da máquina burocrática, preferir o pecado da luxúria profissional sem vínculos amorosos posteriores.

Nisso os mensalões do PT e do PSDB se igualam, nas farras sob a “curadoria” de Jeany Mary Corner, minha estimada conterrânea do Crato (CE), profissional na arte de organizar festinhas incríveis no Planalto Central do país. As fontes pagadoras também eram quase as mesmas. Afinal de contas, como diria o filósofo-empreiteiro, só o amor constrói. Com ou sem distanciamento odebrechtiano, que me permita o trocadilho, data vênia, o juiz Sergio Moro, o homem das mãos limpas.

Nada contra a diversão dos homens e das mulheres. Dentro ou de fora da real politik. Pulverizo aqui apenas o spray do veneno mínimo contra a dengue moralista.

Bonde chamado desejo

Há quem diga, na crônica privada da política dos bandeirantes, que o discreto charme do Trensalão –negociata chique e multinacional dos governos peessedebistas em São Paulo – descarrilou nas noitadas do Café Photo. Um executivo de uma das empresas envolvidas caiu no amadorismo, como julgam os machistas porco-chauvinistas, de se apaixonar por uma garota de programa da famosa casa do Itaim Bibi. Coisa de cinema.

Youssef e Nelma podem ter sido um casal tipo Bonnie & Clyde da lavagem de dinheiro dos cofres públicos

Prefiro acreditar nas apurações dos probos promotores paulistas e no dedodurismo da concorrência empresarial da Alston, a gigante metida no rolo. Não creio que a moça de fino trato, longas botas de zíper qual Julia Roberts em Uma linda mulher, tenha deixado provas espalhadas no seu caminho de penumbras. A moça em si, suspirem homens de boa vontade, vale muito mais do que qualquer trensalão da vida, a formosa dama é um verdadeiro bonde chamado desejo. Eternamente nos trilhos.

Mas o que mais amo no trensalão é que é um escândalo sem rosto, sem cara, sem foto, sem autoria propriamente dita. Quando sai na mídia mostram apenas abstratos vagões vazios ou fachadas de prédios. Amo escândalo despersonalizado. Escândalo apenas com frios e vazios vagões e, no máximo, imagens de fachadas de prédios, as paredes não falam. Algo assim: roubaram, mas os sujeitos da ação sempre serão indefinidos. Todo escândalo tucano é um escândalo de elipse.

Odeio quando começo a falar difícil...

Melhor voltar às minhas putas nem sempre tristes. Prefiro sempre acreditar no Odair José e o seu hit, belíssima oração a uma profissional da casa da luz vermelha, “Eu vou tirar você desse lugar”. O amor tudo pode. Eu ainda acredito, como a doleira do “Amada, amante”, não importa a cotação do mercado. O amor pode até ser infiel como o antigo dólar paralelo, todavia o amor, mesmo quando descamba, vale o risco, vale o lastro, vale a queda e vale mais ainda o sorriso no rosto no dia seguinte.

Sim, é possível amar e ser amado por uma moça decente do Aritana (Recife) ou do Vira-Virou (rua Augusta dos anos 2000, SP), para citar dois cabarezinhos que me fizeram desfrutar do amor onde imaginara encontrar apenas o pigarro do gelo seco e o vazio do prazer barato.

Só o amor constrói

Jovem repórter de política nos anos 1990, testemunhei no Collorgate como o ciúme de irmãos, Fernando e Pedro, pode mudar a história. Pedro, fera ferida, negou três vezes os laços fraternos e denunciou o esquema do então ex-presidente com o poderoso-chefão PC Farias. Não houve oferta de grana de PC que demovesse Pedro, o bíblico naquele episódio, de alterar a sua versão dos acontecimentos.

Mais o que mais amo no trensalão é que é um escândalo sem rosto.  Quando sai na mídia mostram apenas abstratos vagões. Todo escândalo tucano é um escândalo de elipse

O drama amoroso, de alguma maneira, humaniza os escândalos. Com o microfone, por favor, de novo, madame Nelma: “Amante é uma palavra que engloba tudo, né? Amante é esposa, amante é amiga (...). Quer coisa mais bonita que ser amante? Você ter uma amante que você pode contar com ela, ser amiga dela.”

Óbvio que ninguém curte que o seu dinheiro banque a champanhota dos políticos e dos seus operadores. Seja de um sonso e culpado ex-trotskista do PT, seja do discreto charme da burguesia tucana ou da suruba explícita do PMDB e demais resto da feira partidária.

O amor, porém, pode estar no meio dessa lama e ser amor verdadeiro. Você duvida? Youssef e Nelma podem ter sido um casal tipo Bonnie & Clyde da lavagem de dinheiro dos cofres públicos. Sem alcançar, jamais, o estilo, o glamour que o cinema deu aos pombinhos da bandidagem privada dos EUA. Sem direito à luxuosa trilha sonora de Sérge Gainsbourg para o mesmo tema, que adorável francês canalha!

Difícil entender? Cabe ao cronista a redundância e uma lição que aprendi recentemente de um velho anarco-comunista na troça carnavalesca “O cachorro do homem do miúdo”, praça Maciel Pinheiro, Recife, Pernambuco: “Não basta trocar em miúdos, faça um picadinho, na peixeira amolada de todas as contradições, da própria dialética do esclarecimento”.

Entendeu? Talvez nem eu. Ficou pior ainda. Pernambucano é bicho sabido e complicado.

Que viagem! Melhor a gente simplificar e voltar ao rei Roberto Carlos. Agora não mais ao cara de “Amada, amante”. Agora voltaremos a um rei socrático, muito socrático, que cantava, nos anos 1980, algo assim... Música, maestro:

“Mas agora eu sei/ O que aconteceu/ Quem sabe menos das coisas/ Sabe muito mais que eu”.

Xico Sá é autor de “Chabadabadá –aventuras do macho perdido e da fêmea que se acha” (editora Record), entre outros livros.

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