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A sombra do papa Francisco paira sobre a política argentina

Sua audiência com Cristina Kirchner em plena campanha de primárias gera polêmica

Carlos E. Cué
O papa em uma audiência com o presidente da Georgia.
O papa em uma audiência com o presidente da Georgia.TONY GENTILE / POOL (EFE)

Em qualquer conversação com políticos e analistas argentinos, chega um momento em que a voz muda, passa para um tom mais baixo e se começa a falar de um referencial dos movimentos da política argentina nos bastidores: o papa Francisco. Em privado, dizem que ele é “um peronista puro, um político com grande capacidade de manobra”. Assim que foi eleito, todos os que o conheciam disseram que iria surpreender por sua veia política. Quando era bispo de Buenos Aires, já teve uma grande influência e duros choques com o kirchnerismo.

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E agora na Argentina, entre especulações e movimentos reais, todos vivem atentos aos passos do argentino mais influente do planeta. Seu último movimento já gerou críticas, sempre em privado ou através de colunistas e não políticos – ninguém se atreve a antagonizar um personagem tão popular: decidiu conceder uma audiência à presidenta, Cristina Kirchner, em 7 de junho, em plena campanha para as decisivas eleições primárias de agosto. Será a quinta vez que se veem em dois anos. O Governo insistiu muito até conseguir essa visita.

Em um país hiperpolitizado e em plena campanha eleitoral, todos os gestos do Pontífice são vistos sob esse prisma. Por isso os antikirchneristas estão incomodados com a audiência, que para os defensores do papa era inevitável porque ele não pode recusar um pedido do chefe de Estado de seu país.

Mas o seu gesto mais importante é a decisão de só viajar à Argentina em 2016, já sem Kirchner na Casa Rosada. O papa já foi ao Brasil logo após ser eleito e, em julho deste ano, visitará Bolívia, Paraguai e Equador, pouco depois de encontrar-se com a presidenta. Ou seja, está rodeando seu país, mas deixou a visita chave para 2016.

Políticos, juízes, empresários e personagens poderosos argentinos viajam a Roma com frequência e procuram ser recebidos, e costumam conseguir. Às vezes com publicidade, às vezes sem. Mas esses encontros sempre geram importantes repercussões na Argentina, tanto que o papa pediu que deixem de usá-lo politicamente em seu país.

É um pedido inútil. A notícia do encontro com a presidenta, logo aproveitada pelo kirchnerismo como uma amostra indireta de apoio, chegou na mesma semana em que se discute se o candidato à Corte Suprema (Supremo Tribunal) indicado pelo Governo, Roberto Carlés, é um homem do papa, porque também o recebeu em março quando já se sabia que seria indicado. O próprio Francisco teve de esclarecer, por intermediários citados pelo colunista do La Nación Joaquín Morales Solá, que ele não tem nenhum candidato à Corte Suprema, que atendeu Carlés por causa de sua luta contra a pena de morte e que o recebeu acompanhado de Federico Mayor Zaragoza.

Uma audiência inevitável, segundo os defensores do papa, já que ele não pode recusar um pedido do chefe de Estado de seu país

Os antikirchneristas acreditam que o papa não deveria lançar tantos sinais positivos para a presidenta. Outras pessoas que o conhecem bem afirmam que ele está bastante afastado da presidenta – divergiram muito no passado – mas agora não pode permitir que a Argentina desmorone e está procurando uma transição tranquila para o novo poder, seja o que for.

Muita gente tenta falar em nome do papa na Argentina, mas ele o faz através de gestos. Por exemplo, recebeu dois dos três candidatos fortes, Mauricio Macri e Daniel Scioli, mas não Sergio Massa, peronista dissidente que foi chefe de gabinete da presidenta e agora se opõe a ela. Massa, quando era chefe de gabinete de Kirchner, e por ordem dela, foi o executor de todas as operações políticas que o Governo argentino fez para destituir Bergoglio, nessa época personagem chave na política argentina. Agora se especula que o papa prefere Scioli, mas com certeza não apostará em ninguém publicamente.

Já desde o primeiro dia de seu papado viu-se o jogo de equilíbrios que teria de fazer na Argentina. Na coroação em Roma, Kirchner deixou Macri, prefeito de Buenos Aires e grande rival político, fora da delegação argentina. Francisco o convidou por sua conta para que estivesse ali, já que era – e continua sendo – o prefeito de sua cidade, que tinha seu escritório – a prefeitura – a poucos metros do de Bergoglio, na praça de Maio, onde também está a Casa Rosada. Outro amigo do papa, o também político Gustavo Vera, vereador de Buenos Aires que denuncia a situação das favelas e do narcotráfico, foi convidado recentemente ao Vaticano e afirma que a visita de Francisco em 2016 à Argentina marcará uma virada histórica na política de seu país, porque porá o foco na pobreza e no narcotráfico.

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