Um novo escândalo de corrupção aprofunda a crise política no Chile
Empresa do ex-genro de Pinochet integra nova suposta trama de corrupção política
O Chile atravessa a crise política mais profunda das últimas décadas e o complexo cenário, composto por diferentes assuntos, terminou por arrasar diversos setores em questão de meses. O último capítulo, entretanto, ainda possui consequências imprevisíveis. O Serviço de Impostos Internos (SII), encarregado de aplicar a lei tributária, denunciou na última quinta-feira à Promotoria os representantes da firma mineradora Soquimich, cujo principal controlador é Julio Ponce Lerou, ex-genro do ditador Augusto Pinochet. Paralelamente, o órgão fiscalizador entregou ao Ministério Público uma lista com nomes de políticos, familiares de parlamentares e dirigentes, militantes de diversas correntes, assessores e funcionários públicos de diferentes administrações que entre 2009 e 2013 emitiram boletos e faturas supostamente irregulares a essa empresa.
Em uma investigação que tem como suspeita o financiamento irregular de campanhas e a corrupção política, o SII denunciou os três representantes legais da Soquimich “pela diminuição indevida do lucro líquido tributável da empresa, ao registrar como gasto de sua contabilidade 846 documentos tributários falsos por um montante superior a 4,34 bilhões de pesos chilenos (22 milhões de reais). Os fiscais detectaram que pelo menos cinco pessoas entregaram boletos de honorários por trabalhos que nunca realizaram, que outros três contribuintes emitiram documentos em nome da Soquimich mesmo tendo prestado serviços a uma empresa diferente, que existem 144 pessoas que deram boletos de honorários “presumivelmente falsos” e que 24 sociedades ou empresas faturaram em nome da mineradora sem que o SII tenha encontrado algum recibo.
Mesmo a Soquimich sendo uma empresa gigante, o que requer centenas de serviços e trabalhos externos, um dos assuntos que chama a atenção na revisão da lista é que, dos boletos e faturas considerados como suspeitos pelo SII, a maior quantidade está relacionada com políticos, seus familiares, militantes, assessores e funcionários públicos da Administração atual e das anteriores. Filhos jovens de candidatos e parlamentares emitiram documentos para a Soquimich, a título pessoal ou em nome de sociedades, envolvendo pagamentos milionários.
Entre os investigados existem funcionários públicos tanto do Governo de Sebastián Piñera como do atual
Funcionários públicos, tanto do Governo de Sebastián Piñera (2010-2014) como atual, encontram-se na mesma situação. Dois ou mais membros de uma mesma família e pessoas sem maiores estudos, mas vinculadas a políticos, também emitiram boletos milionários para a empresa do ex-genro de Pinochet. No transcorrer da investigação prévia do SII, alguns depoimentos mostraram que existiram pessoas que nunca trabalharam para a Soquimich e que o dinheiro recebido pelos boletos ou faturas foi entregue a partidos e dirigentes.
Na lista aparece uma empresa que prestou serviços à campanha de Michelle Bachelet em 2013, Serviços e Publicidade Clínica Ltda., ainda que o Governo tenha dito que a fatura com a qual esses trabalhos foram pagos não é investigada pelo SII e foi aprovada pelo Serviço Eleitoral. Na folha de pagamento também estão duas empresas vinculadas ao ex-presidente Sebastián Piñera, a Administradora Bancorp S.A. e a Vox Populi S.A. O atual embaixador chileno no Paraguai, Alejandro Bahamondes, de centro-esquerda, também emitiu uma fatura para a Soquimich. Uma sociedade dos filhos do senador democrata-cristão Jorge Pizarro, presidente eleito de seu partido, também aparece dentro da lista de documentos suspeitos.
As 173 pessoas e sociedades citadas nessa denúncia não necessariamente são culpadas de algum delito. A Promotoria deve investigar os novos antecedentes que somam-se aos entregues pelo SII em 24 de março, bem mais delimitados. Mas a classe política parece imobilizada diante desse novo escândalo que causou indignação na população. Os dirigentes estão entre a ideia de que se investigue até as últimas consequências, caia quem cair, e a necessidade de chegar a um acordo e que a lei seja manobrada para que no futuro estas situações não voltem a acontecer. “Querem derrubar todo mundo para que venha um populista qualquer? Ou querem outro militar?”, disse o ex-ministro de centro-esquerda Sergio Bitar, no jornal La Segunda.
A classe política parece imobilizada diante desse novo escândalo que causou indignação na população
O caso Soquimich vem precedido de dois escândalos maiores na política chilena. A Promotoria investiga os delitos de tráfico de influência e uso de informação privilegiada nos negócios milionários realizados pelo filho e a nora da Presidenta Michelle Bachelet. O Ministério Público também investiga o caso Penta sobre financiamento ilegal da política e evasão de impostos, que afeta sobretudo a direita e tem empresários importantes em prisão preventiva desde 7 de março. Desse último assunto surgiu, em janeiro, a linha investigativa ligando a empresa do ex-genro de Pinochet, um engenheiro florestal que durante a ditadura (1973-1990) se beneficiou do processo privatizador do regime. “Seus cargos públicos e seus laços familiares o ajudaram a conquistar uma próspera posição econômica”, diz o livro O Saque do Estado Chileno pelos Grupos Econômicos, da jornalista María Olivia Monckeberg.
Enquanto a população não entende como políticos de centro-esquerda possam ser financiados por Ponce Lerou, a Presidenta pediu prudência. Do norte do Chile, onde encontra-se pela emergência causada pelo temporal da primeira semana de abril, Bachelet pediu que não se destrua “a honra de pessoas que talvez não tenham feito nada disso”. “Que investiguem e, se existir algo, pode ser que as pessoas tenham uma explicação perfeitamente plausível. Então por que linchá-los antes de saber do que estamos falando?”, disse a Chefe de Estado, que enfrenta o nível mais baixo de popularidade de seus dois governos. De acordo com a pesquisa da Adimark divulgada há alguns dias, a socialista tem 31% de aprovação, oito pontos a menos que um mês atrás.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.