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A MEMóRIA DO SABOR
Coluna
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“Comam o peixe-leão!”

Duas cooperativas de Cozumel, ilha caribenha de Quintana Roo, capturam e vendem uma tonelada dessa espécie por mês

O chef colombiano Jorge Rausch segura um peixe-leão no festival de gastronomia ‘Madrid Fusión’.
O chef colombiano Jorge Rausch segura um peixe-leão no festival de gastronomia ‘Madrid Fusión’.DAVID CORRAL

A carne do peixe-leão é branca, sutil, consistente, complexa e gostosa. Tudo isso e algo mais, com acentuadas notas iodadas que o distinguem de outros peixes-pedra — como o peixe-escorpião e seus parentes nos mercados espanhóis, ou o peixe-diabo, se vamos ao Pacífico peruano. O chef colombiano Jorge Raush, que comanda os restaurantes Criterion, em Bogotá, e Marea, em Cartagena das Índias, acrescenta virtudes: “É um peixe muito nutritivo e com boa dose de ômega 3”. Não parece estranho. Come de tudo e com tal voracidade que se tornou uma ameaça para lagostas, camarões, ciobas (também conhecido como areocó ou carapitanga no Brasil), abadejos, moluscos e outras espécies.

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Come tanto e sua força é de tal magnitude que está aniquilando populações tradicionais dos recifes de corais do Caribe, ameaçando seu instável equilíbrio. Habitante das águas tropicais do Pacífico, o peixe-leão deu o salto ao Atlântico no começo dos anos noventa. A invasão começou quando alguns deles foram soltos de tanques particulares no sul da Flórida, e se consolidou como resultado dos aquários destruídos pelo furacão Andrews. Hoje é uma praga que põe em perigo os ecossistemas do Caribe, das Bahamas, das Antilhas e do Golfo do México, colonizando além disso a costa norte-americana, da Flórida para além da Carolina do Norte.

À primeira vista, o peixe-leão não parece um inimigo terrível. É um animal vistoso e colorido, mesclado de vermelho e branco, as barbatanas formam leques em suas bordas e se move com parcimônia e majestade. Poderia ter um papel de protagonista na sequência do filme Procurando Nemo.

À primeira vista, o peixe-leão não parece um inimigo terrível. É um animal vistoso e colorido, mesclado de vermelho e branco

Sua grande vantagem é que chegou a um meio onde não havia predadores naturais. Dizem que o mero é seu único inimigo, mas é uma espécie ameaçada nesta zona do Atlântico. Alguns governos, como o colombiano, inclusive chegaram a proibir seu consumo. O compararam ao baiacu, devido à venenosa substância irritante armazenada nas espinhas das barbatanas. Há dois anos, o Ministério do Meio Ambiente reconsiderou a decisão com uma campanha que incentivava o consumo do peixe-leão.

Hoje todos estão contra o peixe-leão. A lista de inimigos declarados cresce a cada dia. Pescadores, conservacionistas, institutos de investigação, instituições internacionais, governos e empresários do turismo compartilham uma estranha unanimidade. Assim como os chefs. Deve ser o único peixe no mundo que não tem amigos. Pela primeira vez, a regra poderia se tornar exceção: o homem pode ajudar a conservar o meio ambiente provocando a extinção de uma espécie.

Rausch trabalha ativamente na Colômbia para frear a praga, incentivando a incorporação do peixe-leão na cadeia alimentar. Trabalha em colaboração com o Governo, com a Fundação Clinton e com empresas privadas para transformá-lo num produto de consumo diário. O primeiro fruto foi o livro Peixe-leão, no qual oferece uma sólida gama de receitas: tiradito (prato peruano com peixe cru semelhante ao sashimi), almôndegas ao curry, arepas (massa de pão feita com milho típica em países como Venezuela, Colômbia e Panamá), tacos (pastel mexicano feito com milho ou trigo), sopas, hambúrgueres... incluindo pratos que Rausch mantém no cardápio de seus restaurantes, como o ceviche com frutas tropicais e peixe-leão ao forno.

A captura do peixe-leão é realizada atualmente na Colômbia na região do Rincón del Mar, em Sucre, mobilizando 150 pescadores. A venda ocorre em Bogotá, através da rede de supermercados Olímpica. Ainda não está disponível nas peixarias, mas essa é a segunda parte do desafio assumido por Rausch, para o qual busca financiamento.

O peixe-leão é consumido em alguns lugares do México há muito tempo, embora de forma mais discreta. Duas cooperativas de pescadores de Cozumel, ilha caribenha de Quintana Roo, capturam e vendem mensalmente uma tonelada dessa espécie. A maior parte acaba em mercados locais, em Ribera Maya e Cancun. A pesca intensiva reduziu consideravelmente a presença do peixe-leão nessas águas.

Já não existe uma só restrição que limite sua pesca. A comunidade internacional reagiu frente a uma invasão que ameaça o equilíbrio natural das costas do Atlântico, o sustento dos pescadores artesanais e os interesses turísticos de muitas comunidades costeiras. Ninguém fica de fora dessa batalha.

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