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Diego Lagomarsino | Técnico em Informática

“Não sei por que minhas impressões digitais não estão na pistola”

Técnico que emprestou a arma a Nisman fala que também "morreu" no dia do crime

Francisco Peregil

O técnico em informática Diego Lagomarsino, de 38 anos, é o único acusado na investigação sobre a morte do promotor argentino Alberto Nisman. Está nessa situação por ter emprestado a arma que terminaria com a vida de Nisman em 18 de janeiro, quatro dias depois de ter denunciado a presidenta Cristina Kirschner por supostamente acobertar os iranianos acusados pelo atentado terrorista que em 1994 acabou com a vida de 85 pessoas em Buenos Aires. A entrevista foi realizada no escritório de seu advogado, Maximiliano Rusconi.

Pergunta. Quando e como conheceu Nisman?

Resposta. Foi através de um amigo em comum, não me lembro quando. Alberto tinha um problema em seu computador pessoal. Fui em sua casa e ficamos ligados através de uma relação comercial.

Em 18 de janeiro morreu Nisman e morreu o Diego Lagomarsino que eu era

P. Em que momento começa seu contrato com a promotoria do caso AMIA [que investigava o atentado de 1994 contra a Associação Mutual Israelita Argentina]?

R. Em meados de 2007.

P. Seu salário de 40.000 pesos mensais (13.000 reais), sem a necessidade de comparecer à promotoria, foi muito questionado. No que consistia seu trabalho?

R. Em ajudar Alberto Nisman em tudo relacionado à TI [tecnologia da informação]. Ele especificamente, não a promotoria. Inicialmente eu iria trabalhar para a promotoria, mas ele me disse: “Não, você vai trabalhar para mim”. Foi muito comentado que eu cobrava 40.000 pesos para fazer backups. Mas na realidade, sistemas não é somente fazer backups. Alberto não era uma pessoa fácil. Também não era uma pessoa ruim, pelo contrário. Mas ele queria as coisas já, na hora. E eu sou obsessivo com o trabalho. Quando Alberto dizia que não confiava nas duas pessoas [técnicos em informática] que trabalhavam na promotoria, hoje me dou conta de que não é que não confiasse profissionalmente, tinha a ver com pronta resposta. E se eu chamo você, está à disposição.

P. Quantas vezes ele o chamava?

R. Às vezes frequentemente; outras, duas ou três vezes no mês.

P. A presidenta Cristina Kirchner mencionou quatro vezes em um discurso sua relação íntima com Nisman. No que consistia essa intimidade?

R. Pergunte a Cristina. Não sei o que é uma relação íntima. Alguém, quando tem uma relação de tanto tempo, não é amigo ou chefe. Se a presidenta fez referência a uma relação homossexual, confirmo que não. O que me incomoda nisso é que existem outras pessoas no meio. Meus filhos são muito pequenos, mas Alberto tem uma filha mais velha.

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P. O senhor ensinou Nisman como usar a pistola. Mas não foram encontrados rastros seus na arma. Qual sua explicação para este fato?

R. Não sei. Minhas impressões digitais deveriam estar lá.

P. Limpou a arma antes de entregá-la?

R. Não. Deveriam estar. Não conheço os motivos técnicos.

P. Por que tinha uma arma?

R. Ganhei a pistola em 2002. Veio por meio de um parente e eu queria começar a atirar. A realidade é que a usei duas vezes nessa época e estava sem uso.

P. O senhor disse que Nisman lhe pediu a pistola para proteger suas filhas. Mas suas filhas estavam na Espanha, na época. O senhor pensou que poderia haver certa contradição em suas palavras?

R. Fiquei sabendo pela promotora que as filhas não estavam na Argentina. Mais além do que disse minha psicóloga para que eu deixe de pensar no que deveria ter feito e não fiz, eu tento buscar pequenas coisas que me digam o que aconteceu. E digo: eu deveria ter dito a Alberto, se soubesse que as filhas não estavam aqui, “Alberto, suas filhas não estão”. Resposta imediata de Alberto: “Estão viajando agora, chegam esta noite”. Imagino que se a missão dele era obter a arma, ele iria fazê-lo.

P. Nisman falou com o senhor sobre sua denúncia?

Alberto tinha normalmente dois estados de ânimo: Para cima e para baixo. Muito eufórico e dez minutos depois, tranquilo. No último dia estava tranquilo

R. Falou seis ou sete meses atrás. Um dia me mostrou um processo e disse: “Esta é a denúncia que estou fazendo contra a presidenta”. Eu disse: “Você vai se meter contra a presidenta?” E me disse: “Você também vai começar a me dizer essas coisas? Estou cansado das pessoas que me dizem que estou louco!”.

P. O senhor acredita na hipótese de suicídio, suicídio induzido ou em assassinato?

R. Agora eu sempre penso nas três. E todas se misturam. Quando penso em uma, lá está a outra. Lembro de uma noite na qual fiquei muito tempo sem dormir, me deitava e ficava olhando o teto. Fiquei assim 10 ou 15 dias. E uma noite disse: “Alberto: se puder, apareça e me diga o que aconteceu”. Eu acredito muito nos sinais. Mas não existiu nenhum sinal.

P. Como avalia o fato de seu amigo tê-lo envolvido nesta situação?

R. Em alguns momentos penso: se foi um suicídio ele poderia ter-se suicidado na minha frente. Mas é aí que as coisas começam a se misturar. Em alguns momentos me senti decepcionado e pensei: “Por que me meti nessa confusão?”. Depois você vai escutando outras versões. A verdade é que eu o perdoei. No dia da marcha (em homenagem a Nisman, em 18 de fevereiro) eu disse a uma pessoa que iria homenageá-lo da minha maneira. Não me confessava há 24 anos. E conversei quatro horas com um padre sobre o assunto. E fui pedir por ele, não por mim. Porque aconteceu o que aconteceu... Neste momento, Lagomarsino se emociona e a gravação é interrompida para continuar depois.

R. O padre me disse: “Se foi assim, Deus o perdoou”. Nesse momento tirei um peso das costas que não me deixava caminhar.

P. Por que decidiu não ir à marcha?

R. Eu não sou ninguém. Sou um grão de areia no deserto debaixo de 40 metros de terra. Ir à marcha teria sido tirar o protagonismo de Alberto.

Alberto era como um touro de Wall Street. Era um homem corajoso

P. O senhor se arrepende de ter publicado uma tuitada insultando a presidenta em 8 de setembro de 2013?

R. Foi um momento diferente. Na época, quando se falava que não existia insegurança na Argentina, em dez dias meus pais foram roubados três vezes em agredidos em duas.

P. Nisman estava intranquilo na última vez?

R. Alberto tinha normalmente dois estados de ânimo: Para cima e para baixo. Muito eufórico e dez minutos depois, tranquilo. No último dia estava tranquilo.

P. Falou com a ex-mulher de Nisman?

R. Não. Não sei se estou preparado para enfrentar isso. Que iria dizer? Pediria perdão? Você tem amigos? Teria feito o mesmo por um amigo [emprestar a pistola] ou por um chefe que estivesse precisando? Não com o jornal de hoje, obviamente. Todas as pessoas às quais pergunto isso ficam pensando ou me dizem que sim.

P. Como era Nisman?

 R. Era o touro de Wall Street de Nova York vivo. Era um homem corajoso. Eu me lembro que quando terminei a tese em 2011 coloquei o nome de várias pessoas nos agradecimentos e entre eles, o de Alberto Nisman porque me ensinou que agora é já.

P. Gostaria de ressaltar alguma coisa?

R. Sobre as três hipóteses... Suicídio, suicídio induzido ou assassinato. Tudo mudava para Alberto quando falava de suas filhas. Então, se não pensou nelas, iria pensar no Diego? Depois penso no assassinato. E, de verdade, não sei quem foi. Mas em 18 de janeiro morreu Nisman e morreu o Diego Lagomarsino que eu era.

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