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O protesto estudantil revive na Venezuela

Universitários anunciam mobilizações de rua após morte de jovem por disparos da polícia

Manifestaciones em Caracas pela morte do jovem de 14 anos.
Manifestaciones em Caracas pela morte do jovem de 14 anos.Miguel Gutiérrez (EFE)

Os jovens venezuelanos reativaram as manifestações e os protestos em todo o país depois de ficar conhecida a notícia da morte, na terça-feira, do estudante de 14 anos, Kluvier Roa, na cidade de San Cristóbal, no estado de Táchira. Roa recebeu um disparo na cabeça de um policial de 23 anos durante um protesto contra o governador. O adolescente faleceu antes de chegar ao hospital e o oficial foi detido. A morte de Roa se une à de outros cinco jovens que foram assassinados nas últimas semanas, também por disparos da cabeça, em diferentes regiões do país. Nestes casos não está confirmado se existiu ou não uma motivação política.

Os jovens se mobilizaram contra a situação de insegurança e violência vivida no país no começo do ano passado, justamente nas cidades andinas de San Cristóbal e Mérida. A onda de protestos se estendeu para outros lugares e se prolongou durante dois meses e meio. O resultado foram 43 mortos, centenas de feridos e milhares de presos. Muitos dos jovens que participarem nesse movimento hoje estão processados pela justiça venezuelana.

A repressão que sofreram e as consequências penais, além de divergências entre os que são membros ativos dos partidos e os que são apenas representantes estudantis das várias universidades, tanto públicas quanto privadas, afetaram a capacidade organizativa e de mobilização no ano passado. Recentemente, ocorreram eleições de líderes estudantis nas universidades, por isso novos rostos estão assumindo agora a condução do movimento.

Não vamos falar nem de onde sai nem para onde vai porque este Governo nos persegue Hasler Iglesias, representante da Universidade Central de Venezuela

Um deles é Hasler Iglesias, representante da Universidade Central da Venezuela, a principal instituição de educação superior do país. Iglesias anunciou que desde terça-feira os estudantes começariam a se mobilizar outra vez, mas que não dariam essa informação de maneira antecipada nem publicamente. “Não vamos falar nem de onde sai nem para onde vai porque este Governo nos persegue”, disse Iglesias, que na noite anterior tinha escrito em sua conta de Twitter: “#Caracas Amanhã vamos às ruas, compareçam cedo às suas universidades e estejam atentos aos próximos anúncios!”.

Iglesias e outros companheiros se dirigiram na terça-feira pela manhã em uma passeata “surpresa” até o Ministério do Interior e Justiça, para exigir que seja derrogada a resolução 8610 do Ministério da Defesa, que entrou em vigor há algumas semanas e permite o uso de força letal para controlar manifestações e reuniões públicas.

Setores da comunidade acadêmica deram seu respaldo aos estudantes. Em um comunicado, a Faculdade de Humanidades e Educação da Universidade Central da Venezuela também exigiu o fim da resolução. “Chama muito a atenção o ressurgimento de métodos de controle militar da população – que achávamos que estavam historicamente superados – inspirados certamente na doutrina da outrora Segurança Nacional, do tempo das ditaduras militares do Cone Sul que restringiram as liberdades civis para impor um pensamento autoritário”, diz o comunicado.

Enquanto o grupo de estudantes continuava ao meio-dia na frente do Ministério do Interior, outro grupo, contando com a participação da líder juvenil Gaby Arellano, seguidora do líder opositor preso Leopoldo López, e militante do partido Voluntad Popular, convidava a uma passeata junto com a esposa de López, Lilian Tintori, em uma mobilização das mães dos estudantes na frente da nunciatura católica em Caracas.

O próprio Maduro se apressou a condenar, na terça-feira, a morte do estudante de Táchira e assegurou que “na Venezuela está proibida a repressão armada”

Outros representantes juvenis dos movimentos políticos ligados à deputada Maria Corina Machado, a Leopoldo López e ao prefeito Antonio Ledezma, acusados, pelo Governo, de planejar um suposto golpe de Estado contra o presidente Nicolás Maduro, estão recolhendo assinaturas entre a sociedade civil para apoiar ao Acordo à Transição, documento assinado pelos três líderes políticos, e que para o Governo constitui uma prova de suas intenções golpistas.

O próprio Maduro se apressou a condenar, na terça-feira, a morte do estudante de Táchira e assegurou que “na Venezuela está proibida a repressão armada”. Os líderes estudantis invocam seu direito a protestar contra violência que sofre o país e pelos jovens assassinados. A Venezuela é o segundo país mais violento do mundo, depois de Honduras. O Observatório Venezuelano da Violência calcula que no ano passado ocorreram 24.980 homicídios na Venezuela (30 milhões de habitantes), 68 por dia, com uma taxa estimada de 82 assassinatos por 100.000 habitantes.

Enquanto isso, o secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, condenou a violência “venha de onde vier”, informa Silvia Ayuso. Insulza defendeu a necessidade de um diálogo entre Governo e oposição para acalmar a situação na Venezuela. “Enquanto não forem dados os passos necessários para iniciar um diálogo inclusivo que conduza à reconciliação dos venezuelanos, outros cidadãos inocentes podem ser vítimas dessa violência”, disse através de um comunicado. Insulza, depois das queixas pela falta de resposta internacional, já tinha defendido o fim da “polarização” na Venezuela depois da detenção, na semana passada, do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma.

Táchira volta a ser o epicentro dos protestos

O Estado de Táchira, onde se reativaram os protestos estudantis depois do assassinato do estudante Kluvier Roa, é um local maioritariamente opositor ao Governo, inclusive desde que o falecido Hugo Chávez era presidente. Também é uma das zonas mais afetadas pelas medidas restritivas do Executivo de Maduro, que viu minguado seu escasso apoio.

Entre as decisões, encontra-se um chip que controla quanta gasolina podem colocar nos automóveis para evitar o contrabando para Colômbia. Desde que Maduro lançou a ofensiva “guerra econômica”, seus habitantes também sofreram restrições adicionais para comprar todo tipo de produtos e frear seu florescente contrabando para a Colômbia. A divergência de preços e o diferencial cambial fazem do contrabando uma atividade muito lucrativa nesta região.

O mal-estar que fez com que os manifestantes tomassem as ruas há um ano só tem aumentado e o assassinato do estudante Kluvier Roa impulsionou seus habitantes de novo a armar barricadas e a enfrentar a polícia e a guarda nacional até altas horas da noite da terça-feira. A cidade amanheceu suja e com forte presença dos corpos de segurança, que começaram a retirar escombros e lixo. Na localidade de San Cristóbal e no Estado, foram decretados três dias de luto pela morte do jovem.

Longe ficam as declarações do ano passado do governador José Gregorio Vielma, contra quem se dirigia o protesto que acabou com a morte de Roa. “Se ocorre um só disparo contra manifestantes, ponho à disposição meu cargo de governador”, assegurou Vielma poucos dias após começarem os protestos contra o Governo na cidade de San Cristóbal. Dois meses depois, na capital tachirense haviam ocorrido mortes e dezenas de feridos, e a cidade encontrava-se praticamente paralisada por barricadas em várias zonas. Os gochos, como se chamam aos venezuelanos desta zona do país, perto da fronteira com a Colômbia, enfrentavam com morteiros e coquetéis molotov os corpos de segurança do Estado.

O prefeito da cidade, Daniel Ceballos, militante do partido opositor Voluntad Popular, foi detido e encontra-se no cárcere de Ramo Verde, junto a Leopoldo López.

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