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‘Caso Penta’ revela a corrupção política no Chile

Financiamento ilegal de campanhas eleitorais envolve principalmente a direita

Rocío Montes
O ex-subsecretário chileno de Mineração, Pablo Wagner.
O ex-subsecretário chileno de Mineração, Pablo Wagner.ADRIAN AYLWIN (EFE)

Os fatos revelados nas últimas semanas pela imprensa, vazamentos de uma investigação realizada pela Procuradoria, são inéditos na política chilena. Parlamentares e ex-candidatos à Presidência pedindo dinheiro por e-mail para suas campanhas a um dos grupos empresariais mais importantes do país, o Penta, em troca de honorários por serviços não realizados. O presidente do partido direitista União Democrática Independente (UDI), Ernesto Silva, informando por correio eletrônico sobre o avanço de um projeto de lei a um dos controladores da campanha. O subsecretário de Mineração do ex-presidente Sebastián Piñera, Pablo Wagner, recebendo um salário extra da empresa enquanto trabalhava no Governo.

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A trama cujas circunstâncias vão sendo desvendadas a cada dia, conhecida com o caso Penta, teve um forte impacto. E, ao mesmo tempo, deixou a descoberto a precariedade da institucionalidade e da legislação que regulamentam o financiamento político no Chile.

Para os 1.000 metros finais, resta algum cupom de combustível? Avise-me. Um abraço

O Senador da UDI Iván Moreira escreveu ao ex-diretor do Grupo Penta, Hugo Bravo, em meio à campanha parlamentar de 2013.

“Para os 1.000 meros finais, resta algum cupom de combustível? Avise-me. Um abraço, e minha gratidão para toda a vida”, escreveu o senador da UDI, Iván Moreira, em 25 de setembro de 2003, em meio à campanha para o Parlamento, de acordo com o jornal La Tercera. O destinatário era o ex-diretor do grupo Penta Hugo Bravo, que em poucas horas lhe respondeu: Assim será feito. Te darei dois de cinco. Total 10 bototos [referência a milhões de pesos chilenos, equivalentes a 43.000 reais]". O ex-executivo está afastado da empresa e seu depoimento tem sido peça-chave para a investigação do promotor Carlos Gajardo, que na quinta-feira anunciou as primeiras seis acusações formais, entre elas as dos dois principais acionistas da holding. Carlos Eugenio Lavín e Carlos Alberto Délano, conhecidos por suas relações políticas com a Aliança, o conglomerado de direita, são acusados de delitos contra o Fisco e de suborno. O ex-subsecretário de Mineração de Piñera, de suborno e lavagem de ativos.

É difícil prever o alcance das irregularidades de financiamento político ilegal do Penta, cujos principais investimentos estão em negócios de seguridade social, seguros, setor financeiro e imobiliário, saúde e educação, com ativos equivalentes a 54 bilhões de reais. Mas, pelo menos até agora, as doações ilegais afetaram sobretudo dirigentes da UDI, um partido de direita, conservador, com forte apoio nos setores populares. Existem, no entanto, exceções: fatos que apontam como receptador de dinheiro o atual ministro de Obras Públicas, o democrata-cristão Alberto Undurraga, apoiado publicamente pela presidenta Michelle Bachelet esta semana: “Ele deu todas as informações requeridas.” Também os dados apontam para o ex-candidato presidencial da Nova Maioria Andrés Velasco, ex-ministro da Fazenda do primeiro Governo de Bachelet (2006-2010).

A Procuradoria investiga o Penta por pedir recibos de honorários fraudulentos para justificar as receitas

O escândalo político-judiciário emergiu graças a investigações decorrentes de fraude tributária e não ao trabalho do Serviço Eleitoral (Servel), que não tem nem as atribuições nem os recursos para impor o cumprimento da legislação que regulamenta o gasto eleitoral. De acordo com a norma em vigor, as empresas podem financiar a política com um máximo de 1% de seus lucros, obtendo por isso isenções tributárias. Na campanha presidencial e parlamentar de 2013, por exemplo, 50% da receita veio de fontes privadas e, desse montante, 87% chegou por meio do mecanismo de doações reservadas.

A Procuradoria investiga o Penta, entre outros motivos, por ter excedido o limite de dinheiro e ter pedido em troca recibo de honorários fraudulentos para justificar suas receitas, e dessa forma obter reduções em seus impostos. O senador Moreira, depois de serem divulgados seus e-mails aos executivos do Penta, reconheceu em entrevista à imprensa, ter utilizado esse mecanismo “irregular” para obter recursos.

O Governo de Bachelet enviou há algumas semanas ao Parlamento um projeto de lei sobre financiamento e gasto eleitoral que proíbe os aportes das empresas e, no entanto, em pleno escândalo pelo caso Penta, não contempla a reformulação do Servel nem sanções drásticas para os parlamentares que tenham descumprido a norma.

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