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Um ataque marcado a fogo na agenda da Al Qaeda

O grupo está há uma década tentando atacar o jornal francês O atentado é semelhante aos de Nairóbi e Mumbai

O monumento que é o cartão postal da capital francesa participou das manifestações pelas 12 vítimas. Também houve vigília pelos mortos no ataque. Moradores de várias cidades europeias, políticos e jornalistas se uniram sob o lema 'Eu sou Charlie'.Foto: atlas

Não há dúvidas entre os analistas de que os indivíduos que dispararam contra a redação do jornal receberam formação militar. Tampouco há dúvidas de que a propaganda da Al Qaeda teve a publicação satírica como alvo há quase uma década. Segundo a polícia francesa, os supostos autores do atentado ao jornal Charlie Hebdo invadiram uma empresa durante a fuga, na manhã desta sexta-feira, em Dammanrtin-en-Goële, no noroeste da França, onde fazem pelo menos um refém.

O estudo dos vídeos do atentado, os depoimentos e os perfis dos suspeitos, Cherif e Said Kouachi, remetem a vários ataques com padrões semelhantes conduzidos por grupos vinculados à Al Qaeda: em dezembro de 2001, contra o Parlamento da Índia (em Nova Déli), sob a autoria de Jaish-e-Mohamed e Laskhar-e-Taiba; o ataque ao hotel de Mumbai, também na Índia, em novembro de 2008, comandado pela mesma organização; e a invasão de um shopping center em um bairro abastado de Nairóbi (Quênia), em setembro de 2013, sob o selo da milícia Al Shabab.

As principais organizações muçulmanas da França, onde mais de 5 milhões de pessoas praticam essa religião, condenaram o atentado

“A primeira coisa que pensei foi nos atentados de Mumbai e Nairóbi, apesar de os agressores de Paris não terem feito reféns”, disse o analista alemão Guido Steinberg, do Instituto para Assuntos Internacionais e de Segurança. Na cidade indiana morreram 173 pessoas, atingidas por disparos e granadas da organização terrorista. Na capital do Quênia, foram 72 vítimas. “É só uma especulação”, destaca Steinberg, “mas pode ter mais a ver com a ramificação argelina da Al Qaeda, para a qual a França sempre foi um alvo”. Vários meios de comunicação revelaram na quinta-feira, citando fontes europeias e norte-americanas próximas à investigação, que o principal suspeito, Said Kouachi, recebeu treinamento no Iêmen em 2011 de militantes da Al Qaeda na Península Arábica (AQPA).

Apesar do Estado Islâmico (EI) ter convocado em setembro uma jihad global, por meio de seu porta-voz Abu Mohamed Al Adnani, o analista alemão não acredita que o Charlie Hebdo era um alvo do grupo jihadista, que na quinta-feira classificou os autores do ataque de “heróis”, mas não assumiu a autoria. Para reforçar a tese de Steinberg, o grupo SITE, que monitora jihadistas, informou na quinta-feira que a Al Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI) elogiou o atentado contra a redação do jornal em um tuíte.

Precisamente um dos terroristas, segundo depoimento de Corinne Rey, Coco, cartunista do Charlie Hebdo que sobreviveu ao atentado, disse que pertencia à Al Qaeda. Um indivíduo que viu os terroristas na rua também informou que eles teriam mencionado pertencer à ramificação do Iêmen da rede terrorista (AQPA).

A organização antes liderada por Osama bin Laden atacou as caricaturas por meio de mensagens lançadas contra alguns de seus primeiros líderes, como Ayman al Zawahiri, que agora comanda a Al Qaeda central, Anuar al Aulaki, clérigo norte-americano morto pelos Estados Unidos nas montanhas do Iêmen em setembro de 2011, e Adam Yahiye Gadahn, destacado membro da rede terrorista, e também norte-americano, que em outubro de 2012 fez uma referência direta ao jornal francês, ao se perguntar: “Onde estão os leões do Islã para represálias (...) contra a França e seu imoral jornal Charlie Hebdo?".

“Segundo a informação que temos até o momento”, disse o analista norte-americano Bill Roggio, diretor do jornal The Long War Journal, “os indícios apontam para a Al Qaeda”. Roggio, ex-militar, lembra que a publicação satírica também foi “alvo” de críticas verbais da ramificação da rede terrorista no Iêmen. O analista concorda com outros especialistas que o atentado, que classifica como “ataque suicida”, foi minuciosamente planejado pelos terroristas, uma tarefa ainda não dominada por grupos vinculados ao EI. “Me lembra Nairóbi, Mumbai, mas também os ataques do Talibã em Cabul (Afeganistão) e Paquistão”, conclui Roggio.

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Luto

Um dia após o ataque terrorista contra o jornal Charlie Hebdo em Paris, o clima na França foi de apreensão e luto. Na manhã desta quinta-feira, uma policial municipal foi morta a tiros em Montrouge, na zona sul de Paris, depois de um indivíduo usando colete à prova de balas ter disparado com fuzil contra a agente. A polícia, entretanto, não relacionou o incidente diretamente com o ataque. O autor dos disparos conseguiu fugir. Entre a noite de ontem e hoje foram registrados diversos ataques contra locais de culto e restaurantes frequentados pela população islâmica nas cidades de Mans e Villefranche sur Saône, sem deixar vítimas.

Para evitar que um clima de histeria provoque mais violência, o presidente francês, François Hollande, convocou seus compatriotas a "se unirem". A segurança foi reforçada em locais de grande circulação de pessoas, e um total de 88.000 agentes foram acionados.

Os irmãos Chérif e Said Kouachi, de 32 e 34 anos, identificados pela polícia como os supostos autores do ataque na quarta-feira, estavam sendo vigiados e investigados pela polícia, segundo informou nesta quinta-feira o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, à rede RTL. Valls destacou que os dois eram “conhecidos” e “vigiados”, assim como centenas de outros suspeitos, mas que “não existe risco zero”. As autoridades chegaram a eles depois que foi encontrada a identidade de Said dentro de um veículo abandonado após o ataque junto com explosivos.

O primeiro-ministro disse ainda que várias pessoas – nove, segundo a polícia – já foram presas em conexão com as investigações do ataque. Mais de 3.000 policiais participam da operação para prender os irmãos Kouachi, que teriam sido avistados na manhã desta quinta em um posto na região de Villers-Cotterets, no norte da França (próximo à Bélgica). Um funcionário do local afirmou ter reconhecido os suspeitos, que estavam viajando em direção a Paris em um veículo Renault Clio cinza, com fuzis e lança granada. A operação se estendeu por uma área de 20 quilômetros quadrados, segundo o Governo.

A França é também o país europeu que mais combatentes contribuiu para a luta contra o Estado Islâmico

O terceiro homem procurado pela polícia, Hamyd Murad, de 18 anos, entregou-se à polícia na noite de quarta-feira em uma delegacia de Charleville-Mezères, a 230 quilômetros ao noroeste de Paris. De acordo com a polícia, Murad seria cunhado de um dos irmãos Kouachi. Sua foto não foi distribuída pelas forças de segurança. A polícia, porém, ainda não formulou as acusações formais contra o jovem.

O Charlie Hebdo, um símbolo emblemático da liberdade de imprensa na Europa, recebia ameaças contínuas desde que publicou caricaturas de Maomé, em 2006.

O Governo da Espanha expressa suas condolências pelas mortes no ataque ao Charlie Hebdo e eleva o nível de alerta terrorista.Foto: reuters_live

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