Putin prepara a Rússia para um longo confronto com o Ocidente
Presidente russo acusa “inimigos do passado” de buscarem a ruína do seu país
O presidente russo, Vladimir Putin, acusou o Ocidente de tentar submeter o seu país – “durante décadas, talvez séculos” – a uma política de contenção e de ter desejado a dissolução da Iugoslávia. Em seu breve discurso anual ao Parlamento e à elite política estatal e regional presente no salão São Jorge, no Kremlin, o dirigente arremeteu contra os Estados Unidos e a União Europeia, acusando os “inimigos de ontem” de quererem erguer uma “nova cortina de ferro”.
Enquanto isso, Grozni experimentava um surto de violência sem comparação nos últimos anos. A capital da Chechênia foi reconstruída depois de ser devastada por duas guerras separatistas, das quais a primeira está completando 20 anos neste mês. Segundo fontes locais, um grupo guerrilheiro chegou a Grozni logo depois da 1h de quinta-feira (20h de quarta em Brasília) e, após matar três policiais de uma patrulha de trânsito, entrincheirou-se na Casa da Imprensa, onde funcionam vários meios de comunicação e ONGs.
O Comitê Nacional Antiterrorista da Rússia informou que 10 policiais morreram e 28 ficaram feridos no ataque ao edifício, onde as forças de segurança contavam com o apoio de veículos de combate e artilharia. Pelo menos 28 militantes também morreram, segundo o relato oficial.
Os guerrilheiros se entrincheiraram também na escola número 20 de Grozni, e a cidade foi colocada sob estado de exceção contra o terrorismo. “Não pudemos dormir a noite toda por causa dos tiroteios, o centro está vazio e cheio de carros blindados. Isto lembra os anos noventa”, contou por telefone um morador da cidade, segundo quem muitos chechenos receberam pela manhã uma mensagem de celular enviada por um indivíduo que se identifica como Khamzat. “Somos muitos”, dizia a mensagem, escrita em idioma checheno salpicado de palavras árabes. O texto acrescentava que os militantes islâmicos não estavam dispostos a permitir que as mulheres chechenas andassem descobertas, segundo o relato do morador.
Depois do ataque, a calma retornou à cidade.
Enquanto a Casa da Imprensa ardia em Grozni, Putin recriminava o Ocidente por ter “apoiado abertamente os separatistas” da Chechênia nas décadas de 1990 e 2000. O líder russo disse que “os assassinos que tinham as mãos manchadas de sangue foram tratados como insurgentes [...], e agora esses insurgentes se manifestam de novo na Chechênia”.
Depois de pedir ajuda aos órgãos policiais, Putin voltou a fustigar o Ocidente: “Lembramo-nos de como receberam terroristas de alto escalão como lutadores pela liberdade e a democracia. Já na época ficou claro que quanto mais retrocedemos e nos justificamos, mais descarados, cínicos e agressivos se mostram nossos oponentes”. Putin não mencionou o fato de que o seu antecessor Boris Yeltsin também recebeu os líderes separatistas chechenos no Kremlin em 1996.
O presidente disse que o separatismo na Rússia havia recebido apoio midiático, político, financeiro e dos órgãos de segurança estrangeiros. “Os inimigos de ontem teriam nos lançado com satisfação no caminho da desintegração e do desmembramento da Iugoslávia”, disse, alertando que isso traria “consequências para os povos da Rússia”. “Não aconteceu, não permitimos”, sentenciou Putin, sob aplausos.
Ele citou a anexação da Crimeia (ou “histórica reunificação” da península com a Rússia, segundo sua terminologia) como um teste que apenas “uma nação madura, unida e verdadeiramente soberana e forte” poderia superar. A Crimeia tem uma “importância sagrada” para os russos, “como o monte do templo de Jerusalém para os que professam o islamismo e para os judeus. Isto será assim a partir de agora e para sempre”, insistiu Putin, mencionando o valor simbólico do batismo do príncipe Vladimir no século X (quando a capital da Rússia era Kiev).
O líder russo não ofereceu novas ideias para acabar com a guerra em Donetsk e Lugansk, um conflito que ele descreveu como uma “tragédia no sudeste da Ucrânia”. Putin reiterou sua condenação ao “golpe de Estado” contra o presidente ucraniano Viktor Yanukovich, no começo deste ano, e qualificou de “puro cinismo” o apoio do Ocidente à ação militar ucraniana que busca “esmagar” o descontentamento do leste do país. O mandatário insistiu que a soberania nacional é fundamental para a Rússia, pois do contrário “nos dissolveremos, nos perderemos no mundo”.
Quanto às sanções ocidentais a Moscou por causa do conflito ucraniano, ele afirmou que “são prejudiciais para todos, mas sobretudo para quem as emprega”. “Não se trata de uma reação nervosa dos EUA ou de seus aliados por causa da nossa posição em relação ao golpe de Estado na Ucrânia e à chamada Primavera da Crimeia”, disse. “Estou seguro de que, se não tivesse existido tudo isto, teriam inventado qualquer outro pretexto para conter as crescentes possibilidades da Rússia, influir sobre ela e, ainda melhor, utilizá-la para seus interesses”.
Segundo Putin, “a política de contenção não foi inventada ontem. Manteve-se durante muitos anos, décadas, talvez séculos [...]. Entretanto, falar com a Rússia a partir de uma posição de força é inútil”. O presidente disse também que o país manterá sua capacidade defensiva para confrontar o escudo antimísseis projetado pelos EUA na Europa. Assegurou ainda que seu país não se fecha ao mundo, apesar de atravessar uma “época difícil”, e descreveu a atual conjuntura como “um estímulo para o desenvolvimento nacional”.
O longo conflito no Cáucaso
1991. A União Soviética desmorona, e Dzhokhar Dudayev declara a independência da Chechênia, região do Cáucaso com maioria islâmica.
1994. Invasão russa. Uma guerra de 20 meses com 100.000 mortos termina com vitória de Moscou e mais autonomia para a Chechênia.
1999. A Chechênia dá uma guinada para o islamismo radical, com atentados e tentativas de imposição da sharia(lei islâmica).
2000. A Rússia suspende a autonomia e impõe Akhmad Kadirov como administrador da região.
2002. Ataque de rebeldes chechenos a um teatro de Moscou. 120 reféns morrem.
2004. Centenas de mortos em um atentado numa escola de Beslan (Ossétia do Norte) cometido por militantes chechenos.
2007. Ramzan Kadirov, filho do Akhmad (assassinado em 2004), é eleito presidente da Chechênia.
2009. A Rússia considera a situação "normalizada".
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