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Lava Jato esquenta o debate sobre corrupção na sociedade brasileira

Ministro da Justiça faz críticas à “cultura” que mescla público e privado, e acirra os ânimos sobre as responsabilidades do Governo

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.EFE

A Operação Lava Jato, da Polícia Federal, tem chocado os brasileiros, que assistem impotentes às denúncias que se multiplicam diariamente, envolvendo a Petrobras. Enquanto o quebra-cabeça do esquema de desvio de recursos e lavagem de dinheiro na empresa ganha contornos mais definidos, diversas vozes se manifestam para lembrar que a prática da corrupção vem de longa data no país, e é generalizada. Foi o caso do procurador Marcelo Mendroni, em entrevista ao EL PAÍS, ou do empresário Ricardo Semler, em artigo na Folha de São Paulo. Na semana passada, o advogado do lobista Fernando Baiano, detido na última etapa da investigação, chegou a dizer que não se faz obra pública no Brasil “sem acerto” e que quem nega isso “desconhece a história do país".

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O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tentou ampliar esse debate, mas usou palavras que acabaram soando indigestas. Em encontro na Associação dos Magistrados Brasileiros, na última sexta-feira, ele disse que “a classe política é um reflexo de uma sociedade que, ao não distinguir do seu meio o público e o privado, escolhe sem esse critério seus representantes e depois os reprime, legitimamente, mas sem olhar para si”, afirmou o ministro, segundo o jornal O Estado de São Paulo. “Os mesmos que criticam atos da classe política são aqueles que quando um guarda de trânsito para e quer multar pensam numa “propininha”.Cardozo ainda exemplificou: “Vivemos numa sociedade que até o síndico de prédio superfatura quando compra o capacho”, disse ele, citando esses desvios como parte da “cultura” do país.

As ponderações de Cardozo caíram como uma bomba, pois podem ser interpretadas como a extensão da responsabilidade da corrupção – exposta ao grau máximo na Petrobras - para toda a sociedade brasileira. “O discurso do ministro demonstra uma opinião que [aponta a corrupção] como um problema intrínseco da sociedade e da cultura brasileiras. Essa é uma prática que está sendo utilizada pelo governo desde a posse do presidente Lula de forma lamentável, porém eficiente para o projeto de Governo do PT”, observa a Ligia Pavan Baptista, professora doutora e líder do núcleo de Estudos de Democracia da Universidade de Brasília.

Para ela, Cardozo diz que no Brasil se confunde o público e o privado e faz o mesmo. “Como ministro de Estado, nunca deveria ter expressado as opiniões pessoais do senhor José Eduardo Cardozo sobre a corrupção e a sociedade brasileira que é na verdade quem ele serve, de quem ele recebe seus proventos mensais e a quem deve respeito.”

Wagner Pralon, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo, evoca o conceito de “evitar a culpa [do mal feito] e reclamar o crédito [do que está bem]”, debatido pelo sociólogo americano Paul Pierson, para explicar a expressão do ministro. Para o co-fundador e co-diretor do Movimento Contra à Corrupção Eleitoral (MCCE), Luciano Santos, não é possível definir a corrupção como parte da cultura brasileira. "A maioria combate e não tolera atos corruptos. Claro que há pessoas que praticam atos ilícitos como em qualquer país do mundo. Atualmente, Espanha, Portugal, França e Alemanha, por exemplo, também estão enfrentando problemas semelhantes. Porém, não temos uma cultura que justifique essas ações", explica.

Santos entende que os brasileiros têm todo o direito de criticar a classe política já que os políticos têm a obrigação e a função de cuidar das questões de interesse da sociedade. "Os nossos representantes teriam que ser os primeiros a darem o exemplo", afirma. Luciana Gross Cunha, professora da Fundação Getúlio Vargas de Direito de São Paulo, também cobra o exemplo dos representantes públicos. “O Governo, no momento em que assume o Estado, tem responsabilidade pública e privada. Eles não podem errar”, avalia. Para ela, tudo que o país vem vivendo com a operação Lava Jato é um aprendizado importante. “Todo mundo sairá ganhando, mas não se pode colocar a culpa na cultura da sociedade”, afirma.

O diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, entende que a responsabilidade do Governo é diagnosticar a corrupção do país e tomar medidas para combatê-la. “Quando se justifica que a cultura do país é essa, se descuida do papel de autoridade, renunciando ao combate à corrupção, além de considerar normal um ato ilícito. É muito grave”, pondera.

Abramo está de acordo que, atualmente, a legislação que combate a corrupção vem progredindo. Mas, destaca que o maior problema ainda é aperfeiçoar o gerenciamento do Estado. "É aí que residem grandes problemas de corrupção. Ainda funciona mal. A política de alianças baseada em loteamento de cargos é uma das causas mais graves”, conclui. Pralon, da USP, também entende que “os órgãos de controle estão funcionando, os tribunais de conta estão apontando superfaturamento, a polícia e o Ministério Público estão correndo atrás do que está errado. Não sei em que medida isso é do DNA [da sociedade] ou se justamente as instituições estão funcionando”, acredita.

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