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Brasil, um país prestes a encerrar o caso de amor com as empreiteiras

Sob investigação, construtoras respondem por oito das dez maiores obras do país

Obras da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca.
Obras da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca.Divulgação

O alerta foi dado pelo presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes: a Operação Lava Jato tem o potencial de parar o Brasil, caso as nove empreiteiras investigadas por ilícitos na relação com a Petrobras sejam declaradas inidôneas e não possam seguir nas obras contratadas com o governo. O ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, já adiantou, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que pretende firmar, com os empresários investigados, acordos que permitam a suas empresas continuar as atividades apesar de eventuais punições, mas o Ministério Público de Contas, vinculado ao TCU, já solicitou que a Petrobras declare oito das nove empresas investigadas como inidôneas, o que as impediria de contratar novas obras por até cinco anos. Ainda que os envolvidos consigam algum tipo de entendimento, o certo é que dificilmente o caso Petrobras não terá reverberações por todo o país, do atraso de obras até uma revolução no mercado de construção brasileiro.

O desafio agora, é punir as empresas e garantir o menor prejuízo possível ao país, prestes a receber o maior evento esportivo do mundo

É praticamente impossível medir a presença, em cada município do Brasil, das empreiteiras investigadas pela PF, mas é possível ter uma ideia de sua capilaridade: empresas como Engevix, OAS, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa tocam, atualmente, oito dos dez maiores empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como a refinaria de Abreu e Lima, a usina de Belo Monte e a Ferrovia Norte-Sul. Além disso, as empreiteiras investigadas, recordistas em doações para campanhas eleitorais no país, participaram da construção de sete dos doze estádios utilizados na última Copa do Mundo, num total de 4,6 bilhões de reais, com destaque para a Odebrecht (esta ainda não teve executivos presos, mas pode ser alvo de investigação exclusiva da PF), que esteve envolvida em quatro deles — dois dos quais, as arenas Corinthians e Pernambuco, sozinha. Mais: as “quatro irmãs”, como são conhecidas Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez (única formalmente fora das investigações, por enquanto), monopolizam as obras de infraestrutura para a Olimpíada do Rio de Janeiro, como a construção da Vila dos Atletas e do Parque Olímpico, além de obras de mobilidade urbana.

O desafio do Estado brasileiro, agora, é punir as empresas que tiverem cometido ilícitos e, ao mesmo tempo, garantir o menor prejuízo possível ao país, que está prestes a organizar o segundo maior evento esportivo do mundo e cuja cambaleante economia não permite espaço para qualquer desaceleração. Um precedente recente indica o caminho que o Governo Dilma Rousseff deve tomar, diz Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas. Declarada inidônea em 2012 pela CGU por manter ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, a Delta Construções, até então a maior contratante do PAC, ficou proibida de firmar novos contratos com o Governo, mas obteve autorização para seguir com as obras que não tinham atrasos. Ainda assim, contudo, as incertezas geradas pelas investigações resultaram em atrasos e interrupções em obras da empreiteira de Fernando Cavendish, levando-a a perder seu maior contrato com o Governo — um dos lotes da transposição do Rio São Francisco.

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Assim como ocorreu com a Delta, grande vítima empresarial da CPI do Cachoeira, a Operação Lava Jato pode marcar o ocaso de empreiteiras que participam da construção do Brasil desde o surgimento de Brasília, na década de 1950, e intensificaram sua atuação na ditadura militar (1964-1985), quando o país sofreu seu processo mais intenso de ‘nacionalização’. A ponte Rio-Niterói, por exemplo, foi erguida entre 1968 e 1974 por Camargo Corrêa e Mendes Júnior, que também construíram a rodovia Transamazônica, na década de 1970, e, junto com a Andrade Gutierrez, ergueram a Hidrelétrica Binacional de Itaipu, de 1973 a 1982. A história de protagonismo dessas construtoras teria um novo capítulo durante o Governo Lula, que fez do PAC um símbolo do progresso no país e atraiu grandes eventos esportivos para o território nacional, além de incentivar a expansão das empreiteiras brasileiras para países africanos, como Angola, e latinos, como Cuba.

Em artigo intitulado “Viaje mais, presidente” e publicado na Folha de S.Paulo em 2013, Marcelo Odebrecht rechaçou os questionamentos que criticavam a relação entre sua empresa e o já ex-presidente Lula, mas expôs a proximidade da empreiteira com o poder ao confirmar que “a Odebrecht foi, sim, uma das patrocinadoras da ida do ex-presidente Lula a alguns dos países citados”, completando: “E o fizemos de modo transparente, por interesse legítimo e por reconhecer nele uma liderança incontestável, capaz de influenciar a favor do Brasil e, consequentemente, das empresas brasileiras onde quer que estejam”.

Essas proximidade e parceria devem ter pesado para os 13,8 bilhões reais em contratos com a União que as empresas investigadas pela Lava Jato fecharam apenas durante o governo Dilma, segundo levantamento da Associação Contas Abertas. Hoje, essas empreiteiras são responsáveis, por exemplo, por pelo menos dez grandes obras do estratégico setor de energia no país, e algumas dessas empreitadas, como as das usinas hidrelétricas de São Luiz de Tapajós e de Jatobá, ambas no Pará, ainda estão em estágio de ação preparatória, e, portanto, nem saíram do papel. Para os especialistas, os governos federal e estaduais não terão alternativa senão diversificar suas carteiras de empreiteiras contratadas, nem que seja abrindo espaço para empresas estrangeiras e decretando, inevitavelmente, o fim de uma harmoniosa e obscura relação de mais de 50 anos entre as empreiteiras e os governos brasileiros.

Grandes obras de empresas investigadas pela Lava Jato:

Usina nuclear Angra 3 (RJ)

Custo: 13 bilhões de reais.

Empresas: Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, UTC e Queiroz Galvão.

Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro - Comperj (RJ)

Custo: 26,5 bilhões de reais

Empresa: Odebrecht

Hidrelétrica de Santo Antônio (RO)

Custo: 12 bilhões de reais

Empresas: Andrade Gutierrez e Odebrecht

Conversão da refinaria Presidente Getúlio Vargas (PR)

Custo: 8,7 bilhões de reais

Empresas: OAS, Odebrecht e UTC

Hidrelétrica de Belo Monte (PA)

Custo: 28,9 bilhões de reais

Empresas: Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez

Refinaria de Abreu e Lima (PE)

Custo: 35,7 bilhões de reais

Empresas: Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Iesa, Odebrecht e OAS

Refinaria Premium I (MA)

Custo: 41 bilhões de reais

Empresa: Queiroz Galvão

Trecho sul da ferrovia Norte-Sul (SP)

Custo: 460,3 milhões de reais

Empresas: Queiroz Galvão e Camargo Corrêa

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