Espanha lança uma ofensiva contra os abusos fiscais do seu futebol
Ministério da Fazenda investiga jogadores do Madrid e do Barcelona
O futebol da Espanha está sob a lupa do Ministério da Fazenda. A Agência Tributária espanhola lançou uma ofensiva contra práticas fiscais dos jogadores de futebol que considera abusivas. Advogados consultados por este jornal admitem que, nos últimos meses, as inspeções do fisco sobre os atletas se intensificaram.
Os assessores dão conta de que a Fazenda mudou sua interpretação sobre duas operações tributárias, em prejuízo dos esportistas. Uma das mudanças tem a ver com a leitura que o fisco faz agora das sociedades que gerenciam os direitos de imagem dos esportistas. A outra está relacionada com o pagamento da comissão que alguns clubes fazem aos agentes dos jogadores quando acordam uma venda ou renovação.
“Atualmente há quatro jogadores do Barça que estão sob inspeção”
A verdade é que a Fazenda colocou o foco sobre os jogadores de futebol. Atletas como Sergio Ramos, Iker Casillas ou Xabi Alonso passaram pelo scanner do Ministério por essas questões, segundo adiantou El Mundo. Mas também outros como Mascherano, Iniesta ou Piqué. “Agora mesmo no Barça quatro jogadores titulares estão sendo investigados por esse caso”, conta um advogado de um escritório conhecido. “Há mais casos do Real Madrid que não saíram, porque os documentos ainda não se resolveram”, acrescenta outro assessor que conhece “jogadores internacionais residentes na Espanha” que também foram contatados pela Agência Tributária.
Muitas dessas investigações da Fazenda são concluídas com um acordo entre o jogador para que ele pague uma quantidade “intermediária”, porque se entende que houve um espírito de transgressão da norma.
“Há uma guerra entre a Agência e o futebol espanhol, que se agravou depois do enfrentamento entre o presidente da Liga de Futebol Profissional, Javier Tebas, e a diretora de Arrecadação da Agência, Soledad García [Tebas a acusou de querer liquidar os clubes]”, explica um alto funcionário da Fazenda, que prefere permanecer anônimo. “Nos últimos meses se radicalizou o controle sobre os jogadores de elite e os que não são de elite também”, comenta outro advogado que assessora jogadores. Fontes da Agência Tributária não confirmam essa cruzada contra o futebol.
Funcionários da Agência pedem para distinguir esses casos do de Messi
O problema surge com uma mudança legal de 2006 que deixa sem conteúdo o regime especial dos esportistas. O que acontece é que o Ministério não tinha aplicado essa modificação ao mundo do futebol até agora.
No ano de 1996, o Governo do PP introduziu uma mudança na Lei do IRPF que permitia aos jogadores cobrar uma parte pela folha de pagamento, os 85% tributados pela alíquota máxima do IRPF (cerca de 52% em média); e outra, os 15% restantes, por meio de uma sociedade que geria os direitos de imagem, pela qual pagavam um imposto de sociedades de 30% em vez dos 52% de IRPF. Essa exceção tributária que a Fazenda concedia aos esportistas, conhecida como regra 85/15, resultava em uma economia fiscal importante para eles. Para um jogador que cobra cinco milhões de euros líquidos a economia chegaria a cerca de 400.000 euros.
Mas no ano de 2006 uma nova norma foi aprovada. “Foi aprovado o regime de operações vinculadas pelo qual as operações entre as partes vinculadas são avaliadas a preços de mercado”, afirma Enrique Seoane, sócio da Deloitte Advogados. Durante vários anos, o fisco não aplicou essa norma ao futebol, mas há alguns meses considera que os 15% que o clube paga à sociedade do jogador pelos direitos de imagem é o preço de mercado que a sociedade deveria pagar ao jogador por ceder a ele a exploração desses direitos. A consequência é que o futebolista acaba tributado à alíquota máxima do IRPF de 52% pelos 100% do que o clube lhe paga. Como a Fazenda está revisando os últimos quatro anos não prescritos, a sanção poderia chegar a 2,5 milhões de euros.
Os advogados lamentam que quando a Fazenda aplica a norma das operações vinculadas deixa a regra dos 85/15 vazia de conteúdo. “Não é que as duas normas sejam contraditórias. É que, sobrepostas, são absurdas, e isso gera incerteza”, destaca um assessor.
Advogados acreditam que o fisco mudou a interpretação da norma
Outro advogado de um grande escritório de Madri adverte: “Nos próximos três anos, vão passar pelo foco da Fazenda todos os jogadores em função das sociedades de direitos de imagem ou pelos pagamentos aos agentes”. E acrescenta: “Prepararam uma ata padrão para o aluvião de casos”.
Um dos assessores de jogadores reconhece que em alguns casos o fisco pode ter razão, pois o jogador cedia a exploração de seus direitos de imagem à sua sociedade por uma quantia simbólica. Isso no melhor dos casos, porque em alguns sequer havia um contrato de cessão. Além disso, alguns jogadores utilizam essa sociedade de forma instrumental: registravam nela seus carros e casas para pagar menos impostos. Essa empresa não tinha nenhuma atividade além da meramente patrimonial. “E a Fazenda está indo mais longe. Porque está fazendo a mesma interpretação com sociedades que realmente têm atividade e uma estrutura para gerir esses direitos de imagem”, diz outro assessor.
Afirma-se que a regra dos 85/15 fica sem sentido e pede-se para esclarecer a questão
Outra das interpretações novas da Fazenda se relaciona ao tratamento dado aos pagamentos realizados pelos clubes aos agentes dos jogadores quando fecham uma venda ou renovação. Os agentes costumam levar uma comissão de 10% das operações. O correto é que o jogador receba todo seu salário, pague 52% ao fisco, e com o que resta pague a comissão de 10% da operação para seu agente. Mas, em certas ocasiões, o jogador acorda com o clube que ele pague o representante, o que lhe traz uma economia fiscal importante [um jogador que assina uma renovação com um contrato de cinco milhões líquidos por cinco temporadas economizaria cerca de 2,5 milhões de euros no período do contrato]. “Essa questão da Fazenda com os agentes é mais recente. Há processo aberto em Valência contra um jogador ativo que é muito novo”, aponta um especialista.
Os assessores pedem para esclarecer a norma
Alguns dos especialistas consultados dão sua opinião sobre o assunto. Roberto Álvarez, sócio de Cuatrecasas Gonçalves Pereira diz que "o relevante sobre as fiscalizações no mundo dos jogadores de futebol é que o âmbito da discussão e das regularizações propostas estão colocando em dúvida estruturas de exploração da imagem que foram aceitas historicamente pelo próprio fisco desde o fim dos anos noventa, inclusive pelos Tribunais”.
Clara Jiménez, sócia da Pérez Llorca, admite que “está aumentando o controle dos jogadores por parte da Fazenda”. E prossegue: “É verdade que existe uma base legal para isso, mas é excessivamente formalista. Por isso, esse sistema deveria ser esclarecido. A advogada considera que “resolver o problema à base de fiscalizações não é o mais sensato”. Na opinião da maioria dos assessores, o Governo deveria ter aproveitado a reforma fiscal para esclarecer a norma.
Félix Plaza, advogado e sócio de Garrigues, concorda no caso dos representantes: “A Fazenda está começando a interpretar que a contratação do agente não é do clube, mas do jogador. Essa questão não acontece só na Espanha”. E explica que na Itália essa prática já é condenada.
Ransés Pérez-Boga, presidente dos Inspectores de Hacienda (IHE), pede que seja feita a distinção desses casos do de Messi ou Neymar, com estruturas societárias complexas instituídas em outros países.
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