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Rogério Ceni, mais que um goleiro

A meses de encerrar a carreira, o fiel são-paulino estabelece seu quarto recorde mundial

Rodolfo Borges
Ceni em um jogo da Copa Libertadores de América em 2010.
Ceni em um jogo da Copa Libertadores de América em 2010.sebastião moreira (efe)

“Todo time tem um goleiro, só nós temos Rogério Ceni”, costumam dizer os torcedores do São Paulo Futebol Clube sempre que o desempenho de seu maior ídolo é questionado pelos adversários. De fato, nunca houve um goleiro como Rogério Ceni e, ao fim desta temporada, quando ele encerra a carreira, dificilmente haverá outro igual. Autor de 123 gols em cobranças de pênaltis e faltas – marca nunca antes atingida por um jogador de sua posição –, Ceni estabeleceu seu quarto recorde mundial nesta semana, na vitória do São Paulo por 3 a 0 contra o Goiás, pelo Campeonato Brasileiro. Com o triunfo, o goleiro atingiu 590 vitórias por um mesmo time, ultrapassando o recém-aposentado Ryan Giggs, que venceu 589 jogos pelo Manchester United. E, como Ceni segue jogando, os recordes tendem a ficar ainda mais difíceis de bater.

O ‘fenômeno’ Ceni surgiu por acaso, conta o cronista esportivo Alberto Helena Júnior, que acompanha a carreira do goleiro desde o princípio. “Eu fui um dos primeiros a prever um futuro brilhante para ele. Primeiro, porque era um excelente goleiro. Mas ele também sabia jogar muito bem com os pés. O Rogério seria um jogador de destaque mesmo se tivesse escolhido jogar no meio-campo ou no ataque. Tinha muita habilidade. Aliás, quando ainda trabalhava no banco [do Brasil, antes de iniciar a carreira profissional], ele jogava de atacante e só foi para o gol quando um colega se machucou. Ele assumiu a posição e acabou tomando gosto”, conta Helena Júnior. Não bastasse o talento, Ceni sempre é o primeiro a chegar e o último a sair dos treinamentos, e ainda contou com uma instrução acima da média para os jogadores brasileiros, o que, somado à sua personalidade forte, desenvolveu o líder que ele viria a se tornar no São Paulo.

Além de ser o goleiro com mais gols da história e o maior vencedor por um mesmo clube, Rogério Ceni tem o maior número de partidas disputadas por um único time — 1.175, superando a marca de Pelé no Santos Futebol Clube — e é o jogador que atuou mais vezes como capitão (mais de 980) por um mesmo clube. Clube esse, aliás, que o goleiro não perde a oportunidade de exaltar. Semanas antes de estabelecer seu último recorde, ele desabafou após um jogo difícil contra o Huachipato, do Chile, que o São Paulo ganhou por 3 a 2 na casa do adversário. “Isso aqui é a história da minha vida. Mais de 60% da minha vida”, disse. Para realçar a lealdade à camisa, o jogador costuma relativizar seus méritos pessoais. “Minha maior conquista foi elevar em milhares, em milhões, a torcida do São Paulo”, disse, após liderar o time na conquista do Mundial de Clubes da Fifa de 2005.

Depois de quebrar o último recorde, no dia 27 de outubro, mais uma vez o obstinado goleiro tentou manter o discurso de humildade e o foco para o reta final da carreira, em que ainda pretende celebrar ao menos um título — o São Paulo disputa as quartas-de-final da Copa Sul-Americana e é o segundo colocado no Campeonato Brasileiro. “Todo jogador que fica 20 anos no mesmo clube conquista marcas importantes. O que agradeço a Deus, aos meus companheiros e ao torcedor é que consegui completar esse tempo com disposição, com o mesmo desejo de vitória. É muita história para contar. Mas, quando chega esse ponto, é porque você está velho”, brincou.

O goleiro chegou ao São Paulo prestes a completar 18 anos, em 1993. Hoje, aos 41, conta três títulos do nacionais, dois troféus continentais (da Copa Libertadores da América e da Copa Sul-Americana) e um título mundial, além de campeonatos estaduais. Ceni, que assumiu a titularidade da posição em 1997 com a difícil missão de substituir o ídolo Zetti, atuou com protagonismo em todos esses títulos. Sua atuação mais importante, contudo, foi na final do mundial contra o Liverpool, em 2005, quando o São Paulo ganhou seu terceiro título do mundo com a vitória por 1 a 0. Escolhido o melhor jogador daquela partida e daquele campeonato, Ceni fez defesas milagrosas ao longo de todo o jogo, entre elas a que segurou uma cobrança de falta perfeita do capitão adversário, Steven Gerrard.

Em uma época de pouca identificação dos jogadores com as equipes que defendem no Brasil, não faltaram oportunidades para Ceni deixar o São Paulo, segundo o jornalista André Plihal, autor, junto com o jogador, de “Maioridade penal”, livro lançado para marcar os 18 anos de Ceni no clube, em 2009. Na década passada, o goleiro recebeu propostas de equipes europeias como Hannover, da Alemanha, e do espanhol La Coruña — houve ainda uma conturbada negociação com o inglês Arsenal, em que Ceni chegou a ser acusado de forjar uma proposta de contrato para barganhar um aumento de salário.

A confusão não chegou perto de manchar a história do goleiro com o São Paulo, e o fato é que Ceni permaneceu no time tempo o bastante para se tornar um dos maiores ídolos da história do clube do Morumbi. “Falam em jogar no exterior... Para que, se eu jogo no melhor time do mundo? Eu amo este clube!”, declarou em uma das várias entrevistas que concedeu sobre o assunto. Para Plihal, apesar de as propostas do exterior não terem sido muito tentadoras, Ceni sempre escolheu permanecer no São Paulo consciente de que poderia fazer história, ainda que nunca pudesse imaginar que se transformaria no “Mito” (como a torcida lhe chama) que se tornou.

O tamanho dos feitos de Ceni pode ser calculado pela atenção que um jogador que atua no Brasil despertou nesta semana. Longe do badalado mercado europeu e sem ter conseguido fazer fama na Seleção Brasileira — Ceni foi reserva de Marcos na Copa do Mundo de 2002 —, o goleiro são-paulino virou notícia e recebeu pedidos de entrevista de jornais da Rússia, dos Estados Unidos, Portugal, Inglaterra, França, Alemanha e Japão, entre outros. Após mais de 20 anos de São Paulo, Ceni decidiu se aposentar ao fim da temporada, mas diz que ainda não sabe o que vai fazer depois de parar. Sua única certeza — e não há quem duvide — é de que seguirá defendendo as cores do São Paulo de alguma forma.

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