Uma visita ao futuro
No Vale do Silício, percebe-se que gigantes como Google e Facebook se sentem inseguros
Acabo de passar uns dias no Vale do Silício. Deste vale californiano com frequência emanam novas tecnologias que mudam a vida de milhões de pessoas em todo o mundo. Estive conversando com inventores, empreendedores e investidores, assim como com os chefes das empresas onde trabalham. Muitas delas geram vultosos lucros, enquanto outras ainda não, e possivelmente nunca venham a gerar. As mais surpreendentes são aquelas adquiridas por quantias enormes, apesar de oferecerem lucros relativamente baixos. O WhatsApp, empresa que oferece uma aplicativo para enviar e receber mensagens, foi criado em 2009 e conta com 55 empregados e 20 milhões de dólares já faturados. Em fevereiro, foi comprado pelo Facebook por 19 bilhões de dólares (47,1 bilhões de reais).
Uma tendência que se acelerou é a de empresas da Internet com enorme sucesso e sem fins lucrativos; só querem fazer o bem. Uma das mais destacadas é a Khan Academy, criada por Salman Khan, um jovem empreendedor que está revolucionando a educação em escala mundial. Outro exemplo vem de Vint Cerf, um dos criadores da Internet, que junto com seus colegas renunciou a monetizar sua criação.
Falar de mudança no Vale do Silício é como falar de pão em uma padaria: é o que se faz por lá. Disso vivem, só nisso pensam, e a isso dedicam o imenso talento que ali se concentra e a inimaginável quantidade de dinheiro pronto para apostar nas ideias mais audazes. É a cultura inerente ao Vale do Silício: a ambição, a busca por grandes números de usuários, a propensão ao solucionismo, ou seja, a hipótese de que todo problema tem solução, e que muito provavelmente essa solução implica o uso da Internet. É uma cultura de jovens, de gente que vem de todas as partes do mundo, onde o que importa é o que alguém sabe ou o que alguém pode inventar, não onde nasceu, a cor da sua pele, seu sotaque, como se veste ou quem são seus pais. É a meritocracia mais intensa que já vi. Também é uma cultura que desdenha do Governo, das organizações hierárquicas e centralizadas. Por outro lado, venera a informalidade, a agilidade, a mobilidade, a inteligência e sobretudo a propensão ao risco e, mais concretamente, o fato de não ter medo do fracasso. Enquanto em outras culturas um fracasso deixa uma marca negativa e indelével na reputação de uma pessoa, no Vale do Silício o fracasso é visto como uma valiosa aprendizagem que ajuda a evitar futuros erros. Cabe também destacar que o Vale do Silício poderia ser chamado de vale dos homens: o número de mulheres é surpreendentemente baixo.
Nessa visita, detectei algumas mudanças. Há mais empresas, mais tecnologias, mais iniciativas, mais incursão em novos setores – de automóveis a energia e exploração espacial –; há mais dinheiro disponível para o investimento e mais vontade de ter clientes fora dos Estados Unidos. Muitas das companhias recém-criadas são micromultinacionais: desde o início nascem com a ambição de operar mundialmente. O normal em outras partes do mundo é que as empresas sejam criadas com a vocação de funcionar em uma cidade ou uma região e, se tiverem sucesso, se expandam para o terreno nacional e depois a outros países. O Vale do Silício não funciona assim. Outra tendência que detectei é que, embora não admitam, os gigantes se sentem inseguros. Google, Facebook e outras das empresas maiores sentem a pressão de consumidores que se rebelam perante algumas das suas práticas e de Governos dispostos a endurecer as regulamentações.
Finalmente, quais são as principais surpresas que nos chegarão do Vale do Silício nos próximos anos? Impossível saber. Mas me arrisco a apontar três setores que contribuirão com inovações muito transformadoras. Um é o da energia, onde haverá interessantes inventos relacionados ao armazenamento e à melhora de baterias de grande tamanho, assim como tecnologias mais limpas e mais baratas. A segunda é a “Internet das coisas”, ou seja, a crescente interconexão de todo tipo de aparelho e objeto através da Rede. Espera-se que muito em breve a Internet esteja conectando entre si mais objetos (de eletrodomésticos a estoques farmacêuticos) do que pessoas. Um terceiro setor é a saúde: levei a impressão de que veremos interessantes avanços em tecnologias que melhoram a qualidade de vida dos anciões e outras que aumentam drasticamente a eficiência e barateiam os serviços médicos e hospitalares. E muitas mais: da popularização do dinheiro virtual, como o Bitcoin, à exploração do espaço e a proliferação de robôs de todo tipo.
E finalmente me parece interessante e muito revelador destacar alguns temas que ninguém mencionou em minhas conversas no Vale do Silício: o ebola, o Estado Islâmico e a Europa não pareciam despertar maior interesse nos meus interlocutores.
Estou no Twitter: @moisesnaim
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