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Coluna
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Como Aécio Neves conseguiu conquistar o coração de Marina Silva?

O acordo entre os dois políticos é algo inédito na historia do Brasil

Juan Arias

Conquistar o coração de Marina Silva foi a maior vitória do candidato mineiro Aécio Neves. Não era tarefa fácil e tê-lo conseguido revela capacidade de diálogo e compreensão das ideias e dos tempos de decisão dos outros.

Com isso, Aécio demonstra uma sensibilidade política e uma capacidade de navegante à qual não estávamos acostumados nos mares da velha política.

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O acordo entre os dois políticos é algo inédito na história desse país, onde até agora as grandes alianças entre partidos para exercer o poder não eram feitas sob o prisma de acordos de programa, mas de interesses e divisão de cargos, a mãe de todos os grandes escândalos de corrupção.

A atitude inicial de Marina, com seu rosário de exigências para negociar o apoio ao PSDB, parecia mais grave por ter sido ela a derrotada nas urnas. Aécio podia ter lembrado a ela que o perdedor nunca pode impor condições ao ganhador. Na velha política, o normal é que a ambientalista logo tivesse oferecido seu possível apoio em troca de uma fatia de poder no caso de chegar ao Palácio do Planalto. Assim funcionaram as coisas até agora na política do Brasil, que cunhou o lema de que “é dando que se recebe”.

Nessa linha, Aécio Neves também poderia ter pactuado com sua rival do Partido Socialista Brasileiro (PSB) – se ela tivesse sido uma política tradicional – um acordo de governo oferecendo ministérios e cargos (publicamente ou por baixo dos panos) em troca de seu apoio.

O candidato tucano não o fez, primeiro porque sabia que esses jogos não funcionam com Marina, que tem o empenho de levar, às vezes até o extremo, sua nova política baseada em acordos de programa e não de partidos.

O fez, além disso, sem perder em nenhum momento os nervos frente às exigências de Marina (que podiam soar até arrogantes), por seu espírito mais conciliador do que guerreiro. Teve a sensibilidade e até a astúcia política de entender o ritmo lento das decisões de Marina, suas perplexidades e seu gosto pelas curvas e os suspenses, e insistiu o tempo todo, inclusive frente a seus assessores impacientes, que a ecologista tinha todo o direito de meditar sua decisão. Ela tinha um compromisso selado com Eduardo Campos, cuja morte trágica imprimiu uma dose extra de dramaticidade e exigência. Aécio Neves soube entrar naquele delicado e quase sagrado santuário.

Sem mencioná-lo, recordou a Marina que havia sido também ele – e nenhum outro político – quem recolhera o compromisso de Campos a favor de uma forma nova de governar o país, e que havia resgatado sua bandeira de lutar para “não desistir do Brasil”, ou seja, construir um país melhor, menos emaranhado nos vícios da velha política e com os ouvidos abertos para escutar os apelos das ruas.

Marina podia – com essa costura delicada, inteligente e até elegante de Aécio para negociar seu apoio – negar sua mão? Teria sido seu próprio suicídio e teria parecido um gesto de soberba difícil de perdoar.

Marina disse que, com esse acordo, o Brasil “está vivendo uma experiência intensa dos desafios da política”. Nascida na floresta, ela tem o hábito de lembrar que os tempos de Deus não se medem com os relógios humanos, algo que costuma levar os políticos impacientes ao desespero.

A ambientalista que não renuncia a continuar lutando para poder derrubar os muros de um tipo de política que está em crise mundial não podia encontrar melhor interlocutor que o mineiro, filho de uma região e neto de um político como Tancredo Neves, para quem também o tempo acaba tendo menos pressa do que em outros lugares. Na Espanha, costuma-se dizer, sobre os galegos, que é difícil enganá-los ou surpreendê-los, já que, quando estão na metade de uma escadaria não se sabe se estão descendo ou subindo. E quando alguém lhes pergunta algo, logo replicam com um "e você, o que acha?" para ter tempo de pensar melhor a resposta. O galego pode ser tudo menos impaciente ou precipitado.

Aécio Neves soube, de forma semelhante, negociar e conquistar o apoio de Marina Silva. O resultado? Só no próximo dia 26 os eleitores aprovarão ou desconfiarão dessa novela escrita a duas mãos por dois políticos que, no fim das contas, não poderiam ser mais diferentes. E talvez seja esse o milagre. Ou talvez também a esperança de ter começado a romper velhos paradigmas políticos que pareciam petrificados para sempre.

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