As redes sociais podem deduzir a orientação sexual de seus usuários
Um estudo mostra que podem ser deduzidas até mesmo as preferências sexuais dos que não possuem conta na rede
Com as redes sociais, os dados pessoais deixaram de ser pessoais. Ainda que um usuário não queira revelar informações como sua orientação sexual, suas conexões na rede permitem deduzir este aspecto. Um estudo com milhões de perfis da rede Friendster, uma veterana do gênero fundada em 2002, mostra até que podem ser conhecidas as preferências sexuais dos que nem sequer possuem conta na rede.
O Friendster foi a rede social mais popular na primeira metade da década passada, com quase 100 milhões de usuários, mas não chegou ao Brasil. Uma série de mudanças na sua interface e a concorrência do nascente Facebook acabaram com ela. Mesmo que hoje sobreviva como plataforma de jogos popular somente no sudeste asiático, a antiga Friendster é uma mina para os pesquisadores das redes sociais, já que boa parte dos perfis estão conservados na Archive.org, uma espécie de museu online da memória da internet.
Pesquisadores da Escola Técnica Federal de Zurique (ETH), dentre os quais está o espanhol David García, usaram os perfis públicos de quase 3,5 milhões de usuários do Friendster e suas mais de 11 milhões de conexões entre eles para demonstrar que, ainda que a pessoa não tenha revelado, é possível descobrir a orientação sexual da maioria dos membros de uma rede social. E não só no Friendster.
"Graças ao fato de ter acabado como rede social e os dados do Friendster terem sido abandonados no Internet Archive, aproveitamos para testar se é possível construir 'shadow profiles' [perfis fantasmas]", explica García. Se referem aos detalhes que uma rede social pode saber de um usuário ainda que este não os tenha fornecido. São quase como as bruxas, já que supostamente existem mas ninguém viu. Mas, em 2013, uma falha de configuração do Facebook revelou sua existência ao comprovar que essa empresa conseguiu os números de celular de muitos de seus usuários depois de copiá-los da agenda de outros usuários.
Durante o primeiro dia da conferência sobre redes sociais COSN'14, realizada em Dublin, García e seus colegas mostraram como é possível criar perfis fantasma não somente dos usuários de uma rede social como o Friendster (o que eles consideram serem perfis fantasma de forma parcial) mas também de seus amigos que nem sequer possuem conta na rede (perfis 100% fantasma). E o fizeram com uma das características mais íntimas e pessoais, como é o caso da orientação sexual.
Quanto mais usuários, melhor a dedução
"Para os perfis parciais, realizamos simulações ocultando parte dos usuários da rede, criando um classificador para ver se o Friendster poderia ter deduzido sua orientação sexual. Vimos que a classificação é bem melhor que um chute, e que a qualidade da estimação aumentou conforme mais usuários compartilharam sua orientação sexual", comenta García.
Se 90% dos usuários não revela em seu perfil suas preferências sexuais, o Friendster ou outra rede social poderia saber pouco delas. Mas se somente 10% as ocultam, o Friendster pode deduzir baseando-se em suas conexões e na informação que os demais publicam. Muitas redes complexas como as sociais apresentam uma propriedade denominada assortatividade, a tendência dos nodos (neste caso pessoas) em se conectar com quem têm afinidade. É a versão científica do diga-me com quem andas...
Segundo o estudo, disponível no Arxiv, nem todas as orientações sexuais podem ser deduzidas da mesma forma. Como os usuários são cada vez mais numerosos, é mais preciso deduzir as preferências dos homens e mulheres heterossexuais. Entretanto, em comparação ao total da amostra, os mais vulneráveis são os homens homossexuais.
Mas até mesmo entre as mulheres homossexuais, que eram somente 2% dos usuários da rede social a revelar sua orientação, as simulações permitiram aos pesquisados uma precisão de 60% na hora de descobrir as lésbicas que preferiram não revelar sua preferência.
Mas o mais intrigante desse trabalho é que os perfis dos usuários de uma rede social, como estão conectados entre si, também permitem deduzir os gostos sexuais de seus amigos que não estão na rede. Para comprová-lo, os pesquisadores tinham a vantagem de que no Friendster, como no Facebook, é possível saber quando um usuário se une à rede social. Desta forma puderam comprovar o grau de acerto de suas deduções.
"O que fizemos foi voltar atrás na história do Friendster, parando em certos momentos, e avaliando se o Friendster era capaz de deduzir a orientação sexual de pessoas que não eram usuários naquele momento, mas que estavam conectadas com alguém dentro", explica o especialista em redes sociais da ETH.
"Imagine um homem homossexual sem conta em uma rede social, mas que tem 10 amigos dentro com sua conta de e-mail na lista de contatos. Imaginemos que 9 desses 10 amigos são também homens homossexuais. A rede social pode explorar o padrão de assortatividade entre homens homossexuais e deduzir que esse e-mail e esse número de telefone pertencem a um homem homossexual", argumenta García.
A privacidade deixou de ser uma decisão individual para se tornar coletiva
Perguntado se seus resultados poderiam ser replicados em outra rede social que continue viva, como o Facebook, García relembra: "O projeto é praticamente igual, as amizades também são bidirecionais e a forma de interagir é muito parecida, como murais e fotos. De fato, o Facebook hoje em dia tem muito mais ligações entre amigos, e muito mais informação pessoal que o Friendster em sua época". E acrescenta: "Qualquer rede social suficientemente grande que recolha dados de fora pode construir esses perfis fantasma".
Ainda que a orientação sexual seja um dado sensível, não é o único que uma rede social pode descobrir de um usuário mesmo que este os mantenha ocultos.
De fato, García e seus colegas já estão trabalhando em uma pesquisa para descobrir dados como o estado civil ou a idade. Em teoria, a afiliação política ou a crença religiosa também não escapam.
Para García, o mais importante de seu trabalho é que demonstraram de forma empírica que a privacidade deixou de ser uma decisão individual para converter-se em um fenômeno coletivo. O pesquisador assegura que "a decisão de cada indivíduo já não é o suficiente para evitar a intrusão na privacidade".
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