Crise hídrica no Estado de São Paulo: “Resta água para apenas 38 dias”
Segundo especialista da ONG TNC, é preciso fazer um esforço como o do combate à inflação, e “perguntar ao Governo por que ele não toma outras medidas” para sanar a crise no abastecimento
“É muito crítico” o estado em que as reservas do Sistema Cantareira se encontram, segundo o especialista em água da ONG internacional The Nature Conservancy (TNC), Samuel Barreto. “Se nada for feito, restam menos de 40 dias; diria 38 dias” de abastecimento de água para São Paulo e região.
O Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de 14 milhões de pessoas da grande São Paulo e de 62 cidades do interior, opera, neste momento, com 7,4% de sua capacidade total. É o menor índice da história. Mais baixo até do que em 15 de maio deste ano, quando o Cantareira operava com 8,2% de suas capacidades e o chamado ‘volume morto’ passou a ser captado.
Na época, além do acesso ao volume morto, o Governo do Estado passou a dar descontos na conta de água para quem economizasse. Mas esse bônus não foi o suficiente para sanar o problema. “Precisamos fazer um esforço como o que é feito no combate à inflação”, diz Barreto. Ainda dá pra economizar muito mais. Mas só o processo voluntário não é o suficiente. É preciso perguntar ao Governo por que ele não toma outras medidas”, diz.
Hoje, um segundo volume morto ainda pode ser acessado. Mas essa segunda alternativa não representa, necessariamente, a salvação. “Esse segundo volume morto representaria 90 bilhões de metros cúbicos de água a mais. Mas o ponto é discutir as regras para operar esse volume”, diz Barreto, que explica que, usando essa alternativa e se a estiagem permanecer, no ano que vem não haverá reserva alguma para socorrer a crise do abastecimento. “Acessando esse segundo andar do volume morto, você torna mais vulnerável o sistema para o ano que vem”, diz.
Segundo Barreto, a obra para explorar essa nova reserva já foi autorizada, mas o acesso a ela ainda não foi permitido. E um dos órgãos responsáveis por autorizar esse acesso é a Agência Nacional de Água (ANA), órgão controlado pelo Governo federal e que, na sexta-feira passada, anunciou a sua saída do Grupo de Técnico de Assessoramento para a Gestão do Sistema Cantareira (GTAG), por discordar da postura da Secretaria Estadual de Recursos Hídricos sobre os limites adotados para a captação de água e abastecimento. Criado em fevereiro deste ano, o Grupo tinha como função assessorar a administração do armazenamento de água do Cantareira.
Nesta semana, a TNC enviou um comunicado à imprensa pedindo o retorno da ANA ao Grupo. “A TNC vê com extrema preocupação o anúncio publicado pela ANA sobre a sua retirada do Gtac. Apelamos para o retorno imediato da ANA o Grupo”, dizia a nota. “A ANA tem um papel muito importante na definição das regras operativas, inclusive no Cantareira”, diz Samuel Barreto.
“Para voltarmos ao GTAG, só com o secretário [Mauro Arce, da Secretaria de Recursos Hídricos] assumindo os compromissos ou esclarecendo publicamente porque não tem condições de cumpri-los”, disse o presidente da ANA, Vicente Andreu.
Embora o governo não assuma, há meses diversos bairros da capital e cidades inteiras do interior estão vivendo na pele um racionamento silencioso de água: não há informe oficial, apenas as torneiras secas durante horas – e às vezes dias – a fio.
Nessa semana, pela primeira vez, o secretário de Recursos Hídricos de São Paulo, Mario Arce, admitiu: “Não estamos escondendo nada de ninguém. Não preciso decretar que está tendo um racionamento, tá na cara que existe um problema”, disse, na terça-feira, em um evento no Parque Ibirapuera. Nesta quinta-feira, Arce voltou a falar e disse que a água do primeiro volume morto duraria até o dia 21 de novembro.
Enquanto se discute se temos 38 ou 57 dias, a Câmara dos Vereadores de São Paulo convocou, pela segunda vez, a presidenta do órgão, Dilma Pena, para depor na CPI da Sabesp, criada em agosto. A segunda convocação a qual ela se fez ausente ocorreu nesta quarta-feira, quando Pena enviou um atestado médico para justificar a ausência.
São Paulo não tem um período de chuva acima da média desde o ano passado. À estiagem se junta a falta de uma atitude mais enérgica por parte do Governo do Estado. Em 2001, o Brasil viveu algo parecido, mas com a energia elétrica. A falta de investimentos na geração e distribuição de energia, aliada à ausência de chuva – quase toda a energia do Brasil é produzida por usinas hidrelétricas – fez com que a população sofresse uma sequência de pequenos apagões energéticos, que culminou em um esforço nacional - e obrigatório – de racionamento de energia. O último ano do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) acabou marcado negativamente pela “crise do apagão”.
Segundo Barreto, para que a crise hídrica começasse a ser resolvida seria preciso que um esforço como o que aconteceu, involuntariamente, em 2001, ocorresse novamente. “É preciso estabelecer uma meta de redução e ir além do ato voluntário”.
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