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Obama se inspira no Iêmen e na Somália em sua ofensiva contra o Estado Islâmico

Ataques no Iraque e na Síria evidenciam que a intensidade e o ambiente são muito diferentes

Caças dos EUA sobrevoam o Iraque depois de atacar a Síria.
Caças dos EUA sobrevoam o Iraque depois de atacar a Síria.Matthew Bruch (AP)

As referências não são o Afeganistão e o Iraque, e sim a Somália e o Iêmen. Em sua tentativa de apagar o estigma das guerras longas, custosas e sem vitória promovidas por seu antecessor, George W. Bush, o presidente Barack Obama equiparou a ofensiva militar contra o grupo jihadista Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria às operações antiterroristas efetuadas pelos Estados Unidos nos últimos anos no golfo de Áden. Os limites parecem claros: os EUA atacam pelo ar, mas são as forças locais que lutam no terreno. “Essa estratégia de eliminar terroristas que nos ameaçam, enquanto apoiamos parceiros na linha de frente, já foi levada a cabo por nós com sucesso no Iêmen e na Somália”, afirmou Obama em meados de setembro, ao anunciar que os bombardeios contra o EI se estenderiam ao conjunto do Iraque e a Síria. Uma tese que sua Administração repete desde então.

Entretanto, o início dos ataques aéreos na Síria, na madrugada de terça-feira, e o primeiro mês e meio de bombardeios no Iraque revelam que, exceto por esses princípios básicos, a comparação não se sustenta. O número e frequência de incursões nesses dois países diferem muito das esporádicas e limitadas ações efetuadas pelos EUA no Iêmen e Somália. Além disso, o tabuleiro geopolítico é muito mais complexo: Iraque e Síria estão no epicentro do labirinto do Oriente Médio, onde numerosos interesses e receios se entrecruzam. E, apesar de os ataques terem reduzido as capacidades das filiais da Al Qaeda no Iêmen e na Somália, não as eliminaram por completo, como Washington diz pretender em relação ao EI.

Desde 2001, os EUA efetuaram 20 ataques aéreos na Somália e 114 no Iêmen. Em apenas um mês e meio no Iraque, foram mais de 200 bombardeios; e em dois dias na Síria, cerca de 30

Christopher Swift, professor de Segurança Nacional na Universidade Georgetown, em Washington, argumenta que a comparação feita por Obama é ruim, mas diz entender o que motivou o presidente a fazê-la. “Era para salientar que ataques aéreos e inteligência serão as armas principais da campanha dos EUA”, afirma por telefone esse especialista, que viveu vários anos no Iêmen.

Swift considera significativo que nem o presidente nem sua equipe citem o Paquistão como exemplo. Lá, os EUA efetuaram muitos mais bombardeios – com aviões teleguiados –do que na Somália e no Iêmen, mas os realizam sem uma autorização clara do Governo nacional e atraem numerosas críticas pelas mortes de civis. No Iraque, os ataques foram solicitados por Bagdá, mas, no caso da Síria, estão acontecendo sem a permissão do regime de Damasco. Lá, ao contrário do Iraque, os EUA não contam com a presença de assessores militares nem com aliados locais. Washington nega ter coordenado seus ataques com as forças de Bashar al Assad e continua apoiando sua saída do poder como solução para os três anos de sangrenta guerra civil na Síria. No entanto, Obama e Assad compartilham um inimigo comum, o EI.

Para Ken Menkhaus, professor de Ciência Política na Universidade Davidson, na Carolina do Norte, e especialista em Somália, trata-se de uma “comparação parcialmente acertada”. Por um lado, ele acredita que faz sentido que a Casa Branca procure repetir a tática de atacar oportunamente alvos terroristas. Do outro, adverte que o “preocupante” na experiência somali é que se trata de uma crise “longa e contínua”, e que o grupo Al Shabab ficou debilitado pelos bombardeios norte-americanos, mas se mantém operacional e como uma ameaça importante.

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No começo de setembro, um ataque dos EUA na Somália acabou com a vida do líder da Al Shabab, Ahmed Godane, um dos oito terroristas internacionais mais procurados por Washington, que qualificou sua morte como uma “grande perda simbólica e operacional” para a milícia islâmica. Em 2008, outro ataque norte-americano já tinha matado seu antecessor. O professor Menkhaus assegura que na época, quando Godane assumiu a liderança, a Al Shabab manteve sua força, o que gera dúvidas sobre a eficácia “em longo prazo” desses assassinatos seletivos. Mas agora, acrescenta, o efeito poderia ser maior, dado que Godane não havia deixado uma linha sucessória clara.

Os EUA começaram a realizar operações antiterroristas na Somália depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, mas só em 2011 – no terceiro ano do governo Obama – se intensificaram os ataques com aviões de combate convencionais ou não tripulados. O mesmo aconteceu no Iêmen. Por se tratar em alguns casos de operações clandestinas, não há cifras oficiais públicas do número de bombardeios. Várias organizações os contabilizam a partir de informações jornalísticas e colhidas in loco. De 2001 a 2014, os EUA efetuaram entre 14 e 20 ataques aéreos na Somália, segundo a contagem do Birô de Jornalismo Investigativo. No Iêmen, no mesmo período, houve 114 bombardeios, de acordo com a Fundação Nova América.

A discrepância com a ofensiva contra o Estado Islâmico é maiúscula. Em apenas um mês e meio desde o seu início, em 8 de agosto, os EUA levaram a cabo mais de 200 ataques contra posições do EI no Iraque. Na Síria, só nos dois primeiros dias de bombardeios, foram cerca de 30. As cifras não diferem unicamente das do Iêmen e da Somália: no Paquistão, em todo o ano de 2010 – auge dos ataques com drones – houve menos de 120 operações. A estratégia contra o EI parece ficar no meio-termo: diferentemente do Afeganistão e do Iraque na década passada, os EUA desta vez não têm tropas de combate no Iraque e na Síria, mas seus bombardeios não são seletivos e cirúrgicos como no Iêmen e Somália; assemelham-se mais a uma autêntica guerra aérea.

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