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Indignação marca o velório do ambulante morto por um policial em São Paulo

Familiares e vendedores que trabalhavam com Carlos Augusto Braga na rua 12 de Outubro criticam a atuação da polícia e pedem o fim da "perseguição" aos camelôs

O ambulante Carlos Augusto Braga, que morreu em confronto com a polícia
O ambulante Carlos Augusto Braga, que morreu em confronto com a polícia

Luzes florescentes, cadeiras de plástico e paredes de azulejo branco conformam o ambiente que vai receber nas próximas horas o caixão de Carlos Augusto Braga, vendedor ambulante e pai de família de 30 anos. Os familiares e aproximadamente 20 camelôs estão presentes no velório para se despedir dele, que morreu baleado nesta quinta-feira após um confronto com a polícia no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo.

O ambiente, além de simples, é de indignação. Edinaldo, amigo de Carlos Augusto que também comercializa mercadorias na rua 12 de Outubro, confessa que dói ver o amigo, "um cara inocente", no caixão. "Ele era muito especial com todo mundo. Brincalhão, risonho, não gostava de confusão. É incrível tirar a vida de um pai de família que estava trabalhando. Nem bandido recebe o tratamento que nós recebemos", desabafa.

Edinaldo, chamado pelos colegas de Magrão, acredita que o policial responsável pelo disparo que matou Carlos Augusto, não terá, "nem de longe", o mesmo destino do amigo. "Ele está preso hoje, mas amanhã vai estar trabalhando em algum outro lugar. Nossos governantes não fazem nada pela justiça."

Mas nem mesmo a indignação, para Claudiane, esposa de Carlos Augusto e mãe de seus quatro filhos, é neste momento algo palpável. Falando em voz alta com os presentes, ela conta que "as crianças ainda perguntam quando o pai vai voltar" e diz aos companheiros que "peçam para Deus que nos dê força". "Eu achava que eu era tão forte... Mas não sou", disse ela, que também é vendedora ambulante.

Edinaldo, amigo e companheiro de trabalho de Carlos Augusto.
Edinaldo, amigo e companheiro de trabalho de Carlos Augusto.M. Martín

Para chegar ao local do velório, em Guarulhos, um microônibus partiu abarrotado do lugar onde morreu nesta quinta-feira Carlos Augusto Braga. Cerca de 20 colegas gritavam "justiça" pelas janelas enquanto os comerciantes da rua 12 de Outubro aplaudiam em sinal de apoio. Dezenas de policias controlavam a rua. Os amigos de Braga e outros tantos que se organizaram em carros querem se despedir do jovem no aeroporto de Guarulhos, de onde o corpo vai partir esta madrugada para ser enterrado no estado do Piauí, sua terra natal. Claudiane está impedida de acompanhar o corpo do marido, porque perdeu o RG.

Ana Maria Pontes Teixera, de 50 anos, liderava o microônibus. Pediu silêncio e lembrou que estavam a caminho de um velório e não de um festival. Dona Ana se queixou que há mais de quatro anos - desde que a gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab estabeleceu a Operação Delegada, na qual os policiais militares prestam serviço à prefeitura – os camelôs sofrem perseguição. "Todos os ambulantes já tiveram problemas com a polícia. Eu, particularmente, venho dizendo há muito tempo que ia acontecer uma tragédia. Não são todos, mas falamos de muitos policiais agressivos e despreparados para este trabalho. Nós não somos bandidos, somos trabalhadores. E trabalhamos muito".

Ambulantes, companheiros de Braga, a caminho do aeroporto de Guarulhos para prestar homenagem ao camelô.
Ambulantes, companheiros de Braga, a caminho do aeroporto de Guarulhos para prestar homenagem ao camelô.M. Martín

Braga já tinha tido várias discussões com a polícia, afirmam seus colegas. “Ele tentava sempre evitar ser foco da fiscalização para não ter mais problema”, relatam os amigos. “Meu parceiro não morreu por pirataria. Ele vendia DVD, sim, mas porque muito por cima dele tem alguém ganhando dinheiro com isso. A culpa é dos nossos governantes que só pegam o pequeno, nós que há dias voltamos para casa com 20 reais”, reclama Dona Ana. Agora, os camelôs exigem uma reparação. "Queremos que a mulher dele receba uma indenização do Estado, porque ela não vai conseguir manter a família sozinha. E exigimos o fim da Operação Delegada, que só trouxe perseguição e humilhação aos vendedores."

A versão policial desmentida em imagens

O confronto entre policiais militares e Braga chocou não só pela violência do ato, mas pelas versões desencontradas da polícia. Enquanto as pessoas que presenciaram a cena afirmavam ao EL PAÍS que o disparo do policial havia sido gratuito, quando Braga tentava liberar um colega detido pelos policiais, a Polícia Militar afirmava que o policial teria sido ferido e que havia acertado o ambulante com um tiro acidental. Dulcinéia Lopes de Oliveira, major da PM, chegou a dizer a jornalistas que parte do colete de um dos policiais teria sido arrancado pelos ambulantes, enquanto um outro agente havia sido encurralado. Na confusão, o desenrolar teria sido um lamentável acidente.

A polícia só mudou sua versão depois das imagens divulgadas em vídeo obtido pela rede Record de televisão, com as cruas cenas gravadas em celular por um dos presentes. Nele, é possível ver que o policial já estava com a arma na mão antes da confusão, ao imobilizar um outro ambulante, que usa camiseta preta, e quando Braga tentar pegar o spray de pimenta dele, atira em direção ao seu rosto.

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As pessoas que presenciaram o acontecido também compartilharam outros vídeos do acontecimento. Um outro vídeo mostra o que acontece momentos antes do disparo, quando os três policiais cercam o ambulante vestido de preto o imobilizam, e acaba quando o policial dá o tiro. São diversos registros do crime, o que obrigou a polícia a rever seu posicionamento inicial.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que, após a análise das imagens, o autor do disparo foi preso e encaminhado par ao Presídio Militar Romão Gomes, autuado em flagrante por homicídio doloso (com intenção de matar), ainda na noite de quinta-feira.

Em entrevista à rádio Estadão, o Comandante Geral da Polícia Militar, o coronel Benedito Roberto Meira, admitiu que o policial agiu de forma precipitada e que ele responderá pelo crime cometido. Segundo ele, as primeiras imagens recebidas pela polícia haviam sido feitas por uma loja da região, e não era possível determinar com precisão o que acontecera e deixavam “certa dúvida sobre a ação do policial”. Questionado sobre o procedimento da instituição, Meira disse discordar que fosse um despreparo da PM de São Paulo, mas sim do policial que disparou, que “cometeu um erro”.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirma que o caso está sendo apurado pela Corregedoria da Polícia Militar e pela Polícia Civil, e que a Secretaria não compactua com desvio de conduta de policiais.

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