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Obama se inspira em Bush pai

A coalizão internacional para derrotar os jihadistas repete a que George H.W. Bush construiu em 1991 contra Saddam Hussein

Marc Bassets
Obama, no seu discurso na quarta-feira em Washington.
Obama, no seu discurso na quarta-feira em Washington.AFP

Tudo no discurso à nação proferido na quarta-feira por Barack Obama – o tom, a retórica, a estratégia – evocava George Bush. Bush pai, bem entendido. O presidente dos EUA anunciou uma escalada na intervenção dos Estados Unidos no Oriente Médio para combater os jihadistas sunitas do Estado Islâmico (EI). Os avanços jihadistas obrigaram a maior potência mundial, reticente em se implicar em novas guerras depois do fiasco do Iraque, a retornar à região.

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O zunzunzum bélico – nas colunas de imprensa e nas mesas-redondas televisivas, nos think tanks, no Capitólio – voltou a soar em Washington depois da execução pública de dois jornalistas norte-americanos. Obama, que acreditava ter encerrado mais de uma década de conflitos armados, corre o risco de acabar seu mandato, em 2017, com o país em guerra e o terrorismo islâmico, que muitos acreditavam estar derrotado, mais forte que nunca desde 2001.

Como retornar ao Oriente Médio sem se parecer com George W. Bush? A resposta: inspirando-se em seu pai, George H. W. Bush. O primeiro foi presidente entre 2001 e 2009. O segundo, entre 1989 e 1993.

O Estado Islâmico no Oriente Médio e Vladimir Putin na Ucrânia obrigam a reconsiderar o recuo estratégico

Bush filho, que ordenou a invasão do Iraque em 2003, agiu unilateralmente no Oriente Médio. Em 1991, Bush pai liderou uma das maiores coalizões da história para expulsar do Kuwait o Iraque de Saddam Hussein.

O filho, nos anos posteriores aos atentados de 11 de setembro de 2001, guiava-se por seus instintos, dividia o mundo entre amigos e inimigos e via poucos limites à capacidade das Forças Armadas de seu país para transformar o mundo. O pai punha freio ao poder dos EUA e calculava os riscos de suas ações – até demais, segundo seus críticos, pois deixou Saddam escapar com vida. Na Guerra do Golfo morreram 148 norte-americanos em combate; no Iraque, depois da invasão de seu filho, morreram mais de 4.000.

Bush filho se cercou de neoconservadores que se valiam da tradição idealista na política externa norte-americana: os EUA deveriam usar a força para expandir a democracia e os direitos humanos. Bush pai era refratário a aventuras e viciado na realpolitik, a escola do realismo: os EUA deveriam velar por seus interesses e participar do jogo de equilíbrio entre as potências.

Era possível ouvir Bush pai nas palavras de Obama na quarta-feira. Foi assim quando disse, por exemplo, que “a América liderará uma ampla coalizão para reverter essa ameaça terrorista”. Ou quando louvou a operação no Iraque e Síria como algo que representa “o melhor da liderança norte-americana”. “Defendemos pessoas que lutam por sua liberdade e somamos outras nações em favor de nossa segurança e nossa humanidade comum”, afirmou.

As palavras-chave aqui são “liderar” e “coalizão”. Como Bush pai em 1991, Obama procura aliados – árabes e europeus – para ir à guerra. Como então, os EUA comandam a coalizão. As guerras não têm nenhum paralelo – na época, os EUA mobilizaram mais de 700.000 militares; agora o número mal supera 1.000 –, mas se parecem em termos de estilo e método.

O discurso serve tanto para explicar o que os EUA farão perante a ameaça jihadista como que não farão. Não haverá tropas em combate, como em 2003 ou em 1991. A intervenção não será unilateral. Não será o Iraque nem o Afeganistão, disse Obama, pois parecerá mais com as intervenções aéreas que os EUA realizam há anos no Iêmen e na Somália, com pouco escrutínio público e sem o dramatismo midiático e diplomático que cerca a intervenção no Iraque e na Síria.

De fato não é Bush filho, mas tampouco é por pureza que Obama afirma que não existem soluções militares, que os EUA devem se dedicar a resolver seus problemas em casa, e não na cada dos outros, e o que a prioridade é mesmo a Ásia e não o Oriente Médio ou a Europa. O Estado Islâmico no Oriente Médio e Vladimir Putin na Ucrânia obrigam a reconsiderar esse recuo estratégico. E a “liderança na retaguarda” – termo cunhado por um assessor da Obama para descrever o papel secundário dos EUA na guerra da Líbia, em 2011 – fica enterrado. Agora, liderará na frente.

Não é certeza que funcionará. Resta ver se Obama construirá uma coalizão efetiva. Se, dado o histórico recente das intervenções armadas dos EUA, a estratégia conseguirá derrotar o EI.

A sombra do Bush filho o persegue. Suas guerras – Iraque e Afeganistão – continuam sendo as guerras de Obama e, sem um calendário claro, é possível que se prolonguem indefinidamente e que seu sucessor as herde. O terrorismo islâmico, principal preocupação de George W. Bush, é também a de Barack Obama e, possivelmente, será a do seu sucessor.

A resposta de Obama parece ser: sim, volto ao Oriente Médio, mas não sou Bush filho, sou mais Bush pai. Evocar as ideias de Bush pai permite que Obama faça uma síntese entre sua tendência à cautela e o cansaço dos cidadãos com guerras sem vitória, junto com a exigência – dentro e fora de EUA – de que os Estados Unidos sejam um país mais presente no mundo.

Que Obama admira o patriarca Bush e o assessor de segurança nacional dele, general Brent Scowcroft, é algo sabido. David Remnick, diretor da revista The New Yorker explicou isso numa reportagem há algumas semanas. E a recíproca é verdadeira.

Em dezembro passado, numa conversa em seu escritório na praça Farragut, no centro de Washington, Scowcroft – que, como os Bush, é republicano – não teve pudores em elogiar o democrata Obama. Ao citar suas relações com os Bush, o velho general, que foi crítico da invasão do Iraque, respondeu: “Bush pai é um dos meus amigos mais queridos. Com o filho não tenho muita relação”.

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