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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

A gata borralheira das eleições

A política externa do Brasil está em segundo plano na campanha. Os candidatos não dizem onde querem o país no mapa mundial

Juan Arias

Em meio ao alarido de propostas, propagandas e até evidentes mentiras esgrimidas nesta campanha eleitoral complexa e com possível surpresa final, existe uma gata borralheira que os candidatos à presidência escondem por medo ou por vergonha: a política externa do Brasil. Nenhum deles nos diz com clareza, e muito menos com ênfase ou paixão, onde desejam colocar o país no mapa mundial se chegarem ao Planalto. E se dizem fica bem escondido nos calhamaços de papéis dos programas que ninguém lê.

Pode haver só dois motivos para esse silêncio ou para essa escamoteação voluntária que leva os candidatos a menosprezarem um tema crucial nas democracias mais desenvolvidas. Possivelmente eles acham que se trata de um assunto que não dá votos, que as pessoas nem entendem nem lhes interessa muito, ou fogem dele por medo de se comprometerem. Se for assim, se equivocam gravemente.

Essa gata borralheira deveria ser uma das rainhas do interesse da sociedade brasileira. Primeiro por tradição. Poucos países da América Latina brilharam tanto no passado em sua política externa como o Brasil. A diplomacia do Itamaraty sempre foi vista, dentro e fora do país, como uma das mais prestigiosas e independentes da América Latina e possivelmente além. Uma diplomacia conhecida e admirada por ter feito política de Estado, e não de partido.

Ultimamente, entretanto, aquele brilho da diplomacia brasileira havia começado a se apagar, embora fosse objeto de um paradoxo. Enquanto o ex-presidente Lula da Silva foi o melhor embaixador no exterior, capaz de vender com brilhantismo um país que estaria em pleno desenvolvimento econômico e com vontade de intervir como protagonista na geopolítica mundial, a política do Itamaraty, pouco a pouco, foi se apequenando.

Um certo provincianismo impediu que o Brasil se conectasse às grandes potências, dos Estados Unidos à União Europeia, para se interessar mais por países que contradizem a tradição brasileira de defesa dos direitos humanos e das liberdades civis.

A acusação feita ao Brasil de privilegiar em suas relações diplomáticas países de credenciais democráticas no mínimo discutíveis foi algo que impregnou inclusive as camadas menos escolarizadas do país. Hoje existe, por exemplo, um consenso de que o Brasil está mais perto, dentro do continente, dos chamados governos “populistas”, como Venezuela, Cuba, Bolívia e até a Argentina, do que, por exemplo, de Colômbia, Chile, México e Peru.

O Brasil sempre teve uma política externa fundada, como bem afirma o ex-embaixador Rubens Barbosa, em quatro pilares sólidos: rechaço às tiranias, da matiz que fossem; solidariedade internacional em defesa da democracia, onde quer que ela fosse pisoteada; respeito aos direitos humanos; e defesa do meio ambiente – este, um quesito em que o mundo exige mais do Brasil do que de outros países, por ser depositário das maiores reserva naturais da Terra, entre elas nada desprezíveis 23% da água potável do planeta.

E a luta pela água, motivo, segundo os especialistas, de possíveis futuros conflitos, inclusive bélicos, exigirá a máxima habilidade diplomática dos Estados. Seria importante, insistem muitos analistas políticos, que os brasileiros, antes de irem às urnas, pudessem conhecer com segurança e clareza, sem escamoteações, onde os candidatos pensam em colocar o Brasil no cenário mundial. Com quais países deseja dialogar e colaborar mais do que com outros.

Deveriam saber se o Brasil deseja continuar apadrinhando direta ou indiretamente países de duvidosa vocação democrática, por mais irmãos que possam parecer no mapa, ou se preferem dialogar com aqueles outros que apostaram na paz, no diálogo e nos valores da civilização. Em todos os governos das grandes democracias existem dois ministérios fundamentais: o de Economia e o de Relações Exteriores, que além do mais se cruzam em muitos de seus interesses, já que a própria política econômica depende não pouco das relações que se estabelecem com alguns países e não com outros.

Nos últimos dias, os candidatos presidenciais se esforçam por divulgar seus futuros ministros da área econômica. Alguns até revelaram ou insinuaram nomes. Quem, no entanto, se preocupou em fazer conhecer seus possíveis aspirantes ao Itamaraty?

E, entretanto, os mercados e os empresários, assim como os simples cidadãos, se interessam, mais do que os políticos imaginam, em saberem também quem será nosso interlocutor perante o mundo. Se será uma personalidade independente, com respeitabilidade internacional, ou um burocrata do partido do governo.

O Brasil sonha há anos com um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e em ser o moderador da política no continente ao qual pertence. Transformar a política externa em gata borralheira, relegá-la aos temas que supostamente “não dão voto”, poderia ser um erro pelo qual o país poderia pagar muito caro.

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