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crise de governo na frança

Holland e Valls formam um Governo com ministros partidários a suas reformas

O golpe de autoridade levanta dúvidas sobre o risco de perder o apoio para as reformas

Carlos Yárnoz
Hollande e Macron, em uma foto de março.
Hollande e Macron, em uma foto de março.A. J. (AFP)

O novo Governo da França, definido de comum acordo pelo presidente François Hollande e o primeiro-ministro Manuel Valls, não tem em suas fileiras nenhum ministro crítico das profundas reformas postas em andamento por ambos os dirigentes. Essa purificação era o principal objetivo de Hollande e Valls quando na segunda-feira desencadearam o terremoto da rentrée política na França. O golpe de autoridade da dupla dirigente faz prever, no entanto, o agravamento da divisão no seio do Partido Socialista Francês e levanta sérias dúvidas sobre o risco de perder o apoio parlamentar necessário para essas reformas. A nomeação do ex-banqueiro Emmanuel Macron para a condução da pasta da Economia foi muito mal recebida pelos socialistas críticos.

A crise de governo resultou em muito poucas alterações. Somente três saídas e uma mudança de pasta. Valls se limitou a substituir os três ministros críticos das reformas (Arnaud Montebourg, até agora à frente da Economia, Benoît Hamon, da Educação, e Aurélie Filippetti, da Cultura) e a promover ao Ministério da Educação Najat Vallaud-Belkacem, que até esta terça-feira estava na pasta de Direitos da Mulher. Com apenas 36 anos, Vallaud-Belkacem se transforma na primeira mulher na história da França a comandar a Educação.

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A alteração mais significativa, e mais inesperada, é a nomeação de Emmanuel Macron como titular da Economia. Tem 36 anos e foi conselheiro de Economia de Hollande até junho. É considerado brilhante e um incentivador da política econômica de Hollande. No últimos anos participou das negociações da França com a UE. Ex-sócio do banco Rothschild, é chamado precisamente de “o banqueiro que veio do Rothschild”. Com sua incorporação, Hollande e Valls garantem uma boa sintonia com Bruxelas, pondo fim aos constantes desencontros protagonizados até agora por Montebourg.

Macron e Michel Sapin, que se mantém à frente de Finanças, são partidários do ortodoxo rigor orçamentário que a UE exige. Ao contrário dos insistentes rumores ao longo do dia, Sapin não assumirá as duas pastas –Economia e Finanças. A incorporação de Macron, que não é filiado ao governista PS, foi de imediato saudada pelo empresariado francês. Para os socialistas contrários às reformas, sua nomeação é “uma provocação”, como disse Laurent Baumel, deputado socialista que nestes dias atua como porta-voz dos rebeldes.

Montebourg e Hamon, agora ex-ministros, eram a ponta de lança do setor crítico do Governo, opondo-se às duras reformas de Hollande e Valls. Filipetti também tinha demonstrado divergências, embora não publicamente, como também Christiane Taubira, titular da Justiça, que continuará em seu cargo.

Com essas mudanças mínimas, Valls seguiu ao pé da letra a petição de Hollande de formar um Governo “coerente e solidário”. Ou seja, sem fissuras na hora de pôr em andamento as reformas, que preveem um corte de gastos públicos de 50 bilhões de euros (150 bilhões de reais) em três anos e vantagens fiscais e de contribuições sociais de 41 bilhões de euros para as empresas.

Considerando o ajuste mínimo, pelo menos numérico, durante as gestões para formar o Governo, acabaram sendo mais notícia a rejeição a Valls do que os novos ministros. Com a intenção de ampliar seu apoio parlamentar social, Valls propôs a incorporação de várias figuras da esquerda e dirigentes ambientalistas, mas muitos rejeitaram o convite. É o caso do ex-ministro François Lamy, próximo da dirigente do PS Martine Aubry, considerada muito ligada aos rebeldes; Jean-Michel Baylet, dirigente do Partido Radical de Esquerda; Jean-Vicent Placé, líder do grupo dos ecologistas no Senado; e Robert Hue, histórico líder do Partido Comunista entre 1994 e 2003 e hoje no Movimento Unitário Progressista.

Com o passo dado nesta terça-feira, o primeiro-ministro elimina toda a resistência no Governo a prosseguir com reformas muito ambiciosas, sem precedentes na França, mas que já provocaram esse terremoto político quando ainda nem estão sendo postas em prática. Até o momento, somente foram aprovados em julho os três primeiros projetos legais reformistas em meio a protestos e à abstenção de quarenta deputados socialistas rebeldes que agora lamentam a saída do Governo de ministros que consideravam mais próximos de suas teses,da ala esquerda socialista.

Os socialistas contam agora com 290 das 577 cadeiras da Assembleia Nacional. Ou seja, somente uma além da maioria absoluta. Com a crise surgida agora o número de rebeldes pode crescer e ameaçar a estabilidade parlamentar do Executivo.

Nem Valls nem Bruno Le Roux, líder do grupo socialista na Assembleia, temem perder a maioria parlamentar. “O presidente e o primeiro-ministro ainda contam com maioria. Às vezes, complicada, e terá que buscá-la em alguns casos, mas há uma margem entre não querer apoiar todas as propostas e desejar acabar com a maioria”, opina Le Roux, em uma clara mensagem a Valls para que negocie com os rebeldes as reformas mais polêmicas.

É o que pede o rebelde Laurent Baumel: “Há um debate na esquerda, haverá um debate no Parlamento e haverá no Partido Socialista”.

Acima das divergências internas, Hollande e Valls decidiram levar as reformas adiante porque entendem que a crise econômica francesa requer uma reviravolta contundente, acima de ideologias. Isso explicou Valls na entrevista a EL PAÍS no final do mês passado: “Há um debate. É normal. Mas o debate não pode frear as reformas. Nossas opções econômicas estão adaptadas à situação atual. Para os franceses não interessa saber se é um programa de esquerda ou de direita. Querem pragmatismo. A esquerda pode morrer se não se reinventa, se renuncia ao progresso.”

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