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“Nossos vizinhos árabes se uniram ao Estado Islâmico”

A ofensiva jihadista reaviva as tensões entre curdos e árabes no Iraque

Ángeles Espinosa (ENVIADA ESPECIAL)
Uma rua de Makhmur, na última quinta.
Uma rua de Makhmur, na última quinta.Edu Marín (EFE)

Makhmur é um povoado fantasma. O calor do meio-dia faz pensar que seus habitantes estão fazendo a sesta. Mas não somente as portas estão fechadas, como não existem carros nas ruas, nem se ouvem as crianças. Ainda que há uma semana as forças curdas (peshmergas) recuperaram a localidade das mãos do Estado Islâmico (EI), a maioria de seus habitantes não se atreveu a regressar.

O atual conflito reavivou as tensões entre curdos e árabes iraquianos, e os jihadistas ainda estão a vinte quilômetros de distância.

“Como vou trazer minha família nestas condições?”, pergunta Ismail Husein, mostrando o buraco causado por um morteiro no teto do segundo andar de sua casa, uma modesta construção de paredes e chão de concreto.

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Nem Husein nem sua família estavam ali quando o projétil caiu. Como o resto dos 13.000 habitantes da comarca, escaparam na noite do dia 6 de agosto diante da proximidade dos milicianos do EI. “Quando ouvimos os bombardeios, fomos para Erbil, para a casa de minha irmã”, explica esse aposentado que voltou para verificar a situação.

A capital da região autônoma do Curdistão se encontra a 54 quilômetros ao nordeste. Daí o pânico que se abateu nos dirigentes curdos por ter os jihadistas em suas portas. Entretanto, também os peshmergas se retiraram inicialmente. Talvez isso explique que, com exceção do bazar, aonde os radicais do EI se fortificaram, apenas existam rastros de combates e predominem os impactos de artilharia.

“Nos retiramos porque no oeste existem numerosas aldeias árabes das quais desconfiamos; temíamos que nos atacassem pelas costas”, explica um combatente curdo que não se identifica, enquanto desenha no mapa da jornalista uma meia lua ao redor de Makhmur.

O ocorrido somente alimenta o receio que a população curda sente de seus vizinhos árabes. Makhmur, como outras regiões nos limites do Curdistão iraquiano, foi objeto de um processo de arabização sob a ditadura de Saddam Hussein. Muitos de seus habitantes se viram obrigados a mudar. Para complicar mais a história, durante a guerra civil curda (1994-1997), Saddam ajudou o Partido Democrático (PDK) contra a União Patriótica (UPK) e em troca, incorporou esta comarca na província vizinha de Nínive.

Até que em 2003, a Operação Liberdade para o Iraque permitiu que os curdos regressassem para suas casas, e causou a expulsão de numerosos árabes. Aos olhos destes, também converteu os curdos em colaboracionistas dos norte-americanos.

No centro de operações militares de Makhmur, um contêiner no pátio da sede local do PDK, seu responsável, Nazad Ali Fatem, assegura que não têm “nada contra os árabes” e que sua luta é “contra os terroristas”. Entretanto, para muitos de seus homens não há dúvida de que os moradores árabes simpatizam com os jihadistas e se venderam para eles.

Muitos curdos temem que os árabes formem células dormentes dentro do Curdistão após a contraofensiva para expulsar o EI. Por agora, as autoridades conseguiram conter o mal-estar. A polícia se apressou em dissolver pequenas manifestações antiárabes tanto em Erbil como em Gwer, um povoado misto a meio caminho entre a capital e Makhmur, que também foi tomado brevemente pelos radicais.

“Apoiam o EI. Pessoas que conheço e que com as quais mantinha boas relações se uniram a este grupo. São hipócritas”, assegura Tawfiq Fars, um enfermeiro que se alistou como voluntário para defender seu povo. “Não acreditam na coexistência”, intervém outro peshmerga que não dá seu nome.

Como prova, mencionam que nenhuma das 25 famílias árabes que ficaram em Makhmur foi embora quando os extremistas entraram, e entretanto já não estavam no povoado quando estes foram expulsos. A ideia de que, como em Gwer, escaparam por temer as represálias depois dos invasores terem saqueados as casas não os convence. “Um deles foi nomeado prefeito pelo EI”, diz Tawfiq.

Mais tarde, um soldado mostrou a casa do efêmero regente, a única claramente vandalizada entre todas as da rua. Quando pergunto quem havia feito isso, me responde que “as pessoas”. Mas não existem pessoas em Makhmur. Ainda não. Mesmo que ‘kaka’ Nazad, como todos chamam respeitosamente o comandante local, estime em 25% o número de retornados, à primeira vista não são tantos. Somente os peshmerga se movem com confiança pelas ruas desertas. Todos estão armados.

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