A dívida argentina: que confusão… e agora, o que acontece?
A melhor opção para a Argentina agora que declarou o default é evitar que haja uma reestruturação da dívida
Finalmente chegou o Dia D, o dinheiro não veio e houve o default. O Governo diz que pagou, já que depositou o montante dos juros do bônus Discount em juízo para cumprir o pagamento. Mas o juiz Griesa não autorizou que se complete o pagamento às contas dos detentores dos bônus.
O default abre um novo capítulo na saga da dívida argentina. Não há dúvida de que é um default sui generis, já que o Governo quer pagar os credores, e tem os fundos para fazê-lo, mas encontra obstáculos legais. Além disso, é muito diferente de 2001, já que hoje a Argentina é solvente e não existe o menor risco de uma crise financeira e macroeconômica como a que se viveu naquele tempo.
O juiz está insistindo para que as negociações continuem. As alternativas em análise são que os holdouts peçam o stay ao juiz, ou seja, que ele permita o pagamento dos bônus enquanto continuam as negociações, coisa que por hora parece difícil. A segunda alternativa é que a Argentina pague o montante da sentença e encerre o assunto, o que parece quase impossível. A terceira alternativa é que um grupo de bancos e investidores privados comprem os direitos do tribunal que tem os holdouts e consiga adiar a negociação com o governo até janeiro, quando já tiver vencido a famosa cláusula RUFO. O que é essa cláusula?
A cláusula RUFO foi colocada nos contratos das reestruturações dos bônus em 2005 e 2010. Estabelecia que se houvesse alguma oferta voluntária do governo argentino aos holdouts que fosse mais favorável do que o câmbio voluntário, os detentores que tivessem participado desses câmbios (os holdings) tinham o direito de pedir essas condições financeiras melhores. O Governo considera que qualquer pagamento ou negociação com os holdouts pode disparar a cláusula RUFO e que isso implicaria uma contingência enorme para o Estado argentino, superior a 100 bilhões de dólares. Mesmo que essa posição seja discutível, já que não seria uma oferta voluntária, o certo é que o Governo não vai mudar de ideia.
E como continua a novela? A melhor opção para a Argentina agora que o default foi declarado é evitar que haja uma reestruturação da dívida, já que levaria tempo e implicaria riscos. O ideal seria manter-se em cessação de pagamentos até janeiro, quando se abre a oportunidade de negociar com 100% dos credores sem riscos de que a cláusula RUFO seja disparada. Para que essa opção aconteça, os holdings não deveriam pedir a aceleração dos bônus (ou seja, exigir o pagamento da dívida já), uma vez que isso forçaria uma reestruturação. Em uma empresa, o equivalente à cessação de pagamentos seria que os credores não pedissem a falência.
Hoje são dados incentivos financeiros para que os detentores dos bônus Discounts e Globais 2017 não peçam a aceleração de suas posses, mas há um risco alto de que os detentores dos bônus PAR a peçam, e que isso force uma reestruturação desses bônus. O pedido de aceleração poderia ser feito logo no final de outubro e só se o cupom de juros do PAR não for pago, e ainda seria necessário que um mínimo de 25% dos detentores de uma série o peçam, uma porcentagem que no caso dos bônus PAR não deve ser difícil de conseguir.
A aceleração dos bônus não seria o fim da novela. Mesmo que a Argentina estivesse em default, poderia remediar a situação dentro dos 60 dias e não disparar necessariamente a reestruturação do resto dos bônus.
Uma nova reestruturação da dívida seria um pesadelo e certamente implica riscos. Por mais que a Argentina não tenha um problema de solvência como em 2001, é possível imaginar uma negociação muito complicada e tensa com os detentores dos bônus PAR, que poderiam se transformar nos abutres versão 2.0, que tratarão de aproveitar um novo default para obter vantagens financeiras.
Um dado curioso é que a partir desse momento o destino dos bônus reestruturados vai depender do que os holdings fizerem. Por hora, a vida dos argentinos não mudou muito e os preços dos bônus argentinos não despencaram. A principal razão dessa quase-tranquilidade é que alternativas para sair do default continuam a ser exploradas, muitas das quais poderiam ser implementadas de forma relativamente simples se for possível obter um acordo nas próximas semanas.
A aposta é a de que, no pior dos casos, haja um default express, que, se acontecer, será outra invenção argentina.
Miguel Kiguel é Diretor do Econviews e professor da Universidade Torcuato Di Tella. Twitter @kiguel
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.
Arquivado Em
- Cristina Fernández de Kirchner
- Emissão dívida pública
- Opinião
- Argentina
- Suspensão pagamentos
- Crise econômica
- Recessão econômica
- Dívida pública
- Tesoro Público
- Conjuntura econômica
- Financiamento déficit
- América do Sul
- América Latina
- Empresas
- Déficit público
- América
- Economia
- Finanças públicas
- Administração Estado
- Administração pública
- Finanças