“Há um mau humor inexplicável com o Brasil”, afirma Dilma Rousseff
Ressaltando pontos positivos e afastando os fantasmas, a presidenta defende a preparação brasileira para a Copa
A análise sobre o modus operandi para realizar a Copa do Mundo tem sido cruel para o Governo de Dilma Rousseff. Atrasos de obras, custos mais elevado que em outros países sedes, protestos populares e a falta de adesão massiva do público brasileiro ao ideal de promover o evento a orgulho nacional. Mas, a poucos dias da abertura, a presidenta mostra uma confiança singular de que há muito mais acertos do que erros ao longo do caminho de execução do Mundial, e de que a população no Brasil se rende naturalmente aos encantos do jogo.
Haveria, também, mal-entendidos, explorados pelos seus adversários políticos, como a história de que a FIFA queria anteriormente oito cidades sedes, e o Governo do ex-presidente Lula teria oferecido 16. "Nós jantamos ontem [segunda-feira, dia 2], e Lula me lembrou que ele não queria todas essas cidades, e discordava, por exemplo, de realizar jogos numa das cidades que não têm tradição em futebol", comentou a mandatária, sem citar o nome da capital em questão. Sabe-se, porém, que Manaus não tem tradição futebolística, e portanto é uma das sedes mais criticadas, pela possibilidade de que o estádio Arena da Amazônia se torne um elefante branco. Descontraída no papel de anfitriã em sua residência oficial, o Palácio da Alvorada, a presidenta recebeu jornalistas de veículos internacionais, entre eles EL PAÍS.
"Mas e a Copa", lançou a mandatária assim que veio ao encontro dos convidados que a esperavam na parte externa do Palácio, projetado por Oscar Niemeyer no final dos anos 50 e que se tornou sua residência oficial desde 2011. Depois de ouvir elogios ao estádio do Itaquerão e a alguns aeroportos que haviam sido visitados pelos presentes, a presidenta foi citando todas as desconfianças que rondaram o Mundial. "Uma revista disse que o Maracanã ia ficar pronto em 2038", divertia-se Rousseff. As ameaças da falta de energia, de infraestrutura digital e até de um surto de dengue foram relembradas por ela.
Ao longo do jantar, a presidenta falou de todos os fantasmas levantados sobre o que estava prestes a acontecer no Brasil, inclusive no mundo econômico. Ela citou sua passagem por Davos, em janeiro, quando o assunto principal era a potencial vulnerabilidade dos emergentes, uma vez que os Estados Unidos iniciavam o fim dos estímulos monetários. Previa-se uma perfeita tempestade, com a combinação de câmbio descontrolado, inflação em alta, e fuga de capitais. "Me diga onde está a tempestade perfeita num país que tem 379 bilhões de dólares de reservas, a quinta maior reserva do mundo", disse ela, lembrando que em 2002 haviam 36 bilhões de dólares de colchão de economia, sendo que 21 bilhões eram empréstimos do Fundo Monetário Internacional. "Há um mau humor inexplicável conosco", acredita.
Sobre a Copa do Mundo, tanto a versão de que Lula teria forçado a mão para aumentar o número de cidades sedes, assim como as persistentes críticas ao modelo de organização no Brasil, fazem parte, na opinião da mandatária, da politização que se criou em torno do Mundial. Um viés injusto a seu ver. A efeito de comparação, ela cita a passagem do Brasil na Copa de 1970. Naquele tempo, Rousseff era uma presa política, enquanto o Brasil tentava conquistar o tricampeonato. Ela sofria, na ocasião, com o dilema da sua geração, que lutava contra o Governo militar: torcer pelo Brasil não seria o mesmo que torcer pela ditadura. Mas, a mescla entre política e futebol se torna praticamente inevitável no Brasil. "Todas as eleições vão sempre coincidir com a Copa do Mundo", explicava a presidenta para um dos jornalistas.
De fato, a cada quatro anos, acontecem eleições por aqui, coincidindo com a disputa de uma nova edição da Copa. A diferença para a atual é que ela acontece aqui mesmo e organizada pelo governo do Partido dos Trabalhadores. Uma parte pelo ex-presidente Lula e outra sob o comando de Rousseff. "Sem sombra de dúvidas que as críticas estão politizadas", disse a mandatária, que se revelou muito afiada para defender a organização do Mundial. Ela citou, por exemplo, as cifras bilionárias que estão sendo empenhadas em infraestrutura de mobilidade urbana. De um total de 143 bilhões de reais, apenas 9 bilhões são direcionados exclusivamente à Copa. "O resto fica para o Brasil", disse a anfitriã.
Questionada por este jornal sobre o fato de seis a cada dez obras prometidas não estarem prontas, a presidenta respondeu: "Um metrô não fica pronto em dois anos". Falar de obras, aliás, deixa a presidenta muito à vontade, uma vez que liderou todos os grandes projetos de infraestrutura do Brasil quando ministra, antes de suceder a Lula, que a obrigaram a entender o timing nacional. "Obra de engenharia não é relógio, principalmente num país que não tem tradição em projetos", diz ela. Entenda-se como projeto o plano de execução de uma obra, com todas as especificidades necessárias para que um financiamento ou uma licença ambiental do mesmo,sejam aprovados. Rousseff lembrou que o Brasil deixou de investir por décadas em obras de grande porte, o que explica o fato de haver muitas vezes recursos disponíveis, que não são liberados para quem solicita – estados e municípios – por falta de familiaridade com esse ritual de planejamento.
E se tivesse que dar um conselho para quem sediar as próximas Copas, qual seria? "Cuidados com os compromissos assumidos na matriz de responsabilidade [documento oficial com as obrigações do Governo federal e de cada Estado ou município em relação às metas estabelecidas]". Quando foi questionada se teria feito algo diferente do que foi feito, ela aperta levemente os lábios e ergue a sobrancelha: responde que é melhor olhar para a frente.
Segurança para turistas e protestos
Um dos temas que estão tomando o tempo da presidenta agora são os compromissos com a segurança dos turistas. O Exército já está assegurado para a ação de proteção dos convidados. Questionada se haveria risco de um atentado de grupos extremistas durante o encontro, mesmo que não fosse dirigido diretamente aos brasileiros, Rousseff lembrou que o país vive em paz com outros povos há 150 anos.
Nem mesmo os Black Blocs seriam um fator de extrema preocupação. Uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo do último domingo dizia que o grupo de mascarados esperava uma ação conjunta com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). "Nem nós e nem o Governo estadual temos indícios sobre esse fato", afirmou. Sobre a onda de protestos que tomou o país, Rousseff mostrou tranquilidade. "Podem protestar", disse ela, "desde que não haja ameaça a vida de outras pessoas ou fechamento de vias públicas".
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