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Letizia, a primeira rainha de classe média

A futura rainha renunciou a uma promissora carreira como jornalista para se casar com o Príncipe

Tereixa Constenla
Os Príncipes com suas filhas, Leonor e Sofía, em Palma em 2013.
Os Príncipes com suas filhas, Leonor e Sofía, em Palma em 2013.ballesteros (efe)

Se não tivesse se casado com quem se casou, talvez Letizia Ortiz Rocasolano (Oviedo, 1972) contaria na manhã desta segunda-feira ao vivo uma dessas notícias históricas que tensionam qualquer jornalista. Mas o rei que abdicou é seu sogro há uma década, desde que no dia 22 de maio de 2004 saiu da catedral de La Almudena, em Madri, acompanhando seus passos com os do herdeiro da coroa espanhola. Já não dá notícias, ou melhor, dá as notícias de outra maneira. Nos sites e programas sobre famosos, falam de seus vestidos, seus penteados, seus sapatos, sua magreza e suas respostas. No resto da imprensa, ao longo desta década, foi emergindo uma figura cada vez mais autônoma, menos rígida em suas manifestações do que a realeza está acostumada.

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Em sua agenda própria (tem uma desde 2007) entraram a defesa dos afetados por doenças raras e o apoio à inovação, a educação e a colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS) em temas de nutrição. Em seus hábitos menos protocolares introduziu no palácio hábitos de classe média: idas ao cinema (é fácil encontrá-la nas sessões de filmes da praça dos Cubos em Madri), a shows de música indie (ela compra seu ingresso junto com alguns amigos e costuma entrar quando o show já começou por razões de segurança e discrição) ou à Feria do Livro, usando calça jeans.

A princesa pensa e às vezes – e isto é o inovador - fala o que pensa. Sem chamar muita atenção, conforme foi se afiando em sua tarefa, tem aflorado seu espírito crítico. "Não é o mesmo dizer ajudas que resgate, recessão por crescimento negativo ou reestruturação em vez de recortes", soltou há um ano ao inaugurar um seminário sobre língua em San Millán de la Cogolla (La Rioja). Uma liberdade que jamais teria tomado a rainha Sofía ou seus filhos. Letizia tem, no entanto, o olhar despretensioso de uma perfeita representante da classe média, alguém que andou de metrô e fez uma hipoteca para pagar um apartamento em Valdebernardo. Uma mulher com passado sentimental (ela se casou pelo civil em agosto de 1998 em Almendralejo com seu professor de Literatura do instituto, Alonso Guerrero, e se divorciou um ano depois) e sonhos profissionais.

Ao se casar, Letizia Ortiz sacrificou uma carreira que decolava nas mãos de Alfredo Urdaci, que encarregou a ela a apresentação do telejornal de maior audiência na Espanha a partir de 2003. Em sua etapa na TVE, onde chegou no ano 2000 procedente da CNN+, cobriu os acontecimentos mais importantes desses anos: o naufrágio do Prestige em frente à costa galega, os atentados do 11 de setembro contra as Torres Gêmeas ou a invasão no Iraque (em uma de suas fotos mais singulares, feita por Emilio Morenatti, ela aparece coberta com um véu negro no interior de uma mesquita). Não tinha outra coisa que quisesse fazer na vida além de estar diante de uma câmera. Seu pai, Jesús Ortiz, era jornalista, assim como sua avó Menchu Álvarez del Valle. De modo que se matriculou na Faculdade de Ciências da Informação da Universidade Complutense de Madri, onde conseguiu uma bolsa do departamento de Relações Internacionais para fazer o doutorado no México, que permitiu com que trabalhasse no diário Século XXI. Antes da televisão, trabalhou na imprensa escrita (Abc e Efe), mas seus olhos estavam voltados ao audiovisual.

Quando conheceu o Príncipe (em um jantar na casa de um colega de TVE) estava em plena ascensão. Por projeção e reconhecimento: no ano 2000 recebeu o prêmio Mariano José de Larra da Associação de Imprensa de Madri como o melhor trabalho de jornalista com menos de 30 anos. De modo que não só Felipe de Borbón teve que pensar bem sobre o transcendental passo que daria casando com uma mulher alheia ao círculo aristocrático, como também Letizia teve que avaliar que ganhava e também perdia com a sua mudança de vida. Todo mundo diz que eles se casaram apaixonados. E a verdade é que as imagens sempre transmitem entre ambos cumplicidade e ternura.

Nesta década, a princesa enfrentou momentos difíceis como a morte de sua irmã Érika e, no plano institucional, a eclosão do caso Noós. Mas sem dúvida o mais importante foi o nascimento de suas filhas: Leonor, no dia 31 de outubro de 2005, e Sofía, no dia 29 de abril de 2007. Ela tentou construir ao seu redor um lar padrão e alheio ao protocolo de uma casa real. Os príncipes levam as crianças ao colégio e colocam elas para dormir pela noite. Sua casa, uma residência construída no ano 2000 e conhecida como o pavilhão do Príncipe, foge da frieza palaciana e desprende aroma familiar. É provável que, quando se convertam no rei Felipe VI e na rainha Letizia, não a abandonem.

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