_
_
_
_
O ESPECTADOR GLOBAL
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Mais 4 graus…

O planeta nunca experimentou semelhante acréscimo de temperatura. E os seres humanos que só estão há 250.000 anos na terra, nunca viveram em um mundo assim

Moisés Naím

Para você, um acréscimo de 4 graus centígrados na temperatura ambiente não tem maiores consequências. Mas para o planeta, esse acréscimo na temperatura média é uma catástrofe. E, à luz das evidências científicas, para ela nos dirigimos se não fizermos nada para evitar.

Diz Nicholas Stern, um dos mais respeitados estudiosos do assunto: “A não ser que se impulsionem ações contundentes, há uma alta probabilidade de que, dentro de aproximadamente um século, o mundo seja em média 4 graus centígrados mais quente do que era no final do século XIX [antes do início do processo de industrialização]. Esse acréscimo na temperatura média e outras mudanças climáticas vinculados a ele alterarão a relação dos humanos com o planeta, incluindo onde e como vivem".

Stern explica que o planeta nunca experimentou semelhante acréscimo de temperatura, desde 10 milhões de anos atrás. E os seres humanos, que só estão há 250.000 anos na terra, nunca viveram em um mundo com 4 graus a mais. De fato, durante os últimos 8.000 anos, a temperatura média do planeta foi estável, flutuando apenas entre 1 e 1, 5 grau. Essa estabilidade climática tornou possível o cultivo de cereais, a agricultura tradicional e o assentamento das populações em povoados e cidades. A partir de uma recopilação dos melhores estudos científicos disponíveis, Stern nos oferece um lúgubre panorama de como seria um mundo 4 graus mais quente: o sul da Europa se pareceria com o Saara, enquanto na África esse deserto se estenderia para o sul, com devastadores efeitos em países como a Nigéria. Desapareceria a neve da cordilheira do Himalaia e isso alteraria tanto o curso como o volume de água em rios dos quais dependem mais de dois bilhões de pessoas. O mesmo ocorreria nos Andes e nas Montanhas Rochosas, no continente americano. Um dos resultados disso é que bilhões de pessoas sofreriam de uma crônica escassez de água. Adicionalmente, as monções do norte da Índia, que condicionam a atividade agrícola de centenas de milhões de pessoas, mudaria radicalmente, provocando deslocamentos em massa da população e drásticas mudanças nos padrões de produção e consumo de cereais, grãos e hortaliças.

Selvas como a amazônica se verão fortemente afetadas pela desertificação e pelo desaparecimento de milhares de espécies que não poderão sobreviver no novo clima. Se tornarão mais frequentes fenômenos climáticos extremos como furacões, tormentas e ciclones com ventos de altíssima velocidade. Aumentará o nível do mar: quando, há três milhões de anos, o planeta tinha 3 graus a mais no século XIX pré-industrial, o nível do mar era 20 metros mais alto do que é agora. Um acréscimo de 2 metros acima dos níveis atuais deslocaria 200 milhões de pessoas, coisa que é provável que ocorra antes do fim deste século.

Qual é a sua reação ao ler tudo isso? Provavelmente, se encaixa em uma destas três categorias:

A) Negação e ceticismo (“O aquecimento global não está ocorrendo”; “é um exagero”; “são especulações e não é certo que aconteça”; “as mudanças de temperatura são flutuações normais, e não resultado da atividade humana”; “também há consequências positivas que compensam os efeitos indesejáveis”).

B) Ocorrerá dentro de muito tempo (“Eu não estarei para sofrer as consequências”).

C) Fatalismo e impotência (“Não há nada que eu possa fazer”; “as tendências ou já são imparáveis ou revertê-las requer esforços que não serão feitos”; “os governos não atuam”).

A primeira dessas reações (o ceticismo) desdenha o fato de que 97% dos artigos científicos concluem que o planeta está esquentando como consequência da atividade humana. E ignora que há 140 fundações que recebem 900 milhões de dólares ao ano de setores interessados em fomentar dúvidas sobre a mudança climática. A segunda reação (“ainda falta muito tempo”) não leva em consideração que o processo se acelerou, que os impactos negativos já estão ocorrendo e que terão um impacto agudo em um espaço de tempo relativamente breve.

A maioria dos cientistas conclui que um acréscimo de 2 graus já produziria mudanças catastróficas e que, caso as tendências não sejam revertidas, esse acréscimo ocorreria em 2036.

Finalmente, a presunção de que já não há nada que possamos fazer é, com certeza, a garantia de que nada será feito. Embora isso seja verdadeiro, ver passivamente como o planeta avança para a catástrofe deveria ser uma atitude intolerável. De fato, há algo muito importante e muito singelo que todos podemos fazer: decidir não ser indiferentes ante essa ameaça.

No Twitter: @moisesnaim

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_