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O jornal ‘The New York Times’ substitui sua diretora, Jill Abramson

O editor do diário, Sulzberger, atribui a alteração a “um problema com o gerenciamento da redação”

Marc Bassets
Jill Abramson, no centro, acompanhada de seu predecessor, o então diretor executivo Bill Keller (dir.) e Dean Buquet (esq.), que lhe substituirá no cargo.
Jill Abramson, no centro, acompanhada de seu predecessor, o então diretor executivo Bill Keller (dir.) e Dean Buquet (esq.), que lhe substituirá no cargo.Fred R. Conrad (AP)

Jill Abramson, a primeira mulher a dirigir o The New York Times, deixou nesta quarta-feira o cargo, que ocupava há quase três anos, segundo anunciou o editor e presidente do diário, Arthur Sulzberger Jr. Será substituída pelo número dois de Abramson, Dean Baquet, que se converterá no primeiro afro-americano à frente do jornal mais prestigioso dos Estados Unidos.

A troca, da qual se desconhecem as causas exatas, foi inesperada e comocionou a venerável Dama Cinza, como é conhecida no jornal. Abramson, uma jornalista de investigação veterana que dirigia a sucursal em Washington, chegou à direção em setembro de 2011. Assumiu o cargo —editora executiva, na terminologia norte-americana— ao mesmo tempo que seu até agora editor-gestor ou diretor anexo, Baquet.

Em um discurso para a redação, Sulzberger atribuiu a alteração a “um problema com o gerenciamento da redação”, segundo um tuit de Ravi Somaiya, o jornalista do The New York Times que cobriu a notícia. Sulzberger não especificou qual era o problema.

Alguns minutos depois, Abramson, que não assistiu o discurso, tinha desaparecido do cabeçalho do jornal, que pode ser acessado na versão digital. Ninguém escondeu que sua saída era involuntária. As ações do The New York Times Co. em Wall Street fecharam com uma baixa de 4,5%.

Sob a liderança de Abramson, o Times começou um sistema de assinatura digital, além de vários novos produtos on-line. A já ex-diretora, uma orgulhosa nova-iorquina que cresceu lendo The New York Times, leva a T gótica do título do diário tatuada nas costas.

“Adorei dirigir o Times”, disse Abramson, de 60 anos, em uma declaração escrita. “Pude trabalhar com os melhores jornalistas do mundo e fazer um jornalismo vigoroso”. Um de seus sucessos, acrescenta, foi a nomeação de mulheres em cargos diretivos. Também destaca a cobertura sobre a China e as investigações sobre o secretismo governamental nos EUA, bem como a transição à edição digital.

Abramson é uma repórter pura, criada nas melhores equipes de investigação da imprensa norte-americana. Durante a campanha para as eleições presidenciais de 2012, quando já era diretora do Times, foi vista em hotéis e comícios do pequeno estado de Iowa. Foi até lá para cobrir com seus repórteres os caucus (assembleias de eleição), um dos momentos mais eletrizantes da política dos EUA.

Baquet, de 57 anos, também é um jornalista experiente. Dirigiu no passado o jornal Los Angeles Times. Em 1988 ganhou um prêmio Pulitzer na categoria de jornalismo de investigação. “É uma honra”, disse depois de saber da nomeação, “que me peçam para dirigir a única redação do país que está melhor agora que há uma geração”.

Sulzberger anunciou a decisão em uma reunião com responsáveis pelo diário. Depois, a comunicou à redação, com pena pela súbita saída de Abramson e contente pela chegada de Baquet, segundo a crônica do próprio diário. “Não há nenhum jornalista melhor qualificado em nossa redação nem em nenhum outro local para assumir a responsabilidade de diretor neste momento”, disse Sulzberger em alusão a Baquet.

Qualquer mudança na direção do The New York Times, e ainda mais se é surpresa, provoca um pequeno terremoto no mundo dos meios de comunicação dos EUA. O diário é uma espécie de padrão ouro do jornalismo norte-americano: seus tropeços durante a guerra do Iraque, por exemplo, refletiram os erros da imprensa naqueles anos; sua adaptação ao meio digital se estuda como um script a seguir pelos concorrentes. Era o único grande jornal dirigido por uma mulher; agora será o único dirigido por um negro: um marco no setor.

A destituição, que ninguém previu, desatou as especulações sobre os motivos. No discurso à redação, Sulzberger disse que não tinha nada a ver com questões jornalísticas, com a direção da redação nem com a relação entre ela e os departamentos jornalísticos e de negócios do diário.

"A impaciência de Sulzberger com Abramson só aumentava", escreve em The New Yorker Ken Auletta, um dos jornalistas melhor informados sobre o setor da comunicação nos EUA. Auletta cita, entre outros motivos de desacordo, questões salariais.

O diário Politico destaca em sua crônica sobre a demissão as más relações entre a diretora e o novo diretor do Times, Mark Thompson, que chegou ao jornal nova-iorquino procedente da BBC. Em um artigo publicado em abril de 2013, Politico descrevia Abramson como uma pessoa "teimosa e condescendente", uma diretora com a que, segundo alguns jornalistas do diário, era "difícil trabalhar". O artigo, acusado de sexista, se baseava em fontes anônimas.

"[O artigo de Politico] me pareceu ofensivo e mal-intencionado, mas é parte do trabalho; é assim", disse meses depois Abramson em uma entrevista à revista The New Republic. Na mesma entrevista, Abramson definiu seu estilo jornalístico: "Acho que qualquer grande diário insiste intensamente em investigar para conseguir a história que se esconde por trás da história. Isto aprendi quando trabalhava no velho Wall Street Journal, dirigido por Norm Pearlstine. Aquele Wall Street Journal só dava duas histórias noticiosas longas na primeira página. Qualquer súplica para que seus artigos estivessem na capa devia estar à altura deste alto nível de exigência".

Abramson publicou seu último artigo em The New York Times em 2 de maio. Relatava o trauma físico e psíquico que foi ter sido atropelada por um caminhão, nas ruas de Manhattan, em 7 de maio de 2007. "Pela primeira vez em minha vida, me deprimi gravemente", escreveu.

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