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A raiva contra as balas no bastião de rebeldes

A população da cidade de Slaviansk, reduto dos separatistas, vota no referendo com o eco dos enfrentamentos

Pilar Bonet
Um cossaco vigia uma urna com um chicote em mãos em uma sede eleitoral para o referendo ucraniano, em Moscou.
Um cossaco vigia uma urna com um chicote em mãos em uma sede eleitoral para o referendo ucraniano, em Moscou.SERGEI KARPUKHIN (reuters)

Para chegar ao colégio eleitoral 141.199, da cidade de Slaviansk, de Donetsk, é necessária uma viagem de 120 quilômetros e cruzar 13 postos de controle, que são filtros de defesa entre o núcleo da resistência federalista e separatista e a política das autoridades centrais da Ucrânia.

Dois desses 13 postos pertencem a tropas leais a Kiev, e o mais importante deles está formado por seis veículos (carros blindados e tanques, com uns 50 homens visíveis), inseridos entre as barricadas erguidas pelos insurgentes no acesso a Slaviansk. Há uns dias, o número de barricadas nos arredores era significativamente menor e os soldados que comem e bebem sentados sobre os carros blindados, adornados com a bandeira azul e amarela da Ucrânia, não estavam aqui.

Tampouco estava um muro de concreto que o obriga a entrar em Slaviansk desviando por um atalho sinuoso e parar em um posto de controle, desta vez dos insurgentes, que manejam as armas com agilidade e, às vezes, ao varrer o horizonte, as apontam diretamente aos visitantes.

Em um cabo elétrico, os milicianos penduraram um boneco vestido com o uniforme nazista, no qual foi preso um letreiro com os nomes do presidente interino da Ucrânia, Alexandr Turchínov, e do primeiro ministro, Arseni Yatseniuk. Em uma calçada, outros rebeldes colocaram uma boneca sexual nua que seria a ex-primeira ministra Yulia Timoshenko.

"Mais de 70% dos nossos eleitores votaram até às quatro da tarde, o que representa quase 1.800 pessoas", disse Andréi Shaldá, chefe do colégio eleitoral 141.999, que foi instalado em uma escola técnica. Shaldá, vestido de terno e gravata, com uma identificação na lapela, é professor e tem experiência como membro de colégios eleitores em pleitos anteriores.

Em Slaviansk, onde moram 100 mil pessoas, há 22 colégios. Várias pessoas mostram seus passaportes para recolher o papel no qual vão responder se apoiam ou não a "declaração de independência da República Popular de Donetsk." Bem à noite, vários eleitores depositaram a cédula em duas grandes urnas transparentes: quatro ou cinco jovens, dois idosos e meia dúzia de pessoas de meia-idade.

A maior parte dos eleitores veio de manhã, disse Shaldá, que nos mostra uma pequena urna que já foi levada a 18 casas. Na madrugada de domingo, ouviram-se disparos em Slaviansk. Vinham do sul da cidade e foram ouvidos ao norte, conta. Esses tiroteios e o aumento da violência não fazem os eleitores desistirem? Ao contrário. "As pessoas têm medo, mas também estão fartas, irritadas com as ações do exército ucraniano, que atira em pessoas pacíficas e contra a população civil", disse Shaldá. O professor não vai trocar a roupa impecável que veste por uma camuflagem, mas adverte: "Se vierem matar minha família, vou responder como homem." "Temos medo que caíam estilhaços nas nossas casas, mas vieram expressar um ponto de vista e dizer que não aguentavam mais", diz.

O professor contém os soluços e sua voz hesita ao explicar a morte de um dos seus vizinhos em uma barricada, a 100 metros da sua casa, em 2 de maio. Foi o que acabou com a sua paciência. As mortes em Odessa e Mariúpol convenceram-no de que é necessário dar os "passos legais." "É isso que estamos tentando aqui", diz, a respeito da votação.

Klaudia, que diz ter nascido em um refúgio de guerra, em 1941, está votando, assim como Galina e Inna, mãe e filha. Essas duas últimas afirmam que votaram contra a independência porque querem que os problemas sejam resolvidos em uma "Ucrânia unida." Também vota Valentina, de 41 anos, com um cão nos braços. "Não sei se o federalismo será melhor que isso, mas pior não será. Não quero o retorno de Yanukóvich, nem quero os que estão agora em Kiev, quero que aprendamos a nos auto-governar", diz.

Um porta-voz do colégio 141.199 informa o resultado do dia: 1.393 pessoas votaram, das quais 1.352 a favor e 28 contra. Houve 13 votos nulos e 290 cédulas que não foram utilizadas. Ou seja, 97% dos votos a favor da independência.

Antes, pela manhã, em Zugrés, a 40 quilômetros ao noroeste de Donetsk, assistimos a uma votação em dois colégios eleitorais, instalados no Palácio da Cultura e em uma sala de esportes de uma escola. A mesa eleitoral do palácio da Cultura era presidida por Vitali Nikolenko, deputado do parlamento local e membro do partido político russo Bloc, recentemente ilegalizado pelas autoridades de Kiev.

Os responsáveis pelo referendo fizeram um bom trabalho, dadas as condições em que operaram. O prefeito da cidade, que tem umas 30 mil pessoas, permitiu que eles trabalhassem. Os organizadores da consulta resgataram listas de eleitores de pleitos presidenciais de 2010 e parlamentares de 2012, imprimiram as cédulas e deslocaram enormes urnas transparentes.

A votação em Zugrés teve pessoas de diferentes idades: jovens como Marina, que se queixam da falta de trabalho, e pessoas maduras, como Alina e Vladimir, um casal que pesou os prós e contras e a oposição de sua filha antes de decidir votar "pela mãe Rússia", ainda que só se refira à independência da região do resto da Ucrânia.

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