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A vida começa com Juno e Izumo

Os pesquisadores descrevem pela primeira vez como o óvulo abre caminho para o espermatozoide A chave da fecundação está em duas proteínas

Um espermatozoide humano tenta fecundar um óvulo.
Um espermatozoide humano tenta fecundar um óvulo.david phillips (photo researchers)

O mecanismo inicial pelo qual um óvulo reconhece um espermatozoide e limpa o caminho para ser fecundado – numa explosão de reações bioquímicas em cadeia que desembocam na formação de uma nova vida (primeiro um zigoto, depois um embrião, mais tarde um feto) – deixou de ser um mistério para os pesquisadores.

Cientistas do Wellcome Trust Sanger Institute descrevem pela primeira vez na Nature como o até agora desconhecido receptor Juno, descoberto na superfície do óvulo, identifica o seu correspondente na camada exterior do espermatozoide (a proteína Izumo). Ele faz isso sob um sistema de chave e fechadura, no qual o óvulo se abre ao espermatozoide quando o receptor e sua proteína de ligação se encontram, o que resulta na fusão de ambos, ao mesmo tempo em que o óvulo se fecha à passagem a outros gametas masculinos (e a possíveis lesões cromossômicas).

A descrição do início da fecundação era um dos segredos que a ciência desconhecia até o momento

Esse procedimento de comunicação intercelular foi observado em ratos, mas o fato de tanto Juno como Izumo serem encontrados nos gametas humanos permite pensar em futuras aplicações tanto em tratamentos de infertilidade quanto em novos métodos anticoncepcionais.

O enigma do que acontecia no primeiro instante do encontro entre um espermatozoide e um óvulo era, na verdade, uma meia incógnita – pelo menos desde 2005. Naquela ocasião, um grupo de pesquisadores japoneses identificou a proteína de ligação nos espermatozoides (a chave), batizando-a de Izumo, em homenagem a um templo xintoísta japonês com esse nome, associado ao matrimônio.

Começou então a busca pelo receptor. Uma complexa tarefa que, nove anos depois, terminou com a descoberta de Juno, a fechadura molecular da superfície do óvulo, que permite o acesso do espermatozoide. Trata-se do receptor de folato-4 (Folr4), e que, neste caso, foi batizado como Juno em alusão à deusa romana da maternidade.

Um mecanismo de chave e fechadura permite a fusão de gametas

A busca não foi uma tarefa simples. Para encontrar Juno, os pesquisadores desenharam uma versão artificial da proteína Izumo, que usaram para emparelhá-la com moléculas candidatas na superfície do óvulo. Desta forma, perceberam que Juno interagia com a cópia de Izumo na fase inicial da fertilização. Uma vez identificado o objetivo, era preciso confirmá-lo. O passo seguinte foi desenvolver ratos modificados, em cujos óvulos foi eliminada a proteína Juno. Comprovou-se então que esses roedores de laboratório eram inférteis e que seus óvulos não tinham a capacidade de se fundirem aos espermatozoides, o que levou os cientistas a perceberem que se trata de uma proteína essencial na fecundação entre mamíferos. O mesmo resultado foi obtido quando, inversamente, os cientistas anularam a presença de Izumo nos gametas masculinos.

É um trabalho realmente bom Carlos Simón, catedrático de ginecologia e pesquisador do Instituto Valenciano de Infertilidade

“Resolvemos um dos mistérios que permaneceram durante mais tempo ocultos na biologia ao identificar as moléculas do óvulo e no espermatozoide que devem se associar no momento em que somos concebidos”, afirma Gavin Wright, do Sanger Institute e autor principal do trabalho.

“É um trabalho realmente bom, que nos mostra um mecanismo biológico desconhecido, de elevada qualidade e que oferece numerosas provas”, afirma Carlos Simón, catedrático de ginecologia da Universidade de Valência e pesquisador-chefe do Instituto Valenciano de Infertilidade (IVI). “Por enquanto, é verdade que isso só foi demonstrado em ratos, e o fato de as duas moléculas estearem nos gametas humanos não significa que funcionem de forma igual”, acrescenta. “É preciso ver se o procedimento descrito é tão relevante em humanos. Eu vou tentar reproduzi-lo assim que puder”, comenta.

Para José Antonio Castilla, a injeção intracitoplasmática já resolve os possíveis problemas de comunicação entre Juno e Izumo

Além disso, Simón destaca as possíveis aplicações que a descoberta pode ter no conhecimento da infertilidade. “Nos tratamentos de reprodução, temos 15% de casos fracassados em que o espermatozoide não fecunda o óvulo; este trabalho poderia explicá-los.” Se o mecanismo descrito for transferível para as pessoas, ele também poderá ser empregado para novas abordagens na contracepção. “Poderiam ser desenhados antígenos para bloquear os receptores ováricos (Juno) e impedir assim que os espermatozoides abram passagem e fecundem o gameta feminino”, disse o cientista.

José Antonio Castilla, secretário-geral da Sociedade Espanhola de Fertilidade (SEF), é menos entusiasta. “Não temos tanta clareza de que a entrada do espermatozoide no óvulo dependa só de um receptor”, diz o ginecologista. Ele admite que o achado possivelmente servirá para conhecer a causa por trás de alguns casos de infertilidade, mas observa que já existem ferramentas para resolver a falta de comunicação entre espermatozoide e óvulo. Castilla relata que em boa parte dos tratamentos com fertilização in vitro se recorre à microinjeção intracitoplasmática (ICSI, na sigla em inglês) para fecundar o óvulo. Esta técnica consiste em introduzir o espermatozoide no óvulo com uma injeção. Nem chave nem fechadura: um chute na porta do óvulo para forçar de forma expedita, no laboratório, a união entre Juno e Izumo, resolvendo sua falta de entendimento.

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