O canal do Panamá demora para zarpar
Após paralisação, a obra civil está 85% terminada, segundo o diretor do projeto O novo prazo de entrega da obra foi fixado para fins de dezembro de 2015
Seis meses sem comprar material, tendo de recorrer às reservas e alguns meses sem pagar aos subcontratados se fazem notar em qualquer obra e na do Canal do Panamá, também. Embora oficialmente os trabalhos tenham ficado parados apenas 15 dias, não é fácil que uma obra dessas dimensões recupere tão facilmente o ritmo. “Hoje as obras estão entre 60% e 65% de onde deveriam estar”, assegurou Jorge Quijano, administrador do Canal de Panamá, na inauguração do Fórum Econômico Mundial que se realizou esta semana na Cidade do Panamá.
Em outubro, as obras do canal davam trabalho a 10.500 pessoas e hoje são apenas 6.000 as que seguem vinculadas ao projeto. “A ideia é conseguir uns 8.000 trabalhadores, que é o que neste momento admite a obra”, assegura Bernardo González, um engenheiro asturiano, de La Felguera – “eu me sinto mais daqui, latino-americano, que de qualquer outro lugar” –, que é quem dirige o projeto há três anos, embora inicialmente tenha se unido a ele apenas como diretor das obras do lado do Atlântico.
O movimento de trabalhadores que atravessam a barreira pela estrada que leva a Cocolí, nas obras do lado do Pacífico, é incessante. Os trabalhos se realizam durante as 24 horas do dia de segunda a sábado e só aos domingos se fazem obras de manutenção. “Cerca de 85% da obra civil já está terminada. Agora resta toda a parte de eletromecânica”, aponta. As primeiras quatro comportas já estão no lado Atlântico. Ao longo deste ano serão recebidas da Itália as 12 comportas restantes.
A Autoridade do Canal de Panamá e o Grupo Unidos pelo Canal (Grupo UPC, consórcio formado pela espanhola Sacyr, a italiana Impregilio, a belga Jan de Nul e a panamenha Cusa) alcançaram um acordo em março para seguir em frente com as obras, depois de uma disputa pelos sobrepreços que paralisou as obras em fevereiro e terminou com um acordo no qual cada uma das partes aceitou desembolsar 100 milhões de dólares (226 milhões de reais). Outros 400 milhões de dólares serão aportados pela seguradora Zurich. Os dois primeiros pontos desse acordo já foram postos em prática e agora se está à espera do desembolso por parte da seguradora. O enfrentamento entre as autoridades panamenhas e as empresas chegou a tal nível que na reunião do Fórum Econômico em Davos, Suíça, no fim de janeiro, o próprio presidente de Panamá, Ricardo Martinelli, admitiu que “isso acontece por nos associarmos com gente que não tem dinheiro”. Hoje essa etapa parece superada, mas a desconfiança persiste.
Em outubro passado haviam 10.500 trabalhadores, hoje, mal chega a 6.000
O novo prazo de entrega da obra foi fixado para fins de dezembro de 2015, mais de um ano de atraso em relação a 21 de outubro de 2014, a data limite que havia sido estabelecida inicialmente. “Se o novo prazo não for cumprido, não duvide que apresentaremos ações contra as empresas empreiteiras”, advertiu Quijano. Esse risco persiste, a julgar pela opinião de vários consultores congregados na reunião do Fórum Econômico. Quijano já admitiu no Fórum que esse atraso o faz perder 300 milhões de dólares (678 milhões de reais) ao ano. O atraso nas obras se converteu, além disso, em tema de enfrentamento na campanha eleitoral no Panamá, que em 4 de maio realizará eleições presidenciais.
Pelo menos por enquanto, os novos acordos permitiram desculpar os atrasos que se acumulavam com algumas empresas subcontratadas, como a espanhola Epsa, encarregada do movimento de terras que rodeiam as eclusas e as represas, em um terreno já ganho do mar. Outro grupo espanhol, FCC, realiza boa parte do canal de aproximação para as eclusas, em um consórcio formado com a mexicana Ica. “Não posso negar que há certa preferência por subcontratar empresas espanholas, pelo menos em alguns casos, porque sabemos como trabalham”, admite Bernardo González.
A construção do terceiro jogo de eclusas no Canal do Panamá corre paralela ao funcionamento do mesmo. Enquanto os trabalhadores terminam a colocação de barras de aço nas futuras eclusas ou até mesmo enquanto dinamitam alguma das duas pedreiras de basalto às quais recorrem para fabricar concreto, os navios seguem percorrendo os 80 quilômetros que separam os dois oceanos. “A ampliação do canal permitirá duplicar o tráfego atual e triplicar o tamanho dos navios que o cruzam”, destaca González. “Agora há momentos em que se produzem engarrafamentos com mais de 100 navios esperando para cruzar”, assinala, acrescentando que a nova obra permitirá que navios de menor dimensão possam cruzar ao mesmo tempo pelas eclusas e não de um em um, como agora.
Em média, um navio demora 10 horas para fazer todo o percurso que separa as duas costas. A empresa de consultoria Jones Lang LaSalle (JLL) assegura que o aumento do tráfego através do canal “permitirá uma melhora tremenda na cadeia de fornecimento global”, conforme declarou seu diretor de operações, Zach Cheney, em uma das reuniões que o Fórum Econômico Mundial celebrou esta semana em Praia Bonita, nos arredores da capital panamenha. A JLL já começou a gerir os desenvolvimentos urbanísticos que rodeiam estas obras, parte dos quais está em mãos de um consórcio privado chinês.
Os trabalhos ocorrem 24 horas por dia, de segunda a sábado
O Panamá espera transformar-se em um centro regional de comércio e finanças ao estilo de Cingapura, Istambul ou Dubai e muito em linha com o modelo econômico que prega o Fórum Econômico Mundial. “Sem dúvida, o Panamá já está competindo com Miami por essa posição, embora deva fazer uma aposta forte nas infraestruturas e investir em estradas e aeroportos”, apontou Martin Sorrell, diretor executivo da agência de publicidade britânica WPP e um dos diretores deste ano do Fórum. Não lhe falta razão. O trajeto de 35 quilômetros entre a Cidade do Panamá e o aeroporto do Tocumen pode demorar mais de duas horas no horário de pico, que é muito mais longo que em outras cidades similares.
O canal domina tudo no Panamá. Não em vão ele gera 26% do PIB do país, segundo dados do administrador do canal, e isso explica que o atraso nas obras seja um tema de debate habitual durante a campanha eleitoral. A grande obra de engenharia civil da América Latina faz 100 anos em 2014 e durante este tempo, “só um dia as eclusas estiveram paradas”, sustenta Bernardo González. Para tentar explicar as dimensões do projeto, o engenheiro asturiano explica que as obras já consumiram concreto equivalente a 2,2 pirâmides de Quéops, com 4 milhões de metros cúbicos, e aço equivalente à construção de quase uma Torre Eiffel por mês. “As eclusas resistiriam a um terremoto de 9,3 pontos na escala Richter. Certamente, o resto do Panamá ficaria destroçado pelo impacto do sismo, mas as eclusas permaneceriam de pé”, aponta com orgulho.
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