América Central, na mira da Rússia
Moscou confirma seu interesse em expandir sua presença militar na região com novas bases e equipamentos para abastecer veículos de patrulhamento
Bombardeiros supersônicos russos Tu-160, procedentes de Moscou e de Caracas, sobrevoaram águas internacionais no Mar do Caribe, penetraram na América Central, aterrissaram em Manágua, realizaram manobras militares e confirmaram a renovação da aliança militar entre a Rússia e a Nicarágua. Era outubro de 2013, completavam-se 51 anos da Crise dos Mísseis em Cuba––que deixou a humanidade à beira do precipício nuclear–– e a presença militar de Moscou na América Latina e Caribe continuava seu processo de renascimento.
Sob o símbolo da União Soviética, que se desintegrou em 1991, a empreitada militar de Moscou tocou a terra na América Latina e no Caribe no início da década de 1960 em Cuba e se estendeu ao Peru em 1973–onde se renovou em 2013–, mas desde 2001 se ampliou até a Venezuela e o Equador a partir de 2008, embora também com o início da assistência à força policial em El Salvador em 2012.
Por que a Rússia retoma seus vínculos no setor de segurança com a América Latina e o Caribe? Pata atiçar as dúvidas, o ministro da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu, anunciou em 26 de fevereiro que seu país está negociando a instalação de bases militares russas em Cuba, Venezuela e Nicarágua e garantiu que as conversações com os governos desses países “estão em andamento” e próximas da assinatura de documentos. Shoigu reiterou o “interesse de Moscou” em expandir sua presença militar mundial com novas bases e equipamentos para o abastecimento de seus veículos de patrulha.
Mas Caracas e Manágua desmentiram essa informação. A chancelaria venezuelana descartou em 28 de fevereiro a opção de aceitar instalações militares russas na Venezuela.
O Governo e o Exército da Nicarágua negaram em 4 de março que esteja sendo negociada com a Rússia a possibilidade de instalação de uma base militar em território nicaraguense. O vice-presidente da Nicarágua, Omar Halleslevens, general reformado e ex-chefe do Exército, declarou nesse dia à imprensa nicaraguense, em uma cerimônia noturna da hierarquia católica nicaraguense, que seria oportuno perguntar a Shoigu por que ele disse que está sendo negociada uma base militar da Rússia na Nicarágua.
“Aqui há muita especulação”, acrescentou, por sua vez, o general Julio Avilés, chefe do Exército, no mesmo ato religioso. “Não há e não houve bases estrangeiras” na Nicarágua, afirmou, ao recordar, segundo o jornal La Prensa, o principal do país, que “aqui o que está estipulado é que ocorre o trânsito nas condições estabelecidas na Constituição Política e nas leis no país”. Coincidindo com isso, Shoigu falou sobre abastecimento de suas embarcações.
De todo modo, nos últimos anos está ocorrendo a reafirmação dos renovados vínculos militares entre Moscou e Manágua, que foram intensos na década de 1980, no fragor da Guerra Fria. Depois da derrubada da ditadura pró-Washington da família Somoza, que governou a Nicarágua de 1934 a 1979 e que foi destituída pelo então grupo guerrilheiro Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), os comandantes sandinistas estabeleceram fortes vínculos militares com os cubanos, mas também com os soviéticos e com o restante dos países que nessa épica integravam o agora desarticulado campo socialista do leste Europeu.
Na época, os Estados Unidos acusaram Cuba, a União Soviética e a Nicarágua de terem transformado a revolução sandinista em uma “cabeça de ponte” para estimular a expansão comunista na região e de utilizar as guerrilhas marxistas da Guatemala e El Salvador para instigar o incêndio bélico na América Central.
Mas depois da derrota da FSLN nas urnas em 1990, que a desalojou do poder até 2007, o ainda hoje presidente Daniel Ortega, assumiu a Presidência do país, a Nicarágua começou a despojar-se de seus equipamentos bélicos de fabricação soviética. O Exército da Nicarágua ainda preserva alguns deles, como os velhos, mas potentes helicópteros com os quais os sandinistas combateram os “contras” nicaraguenses, grupo criado, organizado e sustentado por Washington para a guerra contra os sandinistas, desencadeada de 1980 a 1990.
Reativação intensa
Ao anoitecer de 11 de agosto de 2013, em um ato de consolidação dos vínculos castrenses bilaterais, os navios da marinha de guerra da Rússia atracaram no porto nicaraguense de Corinto, no noroeste do país, no litoral do Pacífico.
As embarcações, segundo o Exército da Nicarágua, chegaram em missão amistosa de cooperação para confirmar as relações dos aparatos russo e nicaraguense de segurança e defesa. Procedentes de Cuba, os navios cruzaram o Canal do Panamá e avançaram até o Pacífico, rumo a Corinto, a cerca de 150 quilômetros de Managuá, para noroeste, e classificado como o mais importante porto nicaraguense nesse litoral. Parte da tripulação russa desembarcou em Corinto e participou dos festejos do 33º aniversário da criação da Força Naval da Nicarágua.
A Rússia ––que desde 2009 concedeu uma ajuda militar superior a 26,5 milhões de dólares à Nicarágua– forneceu dois helicópteros MI-171 ao país. Em outubro de 2012, Manágua anunciou a compra da Rússia de armas, uniformes e “uma quantidade não especificada” de veículos militares blindados –chamados “Tigr”– para que a polícia nicaraguense os utilize no combate ao narcotráfico.
Em agosto de 2013, a Nicarágua anunciou a compra da Rússia de seis lanchas –duas com mísseis e quatro de patrulhamento– para modernizar a capacidade da Força Naval na vigilância e controle das fronteiras marítimas. Essas tarefas, especialmente no Caribe, são cruciais na disputa pela delimitação marítima que a Nicarágua mantém há vários anos com a Colômbia.
Nessa ocasião, o general Avilés enfatizou que a atual flotilha está obsoleta e que estão sendo analisadas opções na Rússia e em outros países. “Já foram visitadas diferentes fábricas e estaleiros onde se fabricam alguns veículos navais, incluindo os da Federação Russa”, para verificar ofertas e preços, acrescentou, alertando que a Nicarágua está em seu direito ao renovar a frota naval para enfrentar as ameaças à sua segurança interna, como o narcotráfico.
Nesse campo, os dois países iniciaram negociações no começo de 2012 para reforçar sua cooperação antidrogas. Em outubro desse ano, a Rússia e a Nicarágua informaram que os russos abririam um Centro de Formação Regional em solo nicaraguense, para adestrar policiais centro-americanos na luta contra o crime organizado.
O russo Víctor Ivanov, um ex-agente da KGB—o aparato da inteligência soviética soviética—,que é o chefe do Serviço Federal de Controle de Narcóticos na Rússia, visitou El Salvador e a Nicarágua em fevereiro de 2012. Em uma reunião com Aminta Granera, chefe da Polícia da Nicarágua, assinou um pacto de cooperação na luta contra o crime organizado, enquanto na capital salvadorenha firmou um convênio de repressão ao narcotráfico com o então chanceler de El Salvador, Hugo Martínez.
No final de 2012, Ivanov afirmou que o governo russo estava disposto a outorgar “armas de fogo e meios técnicos” para o combate ao narcotráfico na América Central. Em março de 2013, em um ato com a presença de chefes de polícia de 11 países latino-americanos, Ivanov e Granera colocaram em Manágua a primeira pedra da obra do Centro.
Em um memorando de entendimento assinado em 2004 em Nova York, a Rússia e o Sistema de Interação Centro-Americano (SICA), máxima instância política estatal do istmo, concordaram em colaborar no combate ao narcotráfico, sob o princípio de responsabilidade compartilhada de consumidores e produtores de drogas, e cooperar na luta contra a “lavagem” de dinheiro ganho em atividades criminosas, o tráfico de armas e de pessoas e outras “formas de crime organizado transnacional”.
Em Washington, porém, a congressista cubana-norte-americana Ileana Ros-Lehtinen, presidente do Subcomitê do Oriente Médio e África do Norte da Câmara dos deputados dos Estados Unidos, afirmou esta semana que a Rússia pretende aliar-se a “maus governos” da América Latina e do Caribe, e citou a Nicarágua, Cuba e Venezuela.
“Infelizmente, os russos e o regime de Ortega continuam fortalecendo seus laços militares para destruir a nossa segurança nacional”, afirmou, antes de alertar: “O tempo nos dirá se Ortega deixará os russos colocarem bases militares na terra soberana da Nicarágua”.
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