Detectadas as ondas do primeiro instante do universo
Um telescópio no polo sul capta o rastro da teoria da inflação cósmica, que completa o conhecimento sobre o Big Bang
Os cientistas dizem ter detectado as sutis vibrações do universo um instante depois da sua origem. Um telescópio norte-americano bem no polo sul consegui captar no céu esses vestígios que representam o suporte definitivo à teoria que melhor explica os primeiros momentos do cosmo, a chamada de teoria da inflação, proposta há mais de três décadas. Essa inflação foi um crescimento enorme e muito rápido do espaço-tempo inicial e, a partir daquele momento, o universo continuou se expandindo lentamente, até hoje, 13,8 bilhões de anos depois. É a teoria do Big Bang, mas com um complemento fundamental no início de tudo. Como diz Alan Guth, o cientista norte-americano que propôs, em 1980, a inflação cósmica, “exploramos o bang do Big Bang”.
“Alguns astrônomos afirmam que encontraram a tão procurada evidência de que o universo sofreu uma rápida inflação nos primeiríssimos momentos da sua existência”, diz a revista Nature. “Caso se confirme, essa impressão digital das ondas gravitacionais do Big Bang abrirá um novo capítulo na astronomia, na cosmologia e na física”.
Como o Higgs da cosmologia
A.R
Luis Álvarez Gaumé (físico teórico do CERN): "É uma das grandes descobertas das últimas décadas, como se fosse o Higgs da cosmologia. A maioria das teorias inflacionárias contém um campo escalar (tal como o campo de Higgs) que é necessário para gerar a inflação".
Avi Loeb (físico da Universidade de Harvard): "Esses resultados não são apenas uma prova irrefutável da inflação cósmica como também nos dão informação sobre o momento dessa expansão rápida do universo e sobre a potência do fenômeno"
Juán García Bellido (catedrático de Física Teórica da Universidade Autônoma de Madrid): "Esse resultado representa a confirmação simultânea da teoria da inflação, da detecção de ondas gravitacionais e das flutuações quânticas dos campos no universo primitivo. É realmente emocionante e corrobora os esforços que foram feitos nas últimas décadas na cosmologia teórica e observacional. Essa descoberta e as que se seguirem abrem uma nova janela que nos permitirá conhecer muito melhor os detalhes da teoria da inflação".
Jamie Bock (físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Caltech, e chefe do telescópio Bicep2): "As implicações dessa detecção comocionam. Estamos medindo um sinal que vem do princípio dos tempos".
Enrique Álvarez (catedrático de Física Teórica da Universidade Autônoma de Madrid): "O anúncio (acompanhado de um preprint) pela equipe d Bicep2, no polo sul, da descoberta dos chamados modos B primordiais na radiação de fundo de micro-ondas é de grande importância. Esses modos são considerados como a prova de fogo do modelo do universo inflacionário. É preciso esperar, como sempre, que o resultado seja confirmado de forma independente por outros grupos".
Os cientistas do telescópio de micro-ondas Bicep-2, instalado na base antártica Amundsen Scott, anunciaram hoje em Harvard os dados conclusivos, provocando euforia e emoção em muitos cosmólogos em todo o mundo que, por muito convencidos que estivessem de que a inflação tinha de ser a explicação correta do que aconteceu quase ao princípio de tudo, estavam à espera da prova, imprescindível em ciência, de que a natureza efetivamente funciona como eles conjecturaram. E a prova são as ondas gravitacionais primordiais, produzidas pelas chamadas vibrações quânticas no espaço-tempo, que se propagam pelo universo na velocidade da luz e das quais resta hoje um leve vestígio na radiação de fundo que permeia todo o céu.
“Trata-se da primeira evidência direta da inflação cósmica”, anuncia o Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica, nos EUA. São “as primeiras imagens de ondas gravitacionais, ondas que foram descritas como as primeiras vibrações do Big Bang. E confirmam a profunda conexão entre a mecânica quântica e a relatividade geral.
“A detecção desses sinais é um dos objetivos mais importantes da cosmologia atual. Muita gente trabalhou muito até chegarmos a este ponto”, disse John Kovac, chefe do detector Bicep2. E o próprio Guth declarou à Nature: “É uma prova nova e totalmente independente de que o panorama inflacionário encaixa no resto. A teoria do Big Bang funciona bem e várias sólidas provas observacionais lhe dão sustentação, mas na verdade, a história do universo que ela descreve começa um pouco depois do princípio, um momento a partir do qual explica com sucesso a expansão das galáxias, que foi observada por Edwin Hubble, em 1929, a formação dos elementos leves como o hidrogênio e a radiação de fundo (de quando o universo tinha 380.000 anos), remanescente no céu, que é a energia luminosa da época em que se formaram os primeiros átomos.
Mas em sua formulação clássica, essa teoria também apresenta problemas e esses senões foram o que buscou solucionar, primeiro, a teoria da inflação de Guth, e, imediatamente depois, as variações da mesma propostas por outros físicos que melhoraram a ideia inicial ou propuseram variações da mesma. As duas principais questões que a teoria sem inflação deixa sem resposta são: Por que o universo é tão homogêneo, tão igual por onde quer que se olhe? E por que tem determinada densidade? Vamos por partes: o problema da homogeneidade significa que o universo é demasiado grande para que os extremos tenham podido contaminar um ao outro com suas propriedades: no cosmos inicial havia variações de temperatura, mas não haveria dado tempo para que alcançassem um equilíbrio. Como dizia o cosmólogo Daniel Baumann em space.com, o fato de que partes distantes do universo tivessem a mesma temperatura e densidade sem terem podido estar em contato é um problema da teoria do Big Bang sem inflação, tão paradoxal como que duas xícaras de café muito distantes uma da outra e sem possibilidade de terem entrado em contato, tenham exatamente a mesma temperatura. Com a inflação, as duas xícaras foram produzidas pela mesma máquina de café, ao mesmo tempo, e esse crescimento exponencial do universo nos primeiros instantes as separa a uma velocidade superior à da luz (pela expansão espaço-tempo, não porque alguma coisa possa superar esse limite de velocidade).
O problema da densidade exata ou de por quê tem uma geometria plana ou quase é enigmático porque se ao princípio tivesse havido um pouco mais de matéria, teria colapsado quase imediatamente e, se tivesse havido um pouco mais, a expansão resultante teria impedido a formação de galáxias e estrelas...
A teoria da inflação soluciona os dois problemas partindo de que a gravidade, em determinadas condições, atua como uma força repulsiva ao invés de atrativa e usa mecanismos chave de mecânica quântica. “Partimos de um pouquinho de universo primitivo, algo muito pequeno, que poderia ser mil milhões de vezes menor do que um próton, mas que poderia ter essa matéria gravitacionalmente repulsiva”, explicava o próprio Guth há alguns anos a EL PAÍS. “Então começa a se expandir exponencialmente, duplicando de tamanho muito rapidamente, pelo menos uma centena de vezes. No final desse processo de inflação, todo o universo, ou a região do cosmos que evoluirá até se converter no cosmos observável de hoje, seria muito maior do que antes desse crescimento tremendo. Mesmo assim, não passaria de um centímetro de diâmetro. Já a partir desse momento, a repulsão gravitacional deixa de atuar e continua a expansão normal até hoje”. E tudo isso numa fração mínima de segundo.
E esse processo de crescimento acelerado gera umas vibrações que acabam sendo ondas gravitacionais no universo (como pulsações do espaço-tempo que esticam e encolhem), cujos vestígios foram detectados agora pelos cientistas com o telescópio Bicep 2 na radiação de fundo de micro-ondas.
Como a radiação de fundo é uma forma de luz, mostra todas as suas propriedades, inclusive a polarização, explica o centro Harvard-Smithsonian. “A nossa equipe procura um tipo especial de polarização chamada B-modes, que representa um padrão de giro ou onda nas orientações polarizadas da antiga luz”, explica Jamie Bock, um dos cientistas da equipe.
Como explicam os especialistas do renomado Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), membros da equipe Bicep2, “com a inflação, minúsculas flutuações quânticas do universo inicial se amplificaram enormemente e esse processo criou ondas de densidade que geraram pequenas diferenças de temperatura no céu, pontos de maior densidade que acabaram condensando-se em galáxias e grupos de galáxias; mas a inflação também teria produzido ondas gravitacionais primordiais, rugas no espaço-tempo propagando-se pelo universo”. O vestígio dessas ondas na radiação de fundo de micro-ondas é o que descobriram os cientistas do Bicep2, e com um sinal muito mais forte do que muitos esperavam.
A equipe analisou durante mais de três anos os dados para descartar qualquer erro, incluindo o efeito do pó da Via Láctea, que poderia deixar um rastro semelhante, mas que foi descartado.
E quando foi tudo isso? Se compararmos a história do universo com a vida de uma pessoa, a teoria do Big Bang clássica, sem inflação, começa no momento em que a criança está na maternidade, recém nascida. Com a inflação, remonta ao estado de embrião”, explica Guth.
O telescópio terrestre mais próximo do espaço
ALICIA RIVERA
O telescópio Bicep2 é um dos observatórios instalados no polo sul, onde vale a pena tê-lo, a despeito da complexidade da sua montagem e operação em função das condições extremas da região. Isso por causa das condições atmosféricas e da altitude (2.800 metros acima do nível do mar) favoráveis às observações astronômicas em determinadas longitudes de onda de micro-ondas (entre as ondas de rádio e o infravermelho). O frio faz com seja escassa a quantidade de vapor de água que essas ondas absorvem e, além disso, a escuridão absoluta durante seis meses garante a estabilidade da atmosfera sem alterações térmicas de amanheceres e entardeceres.
“O polo sul é o mais próximo que se pode estar do espaço continuando em terra”, diz John Kovac, chefe da equipe do telescópio. “É um dos lugares mais secos e limpos do planeta, um lugar perfeito para se observar as tênues micro-ondas do Big Bang”. O Bicep2 foi desenhado especificamente para captar os sinais da inflação que agora foram descobertos (tecnicamente, a polarização da radiação cósmica de fundo) e, na verdade, trata-se de uma bateria de detectores. O primeiro instrumento Bicep1 funcionou de 2006 a 2008 com 98 detectores; o segundo, com 512 detectores, foi inaugurado em janeiro de 2010 e esteve em operação até dezembro de 2012. Agora, as novas versões estão sendo preparadas as novas versões, um conjunto de receptores que formarão o conjunto Keck. O Bicep3 começará a esquadrinhar o céu em 2015. Financiado pela norte-americana Fundação Nacional da Ciência, tem sua equipe integrada por especialistas de várias universidade e instituições científicas.
O Bicep2 está instalado no edifício Kark Sector Laboratory da base Amundsen Scott, junto com o Telescópio do Polo Sul.
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