“Se não avançar na União, a Europa continuará em crise”
“Para que a UE funcione, os Estados têm de ceder mais poder a Bruxelas”, argumenta o investidor
Um longo quinquênio de crise econômica expôs alguns limites e contradições do projeto europeu. Apesar da recente estabilização da situação financeira, as turbulências políticas agitam a União Europeia, e os crescentes populismos dificultam o programa de reformas sustentado pelas forças europeístas. Nicolas Berggruen (Paris, 1961), presidente de uma entidade – o Instituto Berggruen para a Governança – dedicada ao estudo de modelos eficientes de Governo, está convencido de que “se não transferir mais poderes para o centro, a Europa permanecerá em crise”. Berggruen é um investidor internacional com uma destacada participação no PRISA, grupo que edita o jornal EL PAÍS.
Pergunta. O senhor defende uma União Europeia com maiores competências, mas os partidos populistas que se opõem a essa ideia estão no seu apogeu. Acredita que haja margem política real para avançar nesse caminho?
Resposta. O apogeu dos populistas e nacionalistas é, em certo sentido, um desafio útil. Porque evidencia coisas que não funcionam em Bruxelas e porque força um debate sobre o projeto europeu. O resto do mundo está em recuperação, só Europa que não. A razão, além dos problemas de competitividade de alguns países, são os problemas estruturais na arquitetura da União. A UE é um projeto inacabado. Para funcionar, precisa federar alguns poderes. Só alguns: política externa, fiscal, energética, transporte e alguns outros. O resto se administra com maior eficácia em escala local ou nacional. Mas, se não for contemplada essa cessão de poderes a Bruxelas, a Europa permanecerá em crise. Infelizmente, muitos líderes europeus relutam em ceder competências e inclusive a nomear dirigentes carismáticos em Bruxelas. Precisamos ter consciência de que o projeto europeu pode ser freado, encolhido ou inclusive rompido.
As reformas põem a Espanha e Portugal em melhor posição para o futuro.
P. O presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy, deu na terça-feira por acabada a crise na Espanha. O senhor acha que é assim?
R. Estamos a meio caminho de acabar com a crise. Há duas coisas positivas neste momento: uma é que Europa permaneceu politicamente unida. Com muita ajuda do Banco Central Europeu (BCE), sem dúvida, mas unida até o fim. A outra é que a Europa quer ser competitiva, embora ainda tenha muito que fazer para conseguir isso. E alguns países demonstraram que querem ser competitivos mais do que outros, fazendo grandes reformas. O senhor Rajoy tem razão pela metade, Espanha e Portugal fizeram reformam dolorosas, mas elas colocaram os dois países em uma melhor posição para confrontar os desafios do futuro. Foram feitas grandes mudanças para atrair investimentos, sobretudo no mercado trabalhista, mas isso não é suficiente: é preciso criar demanda, ter financiamento, formar empregados qualificados e estimular a vontade de correr riscos por um negócio. É verdade que, se não for criado pelo menos um ambiente favorável aos investimentos, você não tem nada, e a Espanha e Portugal fizeram muito para obter esse ambiente, mas o trabalho não está terminado. França e Itália devem prestar muita atenção ao que se fez na Espanha.
Se à informação se acrescentar análise e opinião de qualidade, as pessoas pagarão.
P. Têm ocorrido muitas mudanças no setor dos meios de comunicação. O proprietário da Amazon entrou no The Washington Post, o do EBay planeja um veículo digital, e no conselho do grupo PRISA entraram um empresário mexicano do setor do transportes e outro norte-americano do setor de comunicação. O senhor vê esses movimentos como simples investimentos ou como apostas chaves para dar um impulso ao setor em longo prazo?
R. Como todos os setores, o de comunicações está mudando. O jornal EL PAÍS passou por um doloroso processo de transformação, assim como outros veículos na Espanha e no planeta inteiro. Em um mundo digital, com muita informação disponível e gratuita, alguns meios só sobreviverão a essas profundas mudanças se forem capazes de se adaptarem, e acredito que o EL PAÍS será um deles. Há grandes jornais, sobretudo nos Estados Unidos, que perderam muito poder de influência. Isto fez com que algumas pessoas sintamos que há uma necessidade de oferecer jornalismo de alta qualidade. Esses investimentos precisam ter um sentido econômico em longo prazo, mas não são feitos por razões puramente econômicas. Isto é o que quer fazer Jeff Besos [dono da Amazon] no The Washington Post, e o Instituto Berggruen em projetos como o The World Post, onde se dá voz às pessoas que tem algo realmente importante a dizer em todos os cantos do mundo, e se faz da melhor forma que se pode fazer, em formato digital. Acredito que a oferta de informação é que deve se adaptar à demanda. A maior parte será digital, mas é necessário se diferenciar. Acredito que, se à informação se acrescentar a análise, a opinião de qualidade e temas especiais, as pessoas pagarão por isso.
P. Que futuro antevê para o PRISA?
R. O PRISA passou por momentos muito difíceis em um cenário econômico muito complicado na Espanha. Mas tem marcas muito potentes, e seu desafio é se adaptar às mudanças e se manter forte. Fez-se muito, mas o processo de transformação não terminou. Entretanto, com uma situação de endividamento que agora é estável, está em posição de ter um futuro, quando há apenas um ano ninguém podia ter certeza disso.
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