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O martelo do ajuste português

O Tribunal Constitucional anula, um após o outro, os cortes sociais do Governo conservador de Passos Coelho

Antonio Jiménez Barca
Aposentados portugueses jogam cartas em um parque de Lisboa.
Aposentados portugueses jogam cartas em um parque de Lisboa.Francisco Seco (AP)

No Parlamento português, a oposição política ao Governo do conservador Pedro Passos Coelho tenta ganhar terreno sem sucesso em minoria, incapaz de frear a onda de cortes que são aprovados mês após mês. Na rua, o protesto social, intermitente e cada vez mais resignado, assiste com uma crescente impotência à diminuição constante de salários e ao aumento dos impostos. Só uma instituição portuguesa tornou-se nos últimos anos a única barreira eficaz ante os ajustes de um Governo (castigado pela troika): o Tribunal Constitucional. Os 13 juízes vestidos de preto divulgam comunicados breves e algo tortuosos sobre as sentenças que devolvem à gaveta das más ideias projetos de lei propostos a direcionar o orçamento à base de cortes e mais cortes na esfera pública.

Por unanimidade (o que é raro) anularam na noite da quinta para a sexta-feira, pela quarta vez na legislatura, um projeto de lei essencial de Passos Coelho. Neste caso trata-se da intenção de cortar em 10% as pensões dos servidores públicos aposentados, cerca de 300.000 em Portugal. Os magistrados declararam que a medida é ilegal e viola a Constituição porque o interesse público que o Governo diz defender com a medida não justifica a quebra de expectativas de vida dos aposentados.

Os magiustrados anulam a redução das pensões e as de paga-as extra

Antes de receber esse golpe, Passos Coelho via como os juízes jogavam por terra, por duas vezes, em 2012 e 2013, a eliminação dos salários extras e, também em 2013, uma lei que cortava os direitos trabalhistas dos funcionários públicos.

Deste modo, os magistrados portugueses colocam em uma nova enrascada orçamental e financeira o Governo português, ocupado, quase obsessivamente desde que tomou o poder em junho de 2011, em encontrar locais da esfera pública para cortes e poupar a fim de cumprir com os ditados da troika, que emprestou ao país 78 bilhões de euros (254 bilhões de reais) em abril de 2011.

O calendário é rígido: em seis meses, Portugal sai da tutela da troika e, na teoria, deverá voltar a se financiar sozinho nos mercados. Da saúde de sua economia dependerá que saia “à irlandesa”, isto é, sem nenhuma ajuda adicional da União Europeia ou, o que é mais provável, com uma espécie de muletas financeiras que lhe ajudem a dar os primeiros passos. Também existe uma terceira possibilidade: que os mercados se neguem a emprestar dinheiro a juros razoáveis em vista da asfixia da economia lusa e que o Governo português se veja obrigado a pedir um segundo resgate. O que isso representaria? Aí está o espelho grego para se ter uma ideia.

O primeiro-ministro assegurou ontem, com uma frase que escondia verdadeiro caráter vingativo diante da decisão do tribunal: “Se Portugal não encontrar financiamento, não poderá pagar os salários”. Mas as pressões resultaram inúteis. E o Governo português está de novo entre a cruz e a espada. A oposição de extrema esquerda cobra sua demissão. O Partido Socialista português pede ao presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, que encaminhe aos juízes todo o orçamento do ano que vem. Desta forma, o problema pioraria de forma imprevisível.

Por enquanto, Passos Coelho não só deverá encontrar rapidamente onde cortar os cerca de 400 milhões de euros (mais de um bilhão de reais) que já não poderá poupar com as pensões dos servidores públicos. De quebra, terá de convencer os mercados de que nada acontece. Os mesmos mercados cujos especialistas, quando vêm para Portugal a elaborar seus relatórios, sempre colocam o Tribunal Constitucional como um dos principais geradores de risco e incerteza.

María Rosário Gama, presidenta da ativa associação de aposentados de Portugal, tem outra ideia sobre as decisões desses magistrados, e ontem a expressou assim: “Ainda bem que ainda temos uma Constituição que defende os portugueses”.

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