A Espanha só permitirá o aborto por estupro ou risco da mãe
O Governo aprova uma lei de “proteção à vida do concebido”, na qual volta a um sistema de hipóteses e abandona o de prazos
O Conselho de Ministros da Espanha aprovou nesta sexta-feira o anteprojeto da Lei Orgânica de Proteção dos Direitos do Concebido e da Mulher Grávida, uma norma que suprime o direito ao aborto tal qual estava previsto na chamada “lei de prazos”, aprovada em 2010 pelo Governo socialista de José Luis Rodríguez Zapatero.
Com a nova lei, a gravidez só poderá ser voluntariamente interrompida em dois casos: grave perigo para a saúde física ou psíquica da mulher, até a 22ª. semana, ou em caso de estupro, até a 12ª.. Com essa mudança, o Executivo de Mariano Rajoy consuma a marcha a ré previamente anunciada e aprova a lei mais restritiva do período democracia. A normativa suprime hipótese que permite a interrupção da gravidez em caso de anomalia fetal grave. O movimento é um gesto do Governo para seu eleitorado mais conservador e para a Igreja.
A partir de agora, o aborto na Espanha deixa de ser um direito da mulher – que podia interromper a gestação até a 14ª. semana – e volta a um sistema de hipóteses, como o que vigorou no país de 1985 a 2010. Só que mais restrito. Aquele modelo amparava o aborto por má formação, e o novo só deixa uma porta aberta neste sentido: a mulher poderá abortar se sofrer um dano psicológico em decorrência do diagnóstico de uma patologia fetal “incompatível com a vida”. Para isso, precisará de um laudo sobre sua saúde mental e de outro que confirme o diagnóstico da anomalia do feto. O ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón, informou que, após a 22ª. semana de gravidez – na qual se situa o limite legal – a mulher só poderá interromper a gestação quando a anomalia fetal “incompatível com a vida” lhe causar “grave perigo” à saúde psicológica, mas desde que “as anomalias não tenham sido detectadas antes com um diagnóstico certeiro”.
Com a mudança para o modelo de hipóteses, a Espanha se afasta de seus vizinhos europeus. As leis de prazos, como a vigente até agora na Espanha, são majoritárias na União Europeia. Só quatro países têm leis em não há um período em que a decisão de abortar é livre: Reino Unido, Finlândia, Polônia e Chipre. Todos eles contemplam como uma hipótese específica o aborto por má formação.
A seguir, os principais aspectos antecipados por Gallardón:
1. O aborto é permitido se existir “depreciação importante e duradoura” para a saúde física e psíquica da mulher, ou um perigo grave para a sua vida. A outra hipótese é que haja “delito contra saúde ou indenidade sexual” da mulher (estupro).
2. O prazo para a primeira hipótese (risco para a saúde física ou psíquica da mulher) será de 22 semanas de gestação, e para a segunda (estupro), de 12 semanas. Para poder recorrer à segunda possibilidade é necessário ter denunciado a agressão.
3. O risco para a saúde física ou psíquica da mãe deverá “ser acreditado de forma suficiente com dois laudos emitidos por dois médicos diferentes do que praticam o aborto”. Os profissionais devem ser “especialistas na patologia que gera essa decisão”. Depois de os médicos avaliarem a mulher, esta receberá informação “verbal” por parte de um “colaborador do sistema público” sobre as alternativas à interrupção da sua gravidez; depois disso, será obrigada a esperar “pelo menos sete dias” (em vez dos três atuais) para tomar sua decisão.
4. Os médicos que realizarem a avaliação da mulher ou do feto não poderão trabalhar na mesma unidade hospitalar onde ocorrer a intervenção.
5. Quando o perigo para a saúde psíquica da mãe tiver como causa uma “anomalia fetal incompatível com a vida”, será necessário um laudo médico sobre a mãe e outro sobre o feto, de forma “que fique provada tal anomalia”.
6. Se a anomalia incompatível com a vida não puder ser detectada clinicamente “com um diagnóstico certeiro” nas 22 primeiras semanas de gestação, o aborto também poderá ser praticado depois, desde que se cumpram os requisitos anteriores.
7. É permitida a objeção de consciência de todos os profissionais de saúde que participem ou colaborem no processo de interrupção da gravidez (diagnóstico e intervenção). Para isso, o profissional deverá comunicar a situação por escrito ao diretor do centro médico até cinco dias depois de começar a trabalhar no local. Sua decisão será incluída no seu prontuário pessoal, que será restrito e confidencial. O exercício desse direito, que não admite modulações, poderá ser modificado a qualquer momento.
8. Fica proibida a publicidade das clínicas que praticam abortos. “Não é um produto de consumo, e essa informação só deve ser dada por especialistas”, afirmou Gallardón.
9. Para que o consentimento das menores de idade seja entendido como “informado e livre”, ou seja, para que elas possam abortar sob as hipóteses previstas em lei, será obrigatória “a participação dos titulares do pátrio poder”, sejam eles os pais ou tutores.
10. A prática do aborto fora das hipóteses estipuladas não acarretará punição penal para a mulher. “É a primeira vez na história da Espanha em que se libera a mulher da possibilidade de sofrer qualquer recriminação penal”, disse o ministro. Gallardón não especificou, entretanto, se haverá sanção administrativa. O que ele assegurou é que o médico que violar a lei será de fato punido conforme a norma em vigor.
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