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O Brasil aprende a beber espumante e valoriza o produto ‘feito em casa’

Em dez anos, a produção da bebida cresceu mais de 300% no país. Vinícolas apostam em tecnologia para abastecer um mercado de consumidores sedentos pela fermentação nacional.

Marina Rossi
Uma taça de espumante, com parreiras de uva ao fundo.
Uma taça de espumante, com parreiras de uva ao fundo.

A primeira surpresa quando se toma um espumante produzido no Brasil vem do paladar. O sabor, normalmente leve e fresco, cumpre bem o papel de um vinho dessa categoria. A segunda, possivelmente, será seu cérebro confuso - ainda na primeira taça - não lá pelo final da garrafa, quando qualquer confusão já é de se esperar. O levantar de sobrancelhas é fatalmente precedido pela pergunta: Mas é brasileiro?

Sim. O país da cachaça anda desbravando outros mercados etílicos e não é de hoje. Há algumas décadas descobriu-se que a região sul do Brasil tem solo e clima propícios para a produção de espumante. Calor na medida, chuva abundante e relevo irregular tornam algumas cidades do Rio Grande do Sul, estado que faz fronteira com a Argentina, grandes produtoras dessa festejada bebida. “Na década de 1970, com a chegada de empresas como a Chandon no Brasil, descobriram que o terroir brasileiro era bom para a produção de espumante”, explica o diretor-superintendente da Miolo, Adriano Miolo. “Hoje, trabalhamos para que todos os bares e restaurantes comercializem a bebida, para que beber espumante faça parte do dia a dia e não apenas de comemorações especiais”, diz.

Esse trabalho tem rendido bons frutos. De acordo com o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), as vendas de espumante cresceram exponencialmente na última década. Enquanto em 2002, o consumo de espumante nacional foi de 4,2 milhões de litros, em 2012 esse número saltou para 14,7 milhões de litros. Entre os estados que mais compram a bebida, São Paulo lidera, representando 28% do mercado.

Espumantes brasileiros. / Gilmar Gomes Divulgação
Espumantes brasileiros. / Gilmar Gomes Divulgação

Além do investimento das vinícolas em tecnologia, da geografia e da meteorologia, que tratam bem as uvas, outro fator também está a favor do consumidor na hora de abrir um espumante. “O nosso clima não favorece o vinho tinto. Como abrir uma garrafa de vinho tinto nesse verão? Está fazendo uns 34 graus lá fora!”, diz a nutricionista e sommelier, Erika Mesquita, do Triângulo Mineiro, no Estado de Minas Gerais, na região sudeste do Brasil. Com a forcinha que o clima pode dar, as produtoras de vinho perceberam, na virada do milênio, que havia um nicho a ser explorado. “Foi nessa época que todo mundo saiu para comprar algum espumante para brindar o reveillon, já que não sabiam se o mundo ia acabar ou não”, brinca a diretora-executiva da vinícola Salton, Luciana Salton.

O clima ajuda, mas os especialistas concordam que o brasileiro está mais aberto para experimentar outras bebidas - além da cerveja -, e com mais dinheiro para gastar. “Há uma certa incorporação do espumante no consumo. Antes era bebida de festa, agora não”, explica Salton. E as vinículas já sabem bem desse novo hábito do brasileiro. Por isso, hoje, mais de 50 produtoras fazem espumante no Brasil. Não é para menos que mais de 70% dos espumantes consumidos no país são made in Brazil. Preocupada em abastecer esse mercado cada vez mais sedento, a Salton, maior vinícola de espumantes do país, prevê que a produção de borbulhas neste ano alcance oito milhões de garrafas.

E, a cada ano, o espumante brasileiro recebe pontuações e boas críticas de experts da bebida em todo o mundo. Recentemente, o Vale dos Vinhedos, localizado na Serra Gaúcha, entre os municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul, recebeu o selo de Denominação de Origem, o que significa que os vinhos produzidos nessa região devem obedecer a regras específicas em relação à plantação da uva e elaboração do vinho, além de valorizar as peculiaridades da região. Para se ter uma ideia, o champagne, produzido na região de Champagne, na França, só leva este nome porque também tem um selo de Denominação de Origem.

O clima ajuda, mas os especialistas concordam que o brasileiro está mais aberto para experimentar outras bebidas - além da cerveja -, e com mais dinheiro para gastar

O espumante brasileiro, a cada taça, avança como uma bebida mais reconhecida e peculiar. Inclusive no exterior. No ano pasado, 18,7% da produção nacional foi para o mercado externo, o equivalente a 172 000 litros. Em 2011, a exportação tinha representado 12,7% da produção local, o que comprova que não só os brasileiros se deleitam com a bebida nacional.

“Como o espumante brasileiro ganhou vários prêmios na França, ele está em paridade com os vinhos franceses”, compara o sommelier Frank Bischoff, que ao longo de seis anos trabalhando em uma loja de vinhos de São Paulo, viu a oferta de espumantes nacionais crescer 60% nas prateleiras.“Os críticos de vinho estão falando muito lá fora sobre o espumante brasileiro. Existe o champagne da França, o prosseco da Itália e a Cava da Espanha, mas faltava algo novo, algo do novo mundo, e o Brasil chega para tomar esse espaço”, explica a supervisora de importação da Aurora, Rosana Pasini. No que depender do consumo cada dia maior, os produtores podem colocar o espumante para gelar.

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