O Senado italiano aprova a cassação de Silvio Berlusconi
A saída se realiza três meses após ter sido condenado a quatro anos de prisão por fraude fiscal
Dizem que há dias não dorme, que alterna momentos de depressão profunda com outros de uma euforia desproporcional que o leva a exclamar: “Juro que voltarei ao Palácio Chigi!”, a sede do governo. O sempre teatral Silvio Berlusconi está perdendo o juízo. Pensando bem, não é de se estranhar. Esta quarta-feira, 27 de novembro de 2013, entrou para a história da Itália como o dia em que o Senado da República cassou, depois de duas décadas de presença ininterrupta no Parlamento, o político e magnata conhecido como Il Cavaliere, um título honorífico que – as desgraças nunca chegam sozinhas – ele também pode perder. Mas, sobretudo, mais do que a vaga parlamentar e o título, o que Berlusconi realmente teme perder é a imunidade – essa blindagem tão eficaz contra os processos de todo tipo que salpicaram e continuam salpicando sua carreira política, e que estão prestes a se transformarem na sua tumba.
Ao Cavaliere só lhe resta a rua. E a ela apelou durante o dia de hoje. Dezenas de ônibus carregados de fiéis – “o exército de Silvio” – chegaram a Roma. Ao mesmo tempo em que o Senado debatia sua cassação, Berlusconi tomava um banho de povo junto ao seu “exército” no exterior do edifício, insistindo na mensagem de sempre: “Em nenhum país civil e democrático, na história, nenhum político sofreu uma perseguição desse tipo”. Berlusconi voltou a acusar os juízes que o condenaram de terem sido nomeados a dedo para prejudicá-lo. “Este é um dia de luto para a democracia”, afirmou, “mas precisamos continuar em campo. Não é o líder de centro-direita que já não é senador. São os líderes do Governo que não são parlamentares. Nem [Beppe] Grillo nem [Matteo] Rinzi [o prefeito de Florença, favorito nas primárias do Partido Democrático]”. E insistiu: vai disputar as eleições à frente do seu partido, o Forza Italia. “Nunca na minha vida me esquecerei deste dia”, disse o Cavaliere ao se despedir dos seus seguidores. “Viva a Itália, viva o Forza Italia, viva a liberdade”.
Mas, apesar de tudo, os 321 senadores da República reunidos no Palacio Madama rejeitaram sucessivas emendas à decisão da comissão parlamentar sobre a cassação de Berlusconi. A votação, prevista para as cinco da tarde na hora local (inicialmente sete), atrasou por uma questão técnica: os berlusconistas exigiam que o voto fosse secreto, enquanto a maioria pedia voto aberto. Finalmente, por volta de quinze para as seis, foi encerrada a sessão: Silvio Berlusconi já não é senador pela região de Molise.
A expulsão do Cavaliere ocorreu em virtude da chamada Lei Severino, um pacote de medidas contra a corrupção na política aprovado durante o governo tecnocrata de Mario Monti. Segundo essa lei, ficam inelegíveis ou, como nesse caso, incapacitados de manter o cargo todos os políticos condenados a mais de dois anos de prisão com sentença definitiva. E Berlusconi se enquadra nisso porque, no último mês de agosto, o Tribunal Supremo o condenou a quatro anos de prisão (dos quais só terá de cumprir um, graças a uma anistia) por fraude fiscal no chamado caso Mediaset.
A Lei Severino é “perfeitamente aplicável ao senador Berlusconi”, afirmou o relator da comissão que pediu a cassação do Cavalieri, o ecologista Dario Stefano. Com a votação praticamente perdida – bastariam os votos da esquerda e do Movimento 5 Estrelas, de Beppe Grillo, para mandar Berlusconi embora –, os seguidores do veterano líder decidiram que a melhor defesa é o ataque. “Seu único objetivo é eliminar Silvio Berlusconi”, disse a senadora Manuela Ripetti, vestida de preto – “de luto pela democracia” – com o resto dos parlamentares do Forza Italia. “Vocês não perdoam quem os impediu de governar durante estes 20 anos, quem os impediu de meter a mão no país”, afirmou.
A sessão esquentou e a senadora Paola Taverna, do Movimento 5 Estrelas, afirmou que “a decadência [a cassação] de seu mandato é a única coisa que importa a Berlusconi. Ele não dá a menor importância para a decadência do país”. Os senadores pró-Berlusconi responderam inflamados. “Este é o espetáculo que dão ao país ao vivo pela televisão”, afirmou o presidente do Senado, Pietro Grasso.
Para maior escárnio, esse dia D e essa hora H, há tanto tempo temidos por Berlusconi – e há tanto tempo sonhados pela oposição –, chegam em um momento de fragilidade extrema. Não tanto porque ele tenha 77 anos ou porque seu médico particular tenha tido que subir à tribuna recentemente para evitar que Berlusconi desmaiasse, mas porque a centro-direita, após dedicar tanto empenho – e tanto dinheiro – a manter sua união, finalmente se esfacelou. A traição de seu delfim Angelino Alfano, que fundou a Nova Centro-Direita, levando com ele um bom número de deputados e senadores, acabou lhe dando uma punhalada, ainda que os alfanistas tenham votado contra a cassação de Berlusconi. O Cavaliere não representa nem sequer a capacidade de ameaça, na qual – à falta de votos suficientes para governar – baseou sua estratégia nos últimos tempos. Sua decisão oficial de que não vai colaborar mais com o Governo de coalizão – quando foi que colaborou? – não implica mais nenhum perigo para o social-democrata Enrico Letta. Berlusconi não vai conseguir derrubar o Executivo como fez cair o Governo de Mario Monti. Por não ter – ele que tanto teve – nem a influência para que o presidente da República, Giorgio Napolitano, conceda-lhe a graça do indulto sem nem sequer pedi-la.
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