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China lança as maiores reformas econômicas e sociais em décadas

O Comitê Central do PC Chinês decide também reduzir os delitos puníveis com a pena de morte

Prisioneiros do campo de trabalho de Xian em 2006.
Prisioneiros do campo de trabalho de Xian em 2006.EFE

A China iniciou o seu maior plano de reformas econômicas e sociais em várias décadas. E, ao mesmo tempo, rompeu com algumas heranças do passado. O país asiático decidiu liberalizar mais os mercados, conceder um papel maior à empresa privada, acabar com os campos de reeducação pelo trabalho, suavizar a política do filho único e reduzir “passo a passo” o número de crimes puníveis com a pena de morte, segundo um documento divulgado na sexta-feira passada pela agência oficial de notícias Xinhua, contendo as decisões adotadas na Terceira Sessão Plenária do 18º. Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC), encerrada na terça-feira (13) após quatro dias de deliberações.

O texto apresenta detalhes à lista de conclusões gerais emitida após o encerramento da reunião, em que o principal destaque foi o impulso à iniciativa privada na economia e a criação de um comitê de segurança estatal, concentrando mais poderes sob ordens diretas do presidente Xi Jinping.

Os detalhes apresentados na sexta-feira eliminam qualquer dúvida sobre a consolidação de Xi Jinping no poder e a intenção dos líderes chineses de reformarem em profundidade a economia para torná-la menos dependente dos investimentos e exportações, e mais do consumo interno. A chave será agora a implantação desse ambicioso pacote de medidas.

A nova política do filho único determina que casais nos quais o pai, a mãe ou ambos sejam filhos únicos poderão ter dois filhos. Entre as decisões de caráter social que foram adotadas figura também o compromisso de “trabalhar para proibir a extração de confissões mediante tortura e abusos físicos”. Além disso, serão abolidas as restrições de residência nas cidades pequenas e nos municípios, os sistemas previdenciários urbano e rural serão integrados, a conversibilidade das contas de capitais vai se acelerar, e será criado um imposto ambiental.

Os preços dos combustíveis, eletricidade e outros serviços serão decididos principalmente pelo mercado. Será aperfeiçoado o mecanismo de fixação da taxa de câmbio, haverá incentivos à liberalização das taxas de juros, e haverá melhorias no nível de conversibilidade do yuan nas transações internacionais. Além disso, será promovida a participação privada em projetos estatais, e se impulsionará a proteção ambiental.

A eliminação das restrições de residência nas pequenas cidades é um passo para a supressão – num futuro ainda distante – do registro de residência, ou hukou, que liga cada pessoa ao seu lugar de nascimento, o que na prática impede que habitantes de zonas rurais migrem com suas famílias para as cidades, pois lhes falta o hukou urbano, impedindo-os de terem acesso aos mesmos direitos educacionais e de saúde que os nativos. Com a modificação do sistema, Pequim quer acelerar os planos de urbanização, levando dezenas de milhões de camponeses a se mudarem para as cidades e, consequentemente, a consumirem mais. Os camponeses receberão o direito de “possuir, utilizar, beneficiar-se e transferir as terras das quais tenham contrato (de uso)”, segundo a Xinhua. Na China, todas as terras são propriedade do Estado.

Ainda segundo o documento, haverá “uma maior abertura do setor bancário, desde que que sejam reforçadas as regulamentações, e se permitirá que o capital privado qualificado estabeleça bancos pequenos e médios”. O texto acrescenta que “até 2020, 30% dos dividendos dos capitais de propriedade estatal terão de ser entregues ao governo”. Atualmente, o percentual varia de zero a 15%. “O dinheiro será utilizado para melhorar a vida das pessoas”, afirma.

A reeducação pelo trabalho é um controvertido sistema de detenção que permite à polícia encarcerar pessoas por até quatro anos, sem necessidade de julgamento. Ele já foi alvo de críticas dentro e fora do país por parte de defensores dos direitos humanos, ativistas e advogados, que consideram que a prática viola os direitos do cidadão, contraria os procedimentos judiciais e descumpre a Constituição chinesa. Em setembro, a cidade de Cantão (capital da província de Guangdong, no sul) anunciou que eliminaria esse castigo até o final do ano.

O sistema, conhecido como “laojiao”, foi criado na década de 1950, a partir do modelo soviético, pouco depois da chegada ao poder de Mao Tsé-tung, em 1949. Desconhece-se o número real de pessoas que estão internadas em campos de reeducação pelo trabalho. A rede de televisão pública CCTV assegura que são 310 mil. O Ministério de Justiça afirma que em 2008 havia 160 mil internos.

O país asiático estudava havia anos uma modificação no sistema, que já estava caindo em desuso, mas a decisão foi sucessivamente adiada, em particular pela oposição do Ministério da Segurança Pública, que tinha advertido para o risco de instabilidade social. A chegada de uma nova geração de líderes no 18º. Congresso do Partido Comunista Chinês, em novembro passado, com a promessa de criar uma “sociedade harmoniosa”, deu impulso à decisão.

Os líderes chineses haviam avisado que a Terceira Sessão Plenária do 18º. Comitê Central seria um evento “sem precedentes”, e a imprensa estatal traçava certo paralelismo com a Terceira Sessão Plenária do 11º. Comitê Central, em 1978, na qual Deng Xiaoping deu início ao processo de abertura e reforma que mudaria para sempre o rumo da China. Em 1993, foi estabelecido o chamado sistema socialista de economia de mercado, com incentivos à empresa privada.

Na plenária de 2013, Pequim decidiu aprofundar as reformas econômicas para garantir que o mercado desempenhe um papel “decisivo” na distribuição de recursos, embora seja mantido “o papel dominante da propriedade pública”. Mas o Comitê Central também deixou claro que não haverá transformações democráticas ao estilo ocidental. O leque de decisões adotadas é amplo e ambicioso, embora boa parte já fosse esperada. Muitas das mudanças estavam em estudo havia muito tempo, e inclusive foram testadas em menor escala em algumas províncias. Os mandatários chineses são fanáticos pelos ensaios prévios e pelo avanço progressivo – bons seguidores da escola de Deng.

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