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Gregório Duvivier: “Nossa esperança de mudança não pode vir do Lula”

Humorista fala sobre a estreia nesta sexta de 'Greg News', seu novo programa na HBO

O humorista Gregório Duvivier, no Rio.
O humorista Gregório Duvivier, no Rio.Eduardo Zappia
María Martín

Gregório Byington Duvivier (Rio de Janeiro, 1986), escritor, ator, roteirista, humorista e colunista, agora também é apresentador. Apresentador de notícias. Seu novo programa, chamado Greg News, é inspirado no Last Week Tonight, do norte-americano John Oliver, e estreia nesta sexta-feira na HBO. Ele sugará o lado cômico do suculento noticiário brasileiro e promete bater para tudo que é lado. “A piada é uma ótima maneira de se falar a verdade", diz no pátio da casa, onde também produz o Porta dos Fundos.

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Sempre na defesa das pautas progressistas, Duvivier lamenta a possível escolha de Lula como candidato à presidência no próximo ano e que a esquerda esteja apenas preocupada com 2018, e não com a micropolítica do cotidiano. "A grande questão hoje é 2018, sendo que estamos num Brasil nojento, onde ninguém vai votar conscientemente para o Legislativo e vai continuar tudo igual".

Pergunta. Dizem que com o programa você vai conquistar os isentões. Conte mais.

Resposta. As pessoas falam muito da polarização e acho que ela realmente existe, mas que bom que o Brasil está muito polarizado. Porque a outra opção é o fascismo, a unidade de pensamento nacional. Ainda assim é uma parcela muito pequena de pessoas que, realmente, estão de um lado ou de outro. A maioria do país, na qual eu me incluo, gostaria de entender e apurar melhor o que está passando e não sabe muito onde. Os jornais ou são muito áridos ou são duvidosos. Há uma desconfiança enorme na imprensa e muito justificada.

P. Você pretende ser um complemento da mídia tradicional? Isto é, vai ser um programa sério de humor?

R. Exatamente. Eu acredito que humor e informação não são contraditórios, são complementares. A piada é uma ótima maneira de se falar a verdade e eu sinto falta disso. Humor no Brasil, em geral, é muito sem embasamento. E do outro lado, o jornalismo não se empenha em criar um texto mais gostoso e em ser mais franco, ele não tem a franqueza do humorista, no sentido de tirar a roupagem da imparcialidade. A gente vai ser parcial, mas não vamos mentir para você. Parcialidade não é sinônimo de mentira.

"Eu acredito que humor e informação não são contraditórios, são complementares"

P. Quais são os primeiros temas que vão tratar?

R. Odebrecht e Escola sem Partido. Nos próximos, a gente quer falar muito sobre a questão indígena. É fundamental. A Funai está demitindo índios, não tem mais um índio, cara! Temos um Ministério da Justiça abertamente anti-indígena, racista e que está tirando tudo que é indígena de um órgão que é para os índios. Eu já não entendo o presidente da Funai não ser um índio! É uma pauta urgente. O Brasil tem muito assunto. Quero muito falar sobre a reforma trabalhista e da reforma da previdência, mas de um ponto de vista que não seja o da polarização redutora. Não acho que tenha que ser um debate tipo “nenhum direito a menos!”. Calma aí, tem direitos que são privilégios. Sou a favor sim de uma reforma, mas uma reforma que corte de quem tem demais, e no Brasil tem muita gente que tem demais, como o Judiciário. Temos que debater isso. Você pode ser contra esse Governo e ser a favor de alguma reforma possível, mas que não sejam essas, pelo amor de Deus!

P. O Brasil virou uma máquina de produzir notícias surreais. Lembra qual manchete você teve que ler três vezes para verificar que era verdadeira?

R. “Cassetete atinge estudante”.... Que cassetete! O cassetete não atinge uma pessoa, é um PM que atinge, né? Outra: “O ministro da Justiça disse que suposto índio foi agredido”... Como assim? A pessoa se fantasiou de índio, Carnaval, e foi para Brasília? Suposto índio, sabe? E o jornal dá isso. Outra é “Demissão em massa de índios da Funai”, uma fundação indígena que não tem índios. E é muito comum isso no Brasil. A gente tem um Partido da Mulher que não tem mulheres e é presidido por um homem. Tem o Tucanafro, uma ala do movimento negro no PSDB, e sua presidenta é uma loura. É muito brasileiro isso.

P. A contradição absurda é muito brasileira?

R. Tenho a impressão de que o debate brasileiro não tem o mínimo. Você pode ser um cara de direita ou de esquerda, com mil matizes possíveis, mas temos que partir de mínimos. Pode ter a opinião que você quiser, mas a Funai é um órgão que tem que ter índios. Aquilo que o mundo já percebeu, como os direitos humanos, aqui no Brasil é considerado uma pauta de esquerda. É um absurdo. Invenções fundamentais para o Ocidente não chegaram no Brasil, tipo o Estado laico. Uma prova de que a separação entre Igreja e Estado, que é um advento da modernidade, não chegou aqui é que temos pastores deputados que não deixam de ser pastores deputados. Porra, é incompatível! Você não pode legislar com a Bíblia.

P. O Datafolha diz que 34% dos brasileiros sentem vergonha de ser brasileiros. Você acha pouco?

Eduardo Zappia

R. Sinto isso no Brasil, e acho muito ruim. Sou muito contra o nacionalismo, não me identifico com o sentimento nacional mas, ao mesmo tempo, acho esse ódio ao Brasil muito estéril. Justifica muito nosso atraso. A gente considera volta e meia que certas coisas não dão certo aqui. Na legalização das drogas, por exemplo, você ouve: “Ihh, mas isso é uma coisa para país desenvolvido. Aqui não dá certo, não”. Como se nós fôssemos uma subespécie na qual certas coisas não dão certo. Quando alguns países na Europa legalizaram o aborto não se aumentou vertiginosamente o numero de mulheres que abortaram, mas aqui é: “Sei lá, aqui é diferente”. Por que você acha que o brasileiro é um ser humano pior, tão diferente dos outros? É o famoso complexo de vira-lata. Muita gente acha que somos o que merecemos. O discurso da meritocracia colou muito no Brasil, então há muita gente que pensa que o pobre merecer ser pobre, por ele trabalha menos, né? Ele é um vagabundo e você fala assim: “Ah, cara, mas você não percebe que essa reforma trabalhista favorece o patrão?” E te respondem: “Mas o patrão é patrão porque ele merece, porque ele chegou lá, né?”. Não tem uma consciência de opressão ou de classe. Tem muito a ver com a baixa autoestima, é quase um sentimento de casta. A ideia de que todo o mundo tem o que merece eu acho muito nociva, apavorante.

P. Você percebe o brasileiro deprimido?

R. Sinto muito essa depressão. A gente teve um falso apogeu dos anos Lula e Dilma, baseado no mercado internacional de commodities, e dizíamos “Wow, Brasil, primeiro mundo!”, mas não. Foi passageiro, na verdade, não se revelou um progresso duradouro ou relevante. Foi o boom do consumo, mas não da dignidade. E esse impeachment foi uma porrada muito grande também. Até os que torceram por ele sentiram: “Ué, foi para isso que a gente tirou a Dilma, sério?”. Não tem ninguém feliz. O Temer esta com uma taxa recorde de reprovação. Ninguém se vê retratado nele.

P. Você já reconheceu que como humorista não conseguiu bater no PT. Voltaria atrás?

R. Era muito difícil bater no PT porque, ao bater no PT, você se alinhava automaticamente ao que tem de pior no país. As pessoas já estavam batendo muito no PT por razões erradas. Eu tentava, escrevia artigos dizendo “vamos bater no PT pela questão ambiental?”, é um ótimo motivo. Mas não vi ninguém tirando a Dilma pelos desastres ambientais, por Belo Monte, por exemplo. O PT tampouco fez nada por resolver várias injustiças históricas no Brasil, mas ainda assim, a oposição era tão pior que, de alguma forma, bater no PT era você se alinhar a ela. As razões pelas quais Dilma caiu são abjetas, nojentas. Mesmo os que não concordam que foi um golpe, concordam que foi uma farsa.

Entrevista com Gregorio Duvivier

A repórter Maria Martin do EL PAÍS Brasil entrevista Gregorio Duvivier, que conta sobre seu novo programa 'Greg News' que estreia nesta sexta, 22h, na HBO.

Posted by EL PAÍS Brasil on Thursday, May 4, 2017

P. Esse teu engajamento político prejudicou tua carreira?

R. Em termos de dinheiro prejudicou. Não faço nenhuma campanha publicitária. A atividade publicitária de um artista é inversamente proporcional ao seu engajamento na política. Mas eu não me importo, não tenho ambição de ser rico. Acho muito mais constrangedor estar vinculado a certas marcas do que à política. Me falam “ah, tá muito vinculado à esquerda”, mas o que eu acho estranho é artistas se vincularem à Friboi.

P. Como você encara ser um dos principais alvos da direita, te abala?

R. Me abalaria muito se fossem pessoas que eu admirasse. Nunca ouvi uma musica do Lobão, sabe? Nunca li um livro do Reinaldo Azevedo. Acho um bom sinal que o Pastor Feliciano me critique, ele está em todos os aspectos da humanidade no oposto de mim. Por que que eu vou querer o amor desse cara? É uma doença, uma carência enorme a gente querer agradar todo mundo.

P. Por outro lado, você tem outros fãs, como o coordenador da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol.

R. Pois é, me surpreendeu. Levei um susto com esse cara porque, em geral, as pessoas não conseguem gostar do outro lado. Achei muito bonitinho por parte dele [Dallagnol disse em entrevista que acha Duvivier “um excelente humorista”, independentemente da ideologia]. Eu tenho um bom treino no Porta dos Fundos com meus colegas. A empresa diverge completamente de mim politicamente. Meus sócios são completamente de direita, votaram no Aécio, são liberais em termos de mercado... Estou acostumado, não brigo, há uma troca muito boa. Eu não abro mão de questões básicas como direitos humanos, agora, questões econômicas de liberalização do mercado, como se tem que ter mais ou menos Estado, a gente tem que discutir.

P. O que está acontecendo com a esquerda do Brasil? O que está fazendo de errado?

"A grande questão hoje é 2018, sendo que estamos num Brasil nojento"

R. Eu acho que um dos problemas é que a gente se importa muito com as eleições presidenciais, mas muito pouco com as Legislativas e muito menos com a micropolítica. A grande questão hoje é 2018, sendo que estamos num Brasil nojento, onde ninguém vai votar conscientemente para o Legislativo e vai continuar tudo igual. Acredito muito nas micropolíticas, mas as pessoas não têm escolhas políticas cotidianas mais conscientes. Este vai ser um dos objetivos do programa: tentar explicar que até a escolha de sua alimentação é política. Maconha, carne, carro, guerra ao tráfico, tudo isso é mais importante do que a eleição a presidente.

P. O que você acha de que seja Lula a grande figura para representar a esquerda em 2018?

R. Eu acho muito triste. Embora seja um afigura ultra carismática, um grande comunicador, é um cara que já provou que representa uma política muito velha. Nossa esperança de mudança não pode vir do Lula.

P. O que te parece mais extravagante. Luciano Huck ou Jair Bolsonaro como presidente?

"Eu tenho um bom treino no Porta dos Fundos com meus colegas. A empresa diverge completamente de mim politicamente"

R. Bolsonaro é mais trash porque é uma afronta aos direitos humanos. Apologia à tortura é foda, sabe? É um fascista no sentido original da palavra. Não admira a democracia, não admira a pluralidade, as diferenças. O problema de Luciano Huck é ideológico, mas dá para se dialogar. Luciano financiou muito tempo campanhas pela legalização da maconha, é um liberal no sentido americano. Faz falta no Brasil uma direita mais esclarecida, que não seja conservadora. Agora, acho muito perigosa a glorificação do empresário. As pessoas acham que quem vai gerir bem uma empresa vai gerir bem um país. Gerir um país é o oposto de gerir uma empresa. Uma empresa tem que maximizar o lucro, e um país não pode demitir seus deficientes físicos, por exemplo, porque não dão lucro. Como o Brasil desconfia de político está confiando em outras pessoas, no pastor, no empresário ou no militar. Os três grandes perigos que vamos enfrentar em breve.

P. Falando de pastores, você está com saudades de Eduardo Paes?

R. Não! Não estou mesmo. Acho que é muito perigoso estar com saudades de Eduardo Paes. O fato de ter políticos péssimos no Rio de Janeiro e de que a situação esteja péssima não faz com que tenha saudades dele porque a situação esta péssima por causa dele. Ele ficou dizendo que as contas do município estavam ótimas. Não! Município e Estado eram parceiros, ele e o [ex-governador Sérgio] Cabral eram uma chapa, e foi essa chapa que destruiu o Rio de Janeiro. A bomba estourou depois que ele saiu, mas não significa que ele não tenha armado essa bomba. Temos que lembrar disso o tempo todo para não ter saudades desses dois.

P. Como você está vendo esta decadência do Rio, com cenas de guerra e barbárie dia sim dia não?

R. É muito bizarro mesmo você pensar que esta cidade, que hospedou uma Copa, uma Olimpíada, e que o mundo inteiro olhou para ela, está quebrada. É um caso de péssima administração. O Rio esta nas mãos de uma corja pior que o Estado Islâmico. É corrupção aliada a um genocídio da população pobre. As pessoas falam: “É muito estranho a população das favelas não descer, né? Por que que não descem nos protestos?”. Porque há um genocídio. A favela não é pacífica e fofa porque geneticamente o pobre é mais fofo. Qualquer tentativa de insurgência tem sido punida com chacina. Há um apassivamento da população das favelas muito violenta por parte do Estado. As favelas têm sido silenciadas com sangue. É uma bomba que vai estourar em algum momento, e acho bom que estoure. Também sonho com o dia que a própria PM perceba que está contribuindo a manter uma ordem que a oprime, que um PM nunca está no topo da pirâmide. Quando esse sujeito perceber isso, também vai estourar. Vai ser muito bom que as classes oprimidas tenham essa consciência.

P. O que você aprendeu da onda de feminismo que estamos vendo em tantos países e que está fazendo, inclusive, que nós, mulheres, repensemos nosso papel na sociedade e entendamos abusos que antes considerávamos naturais?

R. O que aprendi com as leituras feministas, com minhas amigas, é que a gente naturaliza muitas injustiças. Pensar que é normal não ter mais mulheres escrevendo, por exemplo, está internalizado porque talvez não se interessam tanto por isso, né? Mas ai começamos a perceber que não existe nada de mais ou menos feminino em nenhuma atividade, seja humor, seja jornalismo, seja redação, seja o que for. E o mesmo vale para negros. Se existir, se não houver mulher, se não houver negro, é porque há uma injustiça histórica gigantesca. Temos que estar atentos para perceber que podemos achar as injustiças naturais.

P. Falando da presença de negros em todos os âmbitos, por que não há atores negros no Porta dos Fundos?

R. É isso. Hoje em dia tenho uma campanha. Estou tentando buscar. A gente fez uma grande pesquisa, buscou atores, vieram 100 e não tinha nenhum negro. E meus sócios que são mais liberais, que são anti-cotas, que são contra ações afirmativas, disseram: “Olha, a gente não tem que olhar para a cor”. A direita pensa que se um ator negro é bom de verdade ele vai chegar aqui para a gente e vai demonstrá-lo, que a gente não tem que fazer justiça. Só que o fluxo natural das coisas é a opressão, o mundo naturalmente não é justo e a gente precisa repará-lo.

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