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Trump sofre primeira humilhação pública com adiamento de sua reforma de saúde

Exigências dos herdeiros do Tea Party dividem os republicanos e obrigam o adiamento da votação

O presidente Donald Trump sentado ao volante de um caminhão, em encontro com os representantes do transporte.
O presidente Donald Trump sentado ao volante de um caminhão, em encontro com os representantes do transporte.CARLOS BARRIA (REUTERS)
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Donald Trump recebeu a primeira humilhação pública, vinda dos falcões do seu próprio partido. A votação da reforma do sistema de saúde, prevista para esta noite na Câmara dos Representantes, foi adiada após os radicais conservadores, agrupados no Freedom Caucus, terem se negado a apoiá-la nos termos defendidos pelo presidente dos Estados Unidos. Sua negativa, que impede a maioria republicana, tornou-se pública após uma tensa reunião com Trump, atrincheirado numa desesperada tentativa de implementar um projeto que ele mesmo exibiu com a sua grande bandeira. O golpe mostra a fraqueza presidencial e, se a votação não prosperar amanhã, ameaça outros grandes projetos, como a reforma fiscal, o plano de infraestrutura (um trilhão de dólares) e as leis migratórias.

A demolição do Obamacare uniu durante anos as hordas republicanas. Desde que o presidente democrata lançou o projeto, em 2010, os conservadores o consideram um compêndio dos males da esquerda. Para eles, é irrelevante que tenha ampliado a cobertura a 20 milhões de pessoas ou que haja vetado a cruel prática das seguradoras de rejeitar ou exaurir pacientes com doenças prévias. Para os republicanos, o sistema desenvolvido por Obama solapa a raiz da sua ideologia: amplia a burocracia estatal, aumenta o déficit e acaba com a liberdade de escolha.

Trump, com instinto político, soube monopolizar esse mal-estar. Em campanha e como presidente, atacou sem compaixão a criatura de Obama e anunciou que seria ele, e ninguém mais, quem a sacrificaria. Dito e feito. No início de março, quando o líder republicano na Câmara dos Representantes, Paul Ryan, apresentou o projeto alternativo, o presidente apropriou-se dele politicamente. Após o fracasso judicial do seu veto migratório, e com a chama do escândalo russo em seu encalço, a reforma da saúde transformou-se na sua grande válvula de escape. E sua primeira prova parlamentar.

O projeto apadrinhado por Trump elimina a obrigatoriedade do seguro médico, congela o programa para os menos favorecidos e acaba com o aparato tributário que nutre a rede assistencial. A desconstrução é profunda, mas não completa. Continua proibindo as seguradoras de rejeitarem pacientes com doenças prévias e dá longos prazos para desmantelar a obra do seu antecessor. O resultado é uma criatura que não satisfaz a ânsia “liquidacionista” dos radicais, mas tampouco cumpre a promessa de Trump de garantir a cobertura universal.

O Escritório Orçamentário do Congresso, organismo não partidário e cujos estudos gozam de reconhecimento geral, estabeleceu que a aplicação do plano republicano deixará 14 milhões de pessoas sem seguro médico no próximo ano e 24 milhões em uma década, o que elevaria a população sem cobertura a 52 milhões de pessoas. Também significaria uma alta das apólices de 15% para 20% nos próximos dois anos. Tudo isso foi desmentido pela Casa Branca, que insiste que ninguém ficará sem assistência e tomou, como única referência do estudo, a economia trazida por seu projeto: 337 bilhões de dólares (cerca de um trilhão de reais) em uma década.

Para os radicais, nada disso conta. Sua obsessão é que os seguros médicos fiquem mais baratos. Para isso, exigem a eliminação dos chamados serviços médicos essenciais, incluídos por lei nas apólices e que compreendem a medicina preventiva, o atendimento de urgência, a internação hospitalar, os cuidados mentais e a maternidade. Só se dispõem a aceitar a reforma com a remoção desses elementos. O pedido é praticamente suicida. Como recordou Paul Ryan, a incorporação do pedido dos falcões significaria que a reforma nunca supere o filtro do Senado, onde a maioria republicana é exígua (52 contra 48), e os moderados já anunciaram que rejeitariam uma lei que chegasse a esse ponto.

As negociações para superar o bloqueio são frenéticas. Trump, o vice-presidente Mike Pence e todas as forças da Casa Branca tentam avançar com o projeto. Mas os falcões, os últimos sobreviventes do Tea Party, batem o pé e não estão dispostos a recuar em troca de nada. A primeira tentativa, que deveria ser votada esta noite, foi adiada para amanhã. E isso pode se repetir. O prazo vai até segunda. Se Trump até então não conseguir aprovar a sua reforma da saúde, terá sofrido muito mais do que um revés parlamentar.

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