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Homicídio chocante faz Argentina discutir redução da responsabilidade penal

Assassinato de um adolescente por garoto de 15 anos reativa discussões sobre o tratamento judicial dado a menores de 18

Adolescente de 15 anos é conduzido por policiais no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, sob a acusação de matar outro menor no bairro de Flores.
Adolescente de 15 anos é conduzido por policiais no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, sob a acusação de matar outro menor no bairro de Flores.Telam

Um chocante assassinato no bairro portenho de Flores, onde o papa Francisco nasceu e foi criado, serviu como estopim para a retomada de um projeto polêmico que há tempos ronda a política argentina: a redução da idade de responsabilidade penal (não a maioridade penal) de 16 para 14 anos. A Argentina ainda mantêm cifras de latrocínios inferiores a outros países latino-americanos, mas esse é um problema crescente, sobretudo devido ao crescimento do narcotráfico – o Papa chegou a falar do risco de “mexicanização” do seu país –, e o Governo de Mauricio Macri lança mensagens constantes de que está disposto a responder com pulso firme. Há duas semanas, um adolescente de 15 anos e um adulto atiraram durante um assalto contra o carro onde viajavam Brian Aguiñaco, de 14 anos, e seu avô. Brian morreu com uma bala incrustada no rosto, e o bairro natal do pontífice se mobilizou para exigir mais segurança.

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Ao lado desta zona de trabalhadores que já foi de classe média fica uma favela chamada 1-11-14, a mais perigosa da capital, e precisamente ali viviam os ladrões. O menor fugiu para o Chile, mas foi detido por policiais desse país. Agora, o Governo de Macri anuncia que vai introduzir no Congresso uma reforma que reduziria de 16 para 14 anos a idade de responsabilidade penal, algo que colocaria a legislação argentina, originária da última ditadura militar (1976-83), entre as mais duras da América Latina. Há 12 sentenças de prisão perpétua contra réus que cometeram os delitos quando eram menores de 18 anos.

O ministro da Justiça, Germán Garavano, informou ao EL PAÍS que haverá uma reforma completa e sem atropelos dessa legislação. “Faremos um trabalho sério com base no que foi realizado em 2016 com o Unicef e juízes de todo o país”, disse Garavano, que confirmou a intenção do Governo de enviar um projeto ao Congresso no fim deste ano, depois de uma eleição que renovará boa parte do Congresso e após debate numa comissão específica. Essa redução para 14 anos da idade de responsabilidade, que o ministro confirmou, “só é cogitada para crimes muito graves: roubo com armas, estupros, homicídios e tráfico de drogas, armas ou pessoas”.

Ou seja, a reforma afetaria diretamente casos como o de Brian, cujo suposto assassino, também chamado Brian, membro de uma família desestruturada e com problemas judiciais, tem menos de 16 anos. A proposta linha-dura do Governo recebeu amplo apoio da opinião pública, assustada com a crise na segurança. Até o presidente da Ordem dos Advogados de Buenos Aires, Guillermo Lipera, a respaldou: “Estou de acordo, porque não é o mesmo um menino de 14 anos hoje e há 30 anos, mas acredito que deva ser um ponto dentro de um conjunto de medidas”.

Responsabilidade penal e Maioridade penal

A maioridade penal se refere à idade em que a pessoa passa a ter responder criminalmente como um adulto, ou seja, quando ele passa a responder ao Código Penal. Já a responsabilidade penal pode ser atribuída a jovens com idade inferior à da maioridade penal. Para essa responsabilidade, muitos países também costumam atribuir uma idade mínima (veja aqui). No Brasil, a maioridade penal começa aos 18 anos. A Constituição não diferencia responsabilidade penal de maioridade penal, mas a partir dos 12 anos um adolescente que comete uma infração será responsabilizado por seus atos, embora a punição aplicada seja diferente da pena dada a um adulto.

Fonte: Politize.

Já a deputada Margarida Stolbizer, que foi candidata presidencial em aliança com os socialistas e agora apoia o Governo de Macri em muitos assuntos, clamou contra uma medida que qualificou como “populista e demagógica”. “Teria sido bom que o presidente começasse o ano com o propósito de melhorar o ensino secundário, e não o de prender mais garotos. E se experimentarem uma educação igualitária e de qualidade em vez de continuar com essas prisões que são a academia do crime? De lá eles não saem melhores”, indignou-se.

Também o ativista Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1980, criticou a proposta. “Esta medida só aprofunda a criminalização e estigmatização dos jovens”, disse ele em nota divulgada pela Fundação Serviço Paz e Justiça (SERPAJ), dirigida por Pérez.

Emilio García Méndez, presidente da Fundação Sul Argentina, dedicada à defesa dos direitos de crianças e adolescentes, explica que a atual legislação argentina, “um decreto que leva a assinatura do [ex-ditador] Jorge Rafael Videla”, deixa nas mãos dos juízes a atribuição sobre o que fazer quando o criminoso é menor de 16 anos. Por isso, ele rejeita a redução da idade de penal, que implicaria tratar os menores como adultos, mas propõe “um regime penal entre 14 e 18 anos com penas diferenciadas”. “Todos os países da América Latina, menos a Argentina, têm sistemas de responsabilidade penal juvenil, a maioria entre os 14 e 18 anos, alguns, como o Brasil, entre os 12 e os 18, e outros, como o Uruguai, entre os 13 e os 18. Como aqui os menores de 16 anos não têm direito a um devido processo, os adultos jogam todos os crimes para os menores”, afirma. “A Argentina é o país com mais condenações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos por temas vinculados aos menores: quatro entre 2003 e 2013. O problema é que os menores de 16 anos, se forem pobres, vão presos e sem processo, e se não forem pobres são entregues aos pais.”

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