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Para especialistas, PEC 241 ataca só parte do problema

Medidas precisam vir com reforma na Previdência, segundo analistas

O principal projeto do presidente interino Michel Temer no âmbito da economia, um pacote de congelamento dos gastos públicos, ganhou forma concreta vinte dias após o seu anúncio. Nesta quarta-feira (15), Temer enviou ao Congresso o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que limita por um período de vinte anos o aumento das despesas totais do Governo à inflação. Se entrar em vigor em 2017, portanto, o orçamento disponível para gastos será o mesmo de 2016, acrescido da inflação daquele ano. O prazo de vigência da PEC só poderá ser revisto a partir do décimo ano.

Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em coletiva sobre PEC que limita aumento de gastos públicos
Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em coletiva sobre PEC que limita aumento de gastos públicosUESLEI MARCELINO (REUTERS)

Na prática, haverá um teto para as despesas – e o texto da PEC considera os três poderes no cálculo, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Segundo estimativas do Governo, os gastos públicos totais vinham crescendo em média 5,8% acima da inflação todos os anos desde 1997. Caso algum governo quebre as regras, a PEC prevê punições, como a proibição de realizar concursos públicos e aumentar salários de servidores. Também seria banido o aumento real das despesas totais no ano seguinte à infração, ou seja, as despesas seriam iguais às do exercício anterior.

Ainda que bem recebida pelo mercado, a PEC tem gerado polêmica em alguns segmentos da sociedade, pois implica no congelamento de gastos em áreas importantes, como educação e saúde, que têm receitas protegidas pela Constituição. Educação, até então, recebe 18% das receitas do governo e, Saúde, 15%. Antes da criação da PEC, já havia sido aprovado um mecanismo que desvinculava 30% desses valores (DRU), o que dava margem para o Governo gastar com outros segmentos. Caso aprovada a nova proposta, a DRU ficará obsoleta. No fim, a medida contradiz o que o próprio presidente interino havia declarado quinze dias atrás: "percentuais com saúde e educação não serão modificados”.

Mas a polêmica não se limita à economia. No âmbito político, a PEC recebeu oposição do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).  Recentemente, ele declarou que o projeto deveria ser guardado para depois do impeachment de Dilma Rousseff, ainda que considere bem vinda qualquer medida de ajuste da economia. "Estamos vivendo uma transitoriedade e talvez seja o caso de aguardarmos o julgamento final", disse.

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De acordo com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a opinião de todas as lideranças políticas será respeitada, mas, "para um projeto que possui tantas mudanças estruturais, quanto mais cedo aprovarmos, melhor. A urgência não é nossa, é da sociedade", declarou em coletiva de imprensa.

Outra "saia justa" política que o Governo interino terá de resolver é a tramitação da PEC no Congresso. Isso porque o processo de cassação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) está travando a pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Nos bastidores, já se estudam maneiras de contornar o problema. Uma das alternativas seria votar a admissibilidade de matéria diretamente em Plenário. A expectativa de economistas é que a PEC seja aprovada sem grandes dificuldades, já que a base política de Temer se provou forte durante seu primeiro mês de mandato.

Qualidade dos gastos

De acordo com Meirelles, mais importante do que o valor despendido com áreas como saúde, educação e segurança, é a qualidade desses gastos. "Dados da educação e da saúde hoje mostram que a alocação de recursos não é o problema. É preciso melhorar a qualidade do serviço prestado à população", afirmou em coletiva de imprensa. Para o ministro, não há contradição com o que o presidente interino declarou anteriormente. "OS recursos serão preservados, haverá correção pela inflação. Temer concorda totalmente com a PEC e é o grande patrocinador desse plano", esclareceu.

Meirelles destacou que a ideia da PEC é trazer mais credibilidade ao mercado, retomando a confiança para investir do setor produtivo. "Não há possibilidade de prosseguir economicamente no Brasil gastando muito mais do que a sociedade pode pagar. Este não é um plano meramente fiscal. Ele vai ajudar a recuperar a confiança do mercado, a gerar emprego e renda", disse.

Analistas de mercado concordam com esse posicionamento. Para Zeina Latif, economista-chefe XP Investimentos, a reação dos setores ligados à saúde e educação é certa, mas essa negociação entre governo e sociedade se faz necessária em momentos de recessão. "Não estamos falando de corte de gastos, mas de contenção de aumento. O atual desequilíbrio fiscal está condenando o país a não crescer. O fato é que acabou o dinheiro e não há opção além de mexer em direitos previstos na Constituição", afirma. Segundo a economista, a sociedade e o setor produtivo foram muito "complacentes" com o slogan do "Brasil que está na moda", criado pelo mercado internacional (a capa da The Economist de 2009 estampava "o Brasil decola") e endossado pelo governo brasileiro numa estrutura expansionista de gastos. "O bom da crise é que ela gera uma oportunidade de rediscutirmos problemas estruturais", complementa.

Uma alternativa possível para reequilibrar as contas públicas sem mexer nos direitos constitucionais seria aumentar arrecadação de impostos, o que foi descartado novamente pela Fazenda. Segundo o ministro, o Governo não trabalha com essa possibilidade tão cedo. Talvez, assim que a PEC entre em vigor e seus efeitos possam ser avaliados mais precisamente, chegue-se à conclusão de aumentar tributação. "Isso não está totalmente descartado para os próximos 20 anos, claro. Mas não há previsão de novos tributos agora", afirmou Meirelles.

A outra metade do problema

As medidas anunciadas nesta tarde podem não ser tão eficazes assim. De acordo com o economista Felipe Salto, especialista em contas públicas, as medidas anunciadas nesta quarta deixaram de foram metade das despesas, o que compromete a eficácia do pacote. Uma conta importante que ficou de fora do pacote de congelamento foi a Previdência, um segmento que abocanha mais de 40% dos gastos públicos obrigatórios.

Segundo escreveu em seu Twitter, a ideia de criar um teto para os gastos é positiva, mas o Governo contou uma "meia verdade" a respeito da saúde e da educação. "No fim das contas, os gastos sujeitos ao teto ficaram em torno de 50%, de modo que o restante poderá subir livremente. Qualquer gasto adicional exigirá redução em outra despesa. Não há mágica". Para ele, ainda há muito por explicar, mas o teto, nos moldes anunciados, "não resolverá o problema fiscal".

Ficaram de fora do pacote a Previdência, as transferências constitucionais a estados e municípios, créditos extraordinários, complementações ao Fundeb (fundo destinado à educação básica), despesas da Justiça Eleitoral com as eleições e despesas de capitalização de empresas estatais. Ao contrário dos gastos com benefícios de aposentadoria, a maior parte dessas outras despesas não foram incluídas porque sobem abaixo da inflação todos os anos.

Segundo o ministro da Fazenda, contudo, a previdência não foi totalmente esquecida. Ela será tratada separadamente, em proposta que segue sob negociação com sindicatos. O economista Alexandre Schwartzman concorda que esse setor demande um capítulo à parte. "Não adianta estipular um teto para gastos com a Previdência porque isso mexeria em aposentadorias atuais. Precisamos de reforma nessa área, portanto. De qualquer forma, é sabido que qualquer mudança na previdência vai surtir efeitos apenas no longo prazo, por contas das regras de transição", explica.

Para Schwartzman, caso o Governo não implemente uma medida que impõe teto aos gastos públicos como esta, ganhando flexibilidade no orçamento, o custo seria uma inflação insistentemente alta ano a ano, o que recairia sobre os mais pobres. Em suas estimativas, a PEC precisará vigorar por pelo menos cinco anos para que a dívida do Governo se estabilize e passe a cair para um patamar mais compatível com a realidade da economia brasileira, ou seja, passar dos atuais 66% do PIB para em torno de 50% do PIB.

Márcio Holland, ex-secretário de política econômica da Fazenda e autor do livro "A economia do ajuste fiscal: por que o Brasil quebrou", pondera que uma simples limitação do aumento do salário mínimo à inflação poderá contribuir, mais para a frente, para reduzir o impacto da previdência nas contas públicas, já que os benefícios estão atrelados ao piso salarial nacional. Segundo o professor da FGV, a previdência precisa ser tratada à parte porque demanda uma reforma na velocidade com que novos beneficiários são incluídos no sistema. "O problema não mora na correção dos valores dos benefícios, mas na idade de aposentadoria, que é muito baixa no Brasil", afirma.

O fato da PEC não incluir a previdência acaba virando capital político na hora de discutir a reforma. "Se não aprovar mudanças na previdência, um gasto que cresce acima da inflação todos os anos, vai ter de cortar de outras áreas, como saúde e educação", diz Holland. "Nesse sentido, a PEC deixa para a sociedade, por meio do Congresso, escolher com o que quer gastar", complementa.

Ainda que seja considerada a melhor solução, em comparação a vincular gastos obrigatórios pela Constituição, deixar apenas para o Congresso decidir como os gastos devem ser feitos pode trazer riscos para o futuro de gastos essenciais, como saúde e educação, segundo destaca Zeina. "Talvez o país ainda não tenha atingido uma maturidade democrática suficiente para isso, mas podemos avançar muito nessa discussão", afirma. Um exemplo negativo foi o aumento do teto salarial dos servidores públicos, uma proposta do Executivo aprovada pela Câmara, que elevará as despesas do Governo em 67,7 bilhões de reais nos próximos três anos. A medida, caso passe no Senado, comprometerá recursos de áreas consideradas mais prioritárias, na visão da economista.

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