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Cúpula de Munique evidencia a fragilidade do plano de trégua na Síria

Divergência entre Rússia e Estados Unidos põe em xeque saída política para a guerra da Síria

Luis Doncel
John Kerry e o alemão Frank-Walter Steinmeier.
John Kerry e o alemão Frank-Walter Steinmeier.REUTERS

O momento mais importante da Conferência de Segurança realizada neste fim de semana em Munique ocorreu oito horas antes de seu início. Na madrugada de sexta-feira, os representantes de 17 países, reunidos também na capital da Bavária, chegaram a um acordo para conseguir uma “cessação de hostilidades” na guerra da Síria. Só que a alegria durou pouco. As intervenções de diferentes líderes nesse fórum deixaram evidente a fragilidade do pacto urdido por Estados Unidos e Rússia. E também a enorme distância que separa o Kremlin das potências ocidentais. Três dias de debates sobre as ameaças à segurança mundial deixam à mostra os seguintes pontos:

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Rússia se impõe. O momento mais midiático da conferência aconteceu quando o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvédev, alertou sobre o risco de uma segunda guerra fria entre seu país e o Ocidente. Não tão divulgada, mas talvez mais importante, foi a atuação prévia de seu ministro de Assuntos Exteriores, Serguéi Lavrov, que conseguiu algo a que os EUA tinham se oposto de forma clara: um pacto para acabar com as hostilidades que não entrará em vigor imediatamente, e sim em uma semana. Dessa maneira, o regime de Bashar al-Assad, protegido por Moscou, ganha tempo para se impor no terreno. “Vimos uma novidade em termos históricos. A Rússia tomou a dianteira no Oriente Médio; além disso, pela força”, resumiu neste sábado Norbert Röttgen, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento alemão. Esse político democrata-cristão afirma que, com essas ações, Moscou não é mais um parceiro viável para lutar contra o Estado Islâmico (EI).

Estados Unidos, ausentes. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, fez um discurso otimista, no qual recordou seus estreitos vínculos e paixão pessoal pela Europa. Mas alguns dos participantes em Munique criticaram a Administração Obama por um certo isolacionismo. “Diferentemente do que aconteceu quando caiu o Muro de Berlim, os norte-americanos não estão interessados em ajudar a Europa. Vemos isso na crise dos refugiados, em que não fazem nada. A Rússia, sim, está disposta a tornar a vida mais difícil na Europa, agindo no que eles consideram seu quintal”, diz Ian Bremmer, analista e presidente da empresa de consultoria política Eurasia.

Síria agoniza. Enquanto os diplomatas conversavam em Munique, as forças do regime sírio tomavam posições em direção a Aleppo. E a Arábia Saudita e a Turquia planejavam maior envolvimento militar. Uma das poucas vozes sírias ouvidas em Munique foi a de Riad Hijab, coordenador da oposição a Assad, muito crítico ao acordo. “Ouvimos nessas conferências palavras de esperança. Mas nós precisamos de ações já. E a única ação que se vê é a Rússia matando civis”, afirmou. Consciente de que neste conflito se enfrentam visões do mundo antagônicas e irreconciliáveis, o ministro iraniano Mohamad Zarif propôs a seus rivais a busca de alguns princípios básicos sobre os quais entrar em acordo. Zarif, defensor do regime de Assad, citou alguns aspectos em que se poderia chegar a acordo com seu grande inimigo na região, a Arábia Saudita: uma Síria “estável, não terrorista, multiétnica e multiconfessional”.

Ucrânia se enquista. O presidente Petro Poroshenko chamou a atenção no ano passado em Munique ao exibir passaportes russos capturados por seu Exército para mostrar a presença de forças russas no território ucraniano, o que o Kremlin negava. Um ano depois, o conflito sírio ofusca todos os outros. Poroshenko, presente também a esta edição da Conferência de Segurança, acusou o russo Vladimir Putin de liderar uma Europa alternativa que propaga valores como “a intolerância, o não respeito aos direitos humanos, o fanatismo religioso e a homofobia”.

Refugiados encalham. A chanceler (primeira-ministra) Angela Mekel recebeu no sábado um golpe inesperado. O primeiro-ministro francês, Manuel Vallas, anunciou que não apoiará o sistema de cotas obrigatórias para a divisão dos refugiados na União Europeia proposto por Berlim. Além disso, o anúncio foi acompanhado por uma crítica pouco dissimulada a Merkel e sua política migratória: “A França nunca disse [aos refugiados]: Venham conosco”. Essa é exatamente a acusação feita contra a chanceler tanto por seus inimigos políticos internos quanto por países do Leste da Europa contrários a acolher refugiados.

África, a grande esquecida. Apenas no último dia da conferência houve tempo para falar sobre a África. Quem lançou o tema foi o ex-secretário geral da ONU Kofi Annan, de Gana, que denunciou a falta de perspectivas para os jovens de um continente que, com mais de 1,1 bilhão de habitantes, é o segundo mais povoado do mundo. Annan deu um exemplo da escassa atenção recebida pela África: em 2015, o grupo terrorista Boko Haram matou mais gente que o Exército Islâmico.

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