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Hillary Clinton sai fortalecida do primeiro debate democrata

Candidatos tentam impor na campanha temas relacionados à justiça social

Pablo Ximénez de Sandoval

Hillary Clinton mostrou as suas armas diante das câmeras da CNN e deixou evidente a distância que a separa dos demais candidatos democratas no que se refere à experiência concreta. No primeiro debate das primárias do Partido Democrata, o público norte-americano viu nesta terça-feira cinco pessoas com diferentes experiências falando, talvez pela primeira vez na campanha, sobre economia, políticas sociais, política externa e classe média. A própria Clinton destacou, ao final, a diferença com os debates republicanos. Donald Trump foi soberbamente ignorado.

Os cinco candidatos democratas se resumem a três. A ex-secretária de Estado, o senador Bernie Sanders e o ex-governador de Maryland Martin O’Malley. A única imagem da CNN a expressar a situação real do Partido Democrata era quando apareciam apenas os três. Clinton, ao centro, dominou o debate tal como tem dominado nas pesquisas, em que aparece com quase 40% na população em geral e chega a 79% entre os democratas, além de ser a candidata mais conhecida de todos os partidos, com exceção do milionário televisivo Donald Trump. Nada disso se alterou com esse debate exibido pela televisão.

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A campanha de Clinton enfrenta poucos riscos do ponto de vista externo ao seu partido; o perigo maior é mesmo de implosão. A bomba interna é a sua atuação como secretária de Estado durante a ocupação do consulado dos EUA em Bengasi (Líbia), em que quatro norte-americanos foram mortos. O Partido Republicano, em sua cruzada para responsabilizá-la por essas mortes, descobriu que Clinton usou seu correio eletrônico pessoal em um trabalho oficial. Desde então, Clinton se desculpou, disse que foi um erro e disponibilizou 55.000 páginas de e-mails para serem analisadas e divulgadas.

No debate, ela voltou a se defender sobre esse item. Quando chegou a vez de seus adversários a atacarem neste que seria o ponto mais frágil de Clinton, o público assistiu, entusiasmado, a um partido unido. O’Malley disse: “Não podemos nos pautar por essa história de e-mails. Vamos falar de coisas sérias”. Sanders, em tom de indignação, afirmou: “Os norte-americanos estão cansados de falar sobre os e-mails. Chega dos e-mails!”, e estendeu a mão para Clinton, que lhe agradeceu, e o publicou os aplaudiu de pé. Foi o momento mais marcante da noite. “Foi o momento maior da campanha, honesto e sincero”, disse ao EL PAÍS o assessor de Sanders, Ted Devine, na sala de analistas. Expressou-se, aqui, a diferença entre debater e trocar insultos. Somente o ex-senador Lincoln Chafee, figura marginal na campanha que provocou risos na sala de imprensa, tentou lançar alguma desconfiança em relação à candidata. "Quer responder a ele?", perguntou-se a Clinton. “Não”. Mais aplausos. Os democratas deixaram claro que não pensam em participar de nenhuma polêmica que possa fragilizar Clinton, mesmo que, com isso, facilitem a campanha da ex-secretária de Estado nas primárias.

Na sala de analistas, o ex-prefeito de Los Ángeles Antonio Villaraigosa, que atua na campanha de Clinton, afirmou ao EL PAÍS que “os outros candidatos compreendem que essa eleição, no fim das contas, é uma disputa entre democratas e republicanos. Em um momento em que o Partido Republicano está tomado pela extrema-direita, é preciso mostrar unidade”. Para Villaraigosa, há um reconhecimento tácito de que ela será a candidata.

Mas isso não significa que Clinton não tenha de responder sobre o seu passado. Se existe uma mancha difícil de ser tirada no currículo progressista da ex-secretária de Estado é, sem dúvida, o fato de ter votado a favor da invasão do Iraque em 2003. No debate, essa posição foi chamada de “a pior decisão de política externa da história”. Até mesmo Chafee, que na ocasião era senador republicano, votou contra a invasão. Ele próprio procurou usar o caso ao se perguntar que decisões ela tomaria como presidenta se, em outras crises, em uma situação como aquela, votou a favor da invasão. A candidata retrucou com uma frase: “O presidente Obama aprovou meu histórico quando me nomeou secretária de Estado, e passei com ele muitas horas administrando crises” na Casa Branca.

O duelo mais esperado da noite era entre Clinto e Bernye Sanders, a candidata inexorável que deveria unificar o partido e o candidato-surpresa que a obrigou a se posicionar sobre assuntos delicados do ponto de vista presidencial, como o ensino gratuito e a necessidade de regulamentação do setor financeiro. Sanders, no entanto, teve de começar explicando o que significa a social-democracia, em um país onde a palavra socialista é politicamente venenosa. Ele afirmou que os Estados Unidos são o único país desenvolvido que não dispõe de um sistema público de saúde e licença-maternidade. Comparou a sua proposta com os sistemas existentes nos países nórdicos. O assunto levou o mediador a perguntar a cada um dos candidatos se se considerava um capitalista. Clinton ponderou que a defesa desses pontos não é incompatível com a defesa da livre iniciativa ou das pequenas empresas, as quais ela identificou como expressão da própria liberdade.

Os melhores momentos de Sanders ocorreram quando atacou o sistema financeiro. “O Governo não regulamenta Wall Street, Wall Street é que regulamenta o Governo”, afirmou à certa altura, quando denunciava a influência exercida pelo poder das corporações sobre a política. O candidato também brilhou ao explicar que sua campanha abriu mão do dinheiro dos maiores doadores e só aceita no máximo 30 dólares por pessoa. Mas também nesse ponto ele se recusou a atacar Clinton, que tem atrás de si um grupo de apoio (super PAC, no jargão eleitoral norte-americano) de arrecadação ilimitada. Os assessores de Sanders explicaram, na sala de análise, que sua campanha não tem como foco ele próprio ou Clinton, mas sim os problemas concretos da sociedade.

Grande parte do debate foi ocupada pela questão da política externa. Os candidatos começaram falando do recente envolvimento da Rússia na guerra civil da Síria e terminaram falando sobre o mar da China, a tal ponto que, à certa altura, Sanders ficou literalmente sem palavras, pois já não sabia sobre qual item tinha de se pronunciar. O candidato disse que a Rússia irá se arrepender de ter entrado na Síria “assim que soldados russos começarem a morrer”. Clinton disse que a relação com Moscou se deteriorou com a volta de Putin à presidência do país e defendeu a implantação de áreas de segurança para refugiados.

O debate acabou, na prática, por se tornar um comício de Clinton. Os democratas se mostraram unidos em torno de assuntos essenciais como o ensino gratuito e a licença-maternidade e auxílio-doença e a necessidade de se abrir um caminho para a obtenção de cidadania para 11 milhões de pessoas sem documentos. Mostraram visões diferentes sobre o Irã, sobre armamentos ou sobre a legalização da maconha (Clinton disse não estar preparada para apoiar esse item integralmente), mas, até mesmo com essas divergências, limitaram-se a expressar suas propostas, optando por não atacar uns aos outros. Sanders deixou claro que estava ali para trazer à tona os temas que considera relevantes. O’Malley exibiu um perfil nacional de líder democrata jovem que ainda busca o seu caminho, e os outros dois ganharam alguns minutos de exposição na televisão. Ninguém tirará de Clinton a candidatura.

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