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“Temos influência no mundo árabe. Estamos prontos para usá-la”

O diplomata aponta a grande mudança geopolítica que um acordo nuclear representaria

Andrea Rizzi
O ministro de Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, nesta terça-feira, em Madri.
O ministro de Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, nesta terça-feira, em Madri.Luis Sevillano

Frequentemente, o maior obstáculo para um acordo em uma negociação internacional não é a distância entre as partes que dialogam, mas a que separa estas das forças que, em seus respectivos países, se opõem ao pacto. Essa parece ser agora a principal dificuldade enfrentada por Barack Obama e Hasan Rohani para se chegar a um acordo nuclear, um entendimento com potencial para marcar uma mudança histórica nas relações internacionais. O presidente norte-americano lida com as resistências do Congresso; o iraniano, com a ala ultraconservadora do regime.

“O acordo está muito próximo. Mas depende da vontade política de alcançá-lo por meio do entendimento, e não pela pressão. A pressão e a coerção apenas geram resistência”, adverte Mohammad Javad Zarif, ministro das Relações Exteriores do Irã e líder da equipe de negociadores de Teerã. Em uma entrevista concedida em Madri a este jornal junto com outros três veículos de comunicação espanhóis, o veterano diplomata aponta para o cenário transformador que seria aberto por um acordo. “Se for alcançado, pode eliminar a profunda desconfiança que todo o povo iraniano sente com relação aos EUA e permitir um diálogo com Washington inclusive em outras áreas. Essa possibilidade está aí, e nós estaríamos dispostos a considerá-la”.

Mas os obstáculos ainda parecem titânicos. Na quinta-feira, o líder supremo, Ali Khamenei, e o presidente Rohani pronunciaram discursos com uma importante diferença. O presidente cobrava a suspensão das sanções impostas ao Irã junto com a implementação do acordo; o líder supremo exigia o levantamento de forma simultânea à assinatura do acordo, dando munição à ala radical. A diferença é crucial, porque o Ocidente quer verificar o cumprimento dos pontos acordados antes de retirar as sanções.

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“Não há nenhum racha entre o presidente e o líder supremo”, afirma Zarif. “Todos dizemos que as sanções deveriam ser levantadas com esse acordo. A data na qual esse levantamento será efetivo é a data de implementação. Os compromissos de ambas as partes devem ser equilibrados. Nós assumiremos compromissos no dia da assinatura. Os EUA e a UE também têm que assumir compromissos nesse mesmo dia. Uma vez que assumam, começaremos a implementá-los. Pode levar algumas semanas para que ambas as partes se preparem para a implementação de seus compromissos. As sanções serão levantadas no dia que esse acordo for referendado pelo Conselho de Segurança [da ONU]”, afirma Zarif, em uma explicação que parece em linha com a posição de seu presidente.

Sintomas de certa discrepância entre o Governo e o líder supremo também podem ser vistos na dialética relacionada com Israel. Perguntado sobre um polêmico tuíte de Khamenei em novembro –no qual defendia a “aniquilação do regime israelense”—, Zarif evita assumir por completo esse discurso como próprio.

—O seu Governo compartilha a ideia da “aniquilação do regime israelense”?

[O primeiro-ministro israelense, Benjamin] Netanyahu tem buscado ativamente a aniquilação do Governo iraniano nos últimos anos. Acreditamos que falta uma solução democrática para a questão palestina, e esse mesmo tuíte destacava uma proposta para que todos os habitantes da Palestina tivessem a possibilidade de decidir sobre o futuro de seu país. Se alguns chamam isso de aniquilação, é assunto deles. É um processo democrático. Pensamos que esse regime não fez nada além de violar os direitos de todos os árabes.

—Mas está de acordo com a ideia da aniquilação?

—Não. A ideia é uma solução democrática em que um regime que está baseado no apartheid deve ser afastado e deve ter um substituto democrático. Não temos nada contra o povo judaico, os judeus têm vivido no Irã durante séculos e têm agora um representante em nosso Parlamento.

Zarif (Teerã, 1960) é um diplomata de trajetória notável, que está à frente da negociação nuclear desde o início. Foi o representante iraniano junto à ONU entre 2002 e 2007, período em que foram aprovadas as primeiras rodadas de sanções contra o Irã devido ao polêmico programa nuclear iraniano. Quando jovem, estudou Relações Internacionais nos EUA. Apesar das dificuldades econômicas enfrentadas por seu país, ele se mostra confiante na projeção do Irã na região.

Não temos nada contra o povo judaico, os judeus têm vivido no Irã durante séculos e têm agora um representante em nosso Parlamento.

“Temos influência em todo o mundo árabe e muçulmano. Somos um ator importante nessa região. Estamos preparados para usá-la para alcançar uma solução política no Iêmen, porque sabemos que não há solução militar. Os bombardeios sauditas não resolverão o problema, entre outras coisas porque nesse país praticamente não existem infraestruturas militares suscetíveis a serem alvos de ataques aéreos. Nós não apoiamos os houthis [facção xiita iemenita]. Apoiamos uma solução negociada”, diz Zarif, que afirma que, no Iraque e na Síria, o Irã tem militares destacados apenas na condição de “assessores, e após convites dos Governos legítimos desses países que têm assento na ONU”.

Na política interna, Zarif responde de forma evasiva às perguntas sobre a repressão exercida pelo regime contra líderes reformistas. Questionado sobre os casos de Mehdi Karroubi e Mir-Hossein Mousavi, candidatos presidenciais contra Mahmoud Ahmadinejad e sob prisão domiciliar há quatro anos, o ministro se limita a dizer que esses “são assuntos legais que devem ser discutidos no marco legal no qual estão tramitando”.

“Não somos uma sociedade monolítica. Temos várias vozes no Governo e na sociedade. Elas têm direito de falar. Toda a sociedade quer um acordo; mas um bom acordo. Se não alcançarmos, as vozes mais céticas terão o respaldo da população”, adverte Zarif.

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