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Denunciadas por abortos

El Salvador indulta uma mulher presa por um problema obstetrício. Ainda há 21 presas

María R. Sahuquillo
Guadalupe Vásquez no tribunal.
Guadalupe Vásquez no tribunal.Oscar Rivera (EFE)

A última coisa que Guadalupe Vásquez viu antes de entrar na prisão foi a cama de hospital e as roupas brancas dos médicos do hospital salvadorenho de San Bartolo. A jovem, de 18 anos, tinha ido ao setor de emergências por causa de uma hemorragia uterina. Ali, os médicos a denunciaram por provocar um aborto – proibido em El Salvador – e Vásquez passou do hospital à prisão. A promotoria mudou depois a acusação de aborto para homicídio agravado. Ao que parece, a jovem, que sempre alegou que não sabia que estava grávida e que, além disso, tinha sido estuprada, deu a luz sozinha a um feto sem vida no quarto em que vivia. Os juízes a declararam culpada e Vásquez foi condenada a 30 anos de prisão. Hoje, depois de mais de 1/4 de sua vida atrás das grades, acaba de recuperar a liberdade. A Assembleia Legislativa de El Salvador lhe concedeu o indulto.

Na prisão ainda há outras mulheres com casos similares. Dezesseis com condenações finais e outras cinco – processadas nos dois últimos anos – esperando que a sentença condenatória seja definitiva. Todas afirmam ter sofrido complicações obstetrícias que terminaram em abortos ou mortes dos fetos, e foram primeiro acusadas por interrupção voluntária da gravidez – com pena de até cinco anos – e finalmente processadas por homicídio agravado (por parentesco). Algumas cumprem penas de até 40 anos, afirma Morena Herrera, presidenta do Coletiva Feminista e uma das ativistas que conhece de perto cada caso.

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A ONU, depois do histórico indulto de Vásquez, pediu que El Salvador revise as condenações. E também reforme sua duríssima legislação sobre aborto, que proíbe essa intervenção inclusive para salvar a vida da gestante, o que faz com que mulheres que tenham sofrido abortos espontâneos ou complicações obstetrícias – a maioria formada, dizem, por mulheres pobres e sem estudos – sejam condenadas. “Está na hora de acabar com essas injustiças”, diz um relatório das Nações Unidas elaborado por seis de seus relatores, incluídos os de Torturas, Mulher e Justiça. “A lei viola o direito da mulher de manter padrões dignos de saúde física e mental, e não garante seu acesso aos serviços que asseguram seus direitos sexuais e reprodutivos; especialmente o aborto terapêutico”, diz a análise que os relatores enviaram ao Governo de Salvador Sánchez Cerén, da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN).

Guadalupe Vásquez acaba de voltar para a casa de sua mãe. Passou sete anos privada de liberdade e enquanto isso, o tempo não parou. Conta, um pouco desorientada, que ao chegar à casa familiar quase não conseguia reconhecer seus irmãos menores. Na prisão de mulheres de Ilopango – uma das mais saturadas do mundo e onde permaneceu a maior parte de sua pena – as visitas eram limitadas. “Quando me condenaram, queria morrer. Eu sabia que era inocente e me sentia impotente pelo que estava acontecendo comigo. Perdi muito por algo que não fiz, mas por fim a justiça foi feita”, diz por telefone de San Salvador.

Agora, Vásquez, que trabalhava como empregada doméstica em uma casa ganhando apenas 80 dólares por mês e foi estuprada por um vizinho de seus patrões quando morava em um quarto sem luz, conta que quer refazer sua vida. Quando foi condenada só tinha estudado até o terceiro ano escolar. Na prisão, terminou o bacharelado. “Adoraria continuar estudando, talvez ser advogada ou algo assim, queria ajudar outras mulheres como eu”, diz.

O de Vásquez é o primeiro perdão por delitos relacionados com a interrupção de gravidez em El Salvador. Também é o primeiro concedido a uma mulher nesse país. A Assembleia Legislativa, depois de uma intensa campanha nacional e internacional, aprovou com 43 votos – o mínimo – a libertação da mulher por considerar que seu processo esteve cheio de irregularidades. Além disso, explica Dennis Muñoz, um dos advogados que atuaram no caso pelo Grupo para a Despenalização do Aborto, porque conseguiram confirmar que Vásquez foi condenada apesar de que os legistas manifestaram que o feto morreu por “causas indeterminadas”; nunca foi mencionado que tenha sido por um aborto provocado.

O caso da jovem reabriu o debate sobre a legislação do aborto em El Salvador em plena campanha eleitoral legislativa e municipal com eleições no dia 1º de março. No entanto, afirma o analista político Marcel Pérez, em um país onde a Igreja e os setores mais conservadores têm muita influência, nenhum partido quis se arriscar a falar sobre a mudança da lei. Na verdade, alguns dos deputados que votaram pelo perdão de Vásquez foram vítimas de intensas campanhas por parte dos grupos contra o direito ao aborto. El Salvador restringiu acesso a essa prática em 1997 – até então era permitida — e incluiu, além disso, na Constituição um artigo que afirma que a vida deve ser protegida “desde o momento da concepção”. Um modelo difícil de mudar sem um amplo consenso político. Enquanto isso, as mulheres continuam sofrendo as consequências da draconiana legislação. Entre 2000 e 2011 (último ano em que há dados), foram processadas pelo menos 129 mulheres – 60% denunciadas pelo pessoal médico – sendo que 49 delas foram condenadas.

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